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“Quando aportámos à pequena baía a Oeste de Lan Tau era quási noite; o ferro desceu encontrando a pequena profundidade o leito de areia. Na sombra do crepúsculo percebi que estavamos junto duma praiasita deserta, no sopé da montanha: pareceu-me ver duas ou três cabanas de pescadores a pequena distância dum pagode, entre uma macisso de árvores. O enorme junco ficou imóvel, com os seus compridos mastros inclinados para vante e os panos de esteira apanhados. Como a noite estava quente uma destas noites em que tudo se imobilisa sob a invisível ameaça dum estranho perigo – desdobrámos um toldo e estendêmo-lo, atando-o aos mastros, para abrigar o convés onde se iria dormir ao ar livre.

O mais velho de bordo – patriarcal figura de chefe de tribu – duas vezes avô, acocorou-se no castelo da popa e em volta reuniu a família para a ceia. Os pequenos, os que ainda gatinhavam, encavalitavam-se às costas das irmãzitas mais velhas, suspensos dum pano que elas atavam na cintura e faziam depois passar depois pelos ombros. (1) Outros, já cresciditos andavam de cabaça amarrada ao corpo para boiarem, se caíssem à água. (2) Acocoramo-nos em redor duma enorme panela de arroz com o belo apetite dos que andam no mar. Quizeram que eu enchesse primeiro a minha tijela de porcelana mas recusei, sentindo quanto o mais velho tinha sôbre mim esse direito. Os «fachis» (3) eram negros, do muito uso; mas o arroz estava delicioso; branco e solto, como o das melhores várzeas de Saigon, nunca me pareceu tão excelentemente cosido. Animava-se o grupo com a jovialidade espontânea de quem satisfaz o apetite. As tijelas próximas da bôca, seguras com uma das mãos enquanto a outra manobrava hàbilmente os «fachis»; em uma travessa, de que todos servíamos, havia ainda hortaliça, cortada em pequenos pedaços, e peixe salgado. A refeição foi sóbria e simples; mas teve para mim o encanto que nenhum opulento banquete me poderia dar.

A harmonia perfeita daquele grupo estava na simplicidade de costumes e espontânea alegria, primitiva, do homem livre, habituado ao mar, desconhecedor das complicadas hierarquias que a civilização trouxe. Anoiteceu. Acendemos nas lanternas as candeias de óleo, e procurámos esteiras nos cubículos do castelo da popa. Estirei a minha junto do mastro grande e deitei-me, encostando a cabeça a um molho de velhos cabos por não me ajeitar com o duro travesseiro de porcelana. Alguns fumavam nos seus cachimbos de bambu, conversando, acocorados, numa roda apertada, como se tramassem alguma cousa em segredo. Como o calor apertava enrolei a camisola deixando o peito descoberto e aceitei o leque que me ofereceram; as calças negras e largas dêsse fresco tecido que a gente do mar habitualmente usa, serviam-me de pijama e sempre e livravam as pernas dalgum mosquito que viesse de terra.

Estirado ao comprido, embalado na suave cadencia da vaga e vendo no céu profundo e negro a infinidade de constelações não tardei a adormecer.” Excerto do Capítulo VI– A lorcha de SANTA CLARA, António de – Cartas do Extremo Oriente, 1938, pp. 67-69.

Anteriores referências: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/05/10/os-antigos-cozinheiros-ambulantes-de-macau-1953-i/

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/tancareiros/

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2022/05/16/leitura-tipos-e-costumes-a-crianca-e-a-cabaca-ii/

(3) Faichis – “Pauzinhos” para levar a comida à boca. Termo macaense usado pelos chineses desta região e também pelos portugueses de Macau e Hong Kong (BATALHA, Graciete – Glossário do Dialecto Macaense, 1977.

