Transcrevo uma pequena parte referente aos “Macaenses” do “RELATÓRIO DO SERVIÇO DE SAÚDE DA PROVÍNCIA DE MACAU E TIMOR RELATIVO AO ANO de 1886” do Dr. Gomes da Silva (1)
 
Sob o ponto de vista etnológico, os habitantes de Macau podem ser divididos em três grandes grupos: europeus, chinas e mestiços.
O primeiro grupo subdivide-se em: europeus propriamente ditos ou nascidos na Europa; descendentes de europeus por sucessão directa sem cruzamento de raça, mas nascidos em Macau.
O segundo grupo compreende: os chinas propriamente ditos; conservando a feição característica dos seus hábitos, costumes e religião originais ; os chinas europeizados ou tendo adoptado os nossos costumes, religião e hábitos.
O terceiro grupo é formado pelos mestiços ou descendentes do cruzamento das raças branca e amarela. A subdivisão deste grupo seria talvez importante, havendo como há, em Macau tanta mistura de sangue europeu, sínico e malaio, em proporções diversíssimas.
As causas do erro, porém, a que seria fatalmente sujeita essa subdivisão, levam-me o reunir num só grupo , sob a designação de mestiços, todos os descendentes do cruzamento das famílias latina e sínica, sem ou com a intervenção do elemento malaio.
Quanto aos europeus propriamente ditos, são funcionários públicos, civis, militares e eclesiásticos e uns raros comerciantes estrangeiros. Todos eles conservam os costumes pátrios com uma ligeira adaptação ao meio.
Quanto aos europeus descendentes, são raros. O europeu, que aqui casa com uma europeia, regressa ao pátrio lar, depois de terminados os seus anos de serviço, sem aqui se estabelecer nem colonizar. É que, para um metropolitano se radicar aqui, seria preciso que o prendessem interesses locais. Ora sendo ele funcionário público e sendo-lhe, por isso, vedado o comércio nada tem a prendê-lo. Terminado a sua missão desfaz a tenda  e regressa.
Quanto aos chinas propriamente ditos, conservam os seus usos e costumes, respeitam as nossas leis sem as adoptarem e só as conveniências de ordem material os levam a acolher-se à sombra da bandeira.
Uma percentagem mínima é católica sem, por isso, deitar pela janela fora as tradições pátrias no vestido, na culinária, na mentalidade, em tudo.
Quanto aos chinas europeizados, são os que transportados para o nosso meio identificam-se com ele, europeizando-se. estes, porém, são avis rara in gurgite vasto.
Se tivessemos de avaliar os productos afastados da mistura do sangue latino com o sangue sínico pela actual população indígena de Macau, pouco favoráveis seriam as conclusões a tirar de tais dados. A parte válida, robusta e útil dos filhos da terra acha-se dispersa por vários portos do Oriente, Singapura, Sião, Xangai, Yokohama e, sobretudo, Hong Kong, onde constitui em número a segunda colónia estrangeira sendo a primeira a chinesa.”

 (1) José Gomes da Silva (Porto, 1853 – Macau, 1905)
Coronel médico, formado pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Jornalista, escritor e
botânico. Colocado em Macau como “Facultativo de 2.ª classe do Quadro dos Serviços de Saúde de Macau e Timor“. Chefe dos Serviços de Saúde de Macau, foi o primeiro reitor do Liceu de Macau, nomeado em 24