Parte da “Grammatica Philosophica”, (1) remetida de Macau ao Redactor da «Gazeta desta Corte» por Joaquim José Leite, (2) Reitor do Real Colégio de S. José em 14 de Janeiro de 1813.

continua

(1) http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=700177&pagfis=483

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/padre-joaquim-jose-leite/

(24 cm x 7 cm x 1.5 cm)

O MACAENSE: Identidade, Cultura e Quotidiano

Coordenação: Roberto Carneiro, Jorge Rangel, Fernando Chau e José Manuel Simões.

Editora: Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, 286 p. ISBN 978 972 540 6564.

A ilustração é de Luís de Abreu e integra o n.º 25 da Colecção dos Estudos e Documentos.

Tem como parceiro a Fundação Macau e conta com a organização do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (Universidade Católica), University of Saint Joseph e do Instituto Internacional de Macau.

Resumo: “Em Macau 澳門, República Popular da China, o cruzamento de povos e culturas configura um verdadeiro melting pot ao longo de cinco séculos de globalização, resultando num caleidoscópio de religiões, etnias, línguas e grupos sociais, em que ressaltam atributos únicos de tertium genus tais como o patuá, a culinária, a arte e a música, a religião e as festividades. Estes frutos do encontro, e da mistura de modos específicos de expressão e de comunicação, vão construindo, assim, um espaço novo, uma nova referência, uma identidade, à primeira vista sincrética, mas acabando por se afirmar e compreender como marcante e original: uma miscigenação, altamente improvável do ponto de vista das probabilidades de hibridação cultural. Qual o futuro destas especificidades da comunidade macaense perante os desafios vindouros, no contexto de uma acelerada dinâmica económica, cultural e política da região do Delta do Rio das Pérolas? Terá a identidade macaense, e o território de Macau, um inovador, histórico, papel a desempenhar no quadro das novas estratégias chinesas (i) de globalização, Iniciativa Faixa e Rota (Belt and Road Initiative), e (ii) do megaprojeto de desenvolvimento, Grande Baía Guang Dong-HongKong-Macau? Manterá a comunidade macaense laços específicos de solidariedade e funcionará como uma diáspora ativa, com consciência do seu património identitário, sem a necessária referenciação a um território? Num mundo em constante e rápida mutação, a identidade, a cultura e os valores constituem referenciais muito importantes no dia-a-dia das populações. Da mesma forma, a diversidade (i.e., identidade) constitui uma mais-valia num mundo cada vez mais globalizado, “conectado” e incerto. A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) tem um enorme potencial na afirmação de uma condição consuetudinária de miscigenação, decantada e consolidada ao longo de séculos, e uma grande oportunidade de servir de ponte, com um óbvio valor acrescentado de utilidade, entre povos, culturas e mercados que se ignoraram ao longo dos anos.”https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/30657

CAPA

SILVA, Fernando David e – Oficinas Navais de Macau: Cem Anos de Construção e Reparação Naval. Museu Marítimo de Macau, 1993, 145 p. (23 cm x 15 cm)

Direcção de edição: Rui Brito Peixoto; Revisão literária e da fotocomposição: João Carvalho; Impressão e acabamento: Tipografia Martinho (Macau)

Edição ilustrada em folhas à parte com mapas e um interessante conjunto de fotografias tiradas ao longo de todo o século XX.

CONTRACAPA

Este exemplar, comprado na Feira do Livro do Porto (2023) tem uma DEDICATÓRIA AUTÓGRAFA do punho do autor para o João Carvalho, datada de 1/7/94.

Biografia resumida do autor: Fernando Alberto Carvalho David e Silva (1947). “Ingressou na Marinha em 1965, como Cadete da Escola Naval, iniciando uma carreira de mais de 45 anos, durante a qual prestou serviço embarcado (1969-1976) e, sucessivamente, no Corpo de Fuzileiros, Direcção do Serviço de Manutenção, Arsenal do Alfeite, Escola Naval, Oficinas Navais de Macau e de novo na Escola Naval. Promovido a contra-almirante em 2000, foi nomeado Director de Navios, cargo que exerceu até 2004. Entre este ano e 2011, quando passou à situação de reforma, serviu na Superintendência do Serviço do Material, no Conselho Superior de Disciplina da Armada e como juiz-militar no Tribunal da Relação do Porto. É licenciado em História (2011), mestre em História Marítima (2014) e doutor em História Contemporânea (2020), pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “ (https://escolanaval.marinha.pt/pt/investigacao_web/investigadores_web/Paginas/FernandoDavidSilva.aspx)

O dia 13 de Novembro de 1960 (data da morte do ínclito Infante, em 1460) foi oficialmente destinado para se encerrarem as Comemorações Henriquinas inauguradas a 4 de Março, data do seu nascimento, no Porto, em 1394. (1)

Extraído das pp. 359-361 de “Comemorações, em Macau, do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique”, edição do Leal Senado da Câmara de Macau, 1960, 426 p.

(1) Anteriores referências das “Comemorações, em Macau, do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique”, ver em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/11/13/comemora-coes-em-macau-do-v-centenario-da-morte-do-infante-d-henrique-1460-1960-i/https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/01/16/leitura-comemora-coes-em-macau-do-v-centenario-da-morte-do-infante-d-henrique-ii/

Extraído de «MBIT”, Vol. XII, n.ºs 7 e 8, Set/Out, 1977, p. 23

Ver anterior referência a este opúsculo em https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/09/07/leitura-os-piratas-em-coloane-em-1910/

«Macau Um Homem, Dois Olhares. Razões de uma “descolonização exemplar”», do General Joaquim Chito Rodrigues. (1) (2) Livro saído em Outubro de 2022 (1.ª edição, com 519 páginas) cuja leitura considero essencial para quem queira conhecer a História de Macau nomeadamente das forças militares de Macau no período da chamada “Descolonização “(O verão quente de 1975) em Macau. Prefácio do General António Ramalho Eanes.

(1) Em Macau, (de 1975 a 1978) Joaquim Chito Rodrigues (então Coronel Graduado) desempenhou por onze vezes as funções de Governador de Macau em exercício, território onde foi também Comandante Militar, Presidente do Tribunal Militar Territorial, Chefe do Estado-Maior do Comando-Chefe e Comandante das Forças de Segurança de Macau..

(2) Joaquim Chito Rodrigues nasceu em Castelo Branco a 13 de Março de 1935. Licenciado em Ciências Militares, terminou o curso da Escola do Exército em 1956. Mais tarde, e após ter tirado o Curso Complementar de Estado-Maior no Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), onde foi professor, doutorou-se em Planeamento e Altos Estudos Militares pelo Exército do Brasil. Frequentou o Curso Superior de Comando e Direção no IAEM com alta classificação. Promovido ao posto de Brigadeiro desempenhou as funções de Chefe da 2.ª Divisão do EMGFA. Terminou a sua carreira no posto de General, tendo exercido os cargos de Comandante da Instrução do Exército, Diretor do Instituto de Altos Estudos Militares e Presidente do Conselho Superior de Disciplina do Exército. Serviu o Exército em África (Angola), América (Brasil), Europa (OTAN) e Ásia (Macau). Em Portugal, no Continente e na Madeira. Durante a sua carreira militar desempenhou funções em diversas áreas, nomeadamente, de operações, informações e ensino, tendo quatro comissões de serviço no Ultramar. É Presidente da Liga dos Combatentes.  

RODRIGUES, Joaquim Chito – Macau Um Homem, Dois Olhares, Razões de uma “descolonização exemplar”. Programa Fim do Império e Âncora Editora, 2022, 519 p., ISBN 9789727808304

Continuação dos apontamentos que o Governador Álvaro de Mello de Machado deixou escrito no seu livro “Coisas de Macau” (1913), nas pp. 115-117, (1) (2) neste caso a descrição dos “Edifícios públicos” existentes nessa época.

“ – A capitania dos portos está bem alojada n´um amplo embora velho edifício, que foi primitivamente um quartel e agora apenas tem o defeito de não estar situado á beira-mar.

– O laboratório bactereologico, antigamente a residência de verão do governador, é um elegante chalet, construído a meio de um bello jardim, e que além de se prestar relativamente bem á satisfação das necessidades de momento tem a vantagem de poder alojar o medico encarregado.

– O Leal Senado é um velho casarão de apparencia pezada, onde se encontram alojadas as repartições da Camara Municipal, e onde se effectuam as respectivas sessões.

– O hospital militar é edifício de boa apparencia, bem situado, com boa architectura e servindo ainda menos mal ao fim a que se destina.

Apezar das razoáveis aparências, todos os edifícios públicos, á excepção da nova cadeia, enfermam do mal proveniente das adaptações, que representaram sem duvida soluções economicas de ocasião, mas que teem dado como resultado não haver uma única repartição, que possa considerar-se irreprehensivelmente  instalada.”

(1) MACHADO, Álvaro de Mello – Coisas de Macau. Livraria Ferreira, 1913, 153 p. https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/alvaro-de-melo-machado/

https://nenotavaiconta.wordpress.com/2021/02/19/leitura-coisas-de-macau-de-alvaro-de-mello-machado/

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2023/04/20/leitura-edificios-publicos-em-1913-i/ https://nenotavaiconta.wordpress.com/2023/04/25/leitura-edificios-publicos-em-1913-ii-correio-obras-publicas-quarteis-cadeia/

Ainda a propósito da postagem anterior:  “17-05-1913 – Queixa apresentada por William Farmer, proprietário do «Macao Hotel», contra o facto de os culis se servirem de um cais fronteiro ao seu hotel, na Praia Grande para mictório – Providências tomadas pelo Governo”, (1) mais algumas referências a este Hotel retiradas do livro (2)

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(1) GOMES, Luís G. – Catálogo dos M. M n.º 416. https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/william-m-farmer/ https://nenotavaiconta.wordpress.com/2020/06/03/anuncios-de-1920-e-1922-macao-hotel-e-a-p-leong-hing-kee-ca/

(2) ENGLAND, Vaudine – The Quest of Noel Croucher: Hong Kong’s Quiet Philanthropist. Hong Kong University Press, 1998, ISBN: 9789622094734, 436 p. https://books.google.pt/books?id=nw1bTZV4BaAC&pg=PA26&lpg=PA26&dq=Leong+Hing+Kee&source=bl&ots=r51PK2zm87&sig=ACfU3U02RODuq2CvcgGDYUt308LqqHmYUw&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwj1udSS89vpAhWP3eAKHZL-D3sQ6AEwA3oECCIQAQ#v=onepage&q=Leong%20Hing%20Kee&f=false

Continuação dos apontamentos que o Governador Álvaro de Mello de Machado deixou escrito no seu livro “Coisas de Macau” (1913), nas pp. 115-117, (1) (2) neste caso a descrição dos “Edifícios públicos” existentes nessa época.

“ O correio é uma antiga casa da guarda, sendo inútil portanto descrevêl-o melhor.

A direcção das Obras publicas está instalada, juntamente com os depósitos de material de guerra, n´um palacete situado no jardim da gruta de Camões, prestando-se suficientemente ao papel que desempenha.

O quartel da policia, antigo convento, muito modificado, e tendo sofrido radicaes reparações, não tem architectura; mas é um bello alojamento para os soldados, com optimas casernas bem arejado, e satisfazendo quasi por completo as necessidades presentes.

O quartel da companhia indígena, é uma construcção relativamente moderna, que se presta bem ás exigencias.

A nova cadeia civil, bello edifício, cuja construção ainda não concluída está muito adiantada, deve em breve substituir o velhíssimo edifício alugado, onde ainda agora em lobregas prisões se alojam os desgraçados a contas com a justiça.

(1) MACHADO, Álvaro de Mello – Coisas de Macau. Livraria Ferreira, 1913, 153 p. https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/alvaro-de-melo-machado/

https://nenotavaiconta.wordpress.com/2021/02/19/leitura-coisas-de-macau-de-alvaro-de-mello-machado/

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2023/04/20/leitura-edificios-publicos-em-1913-i/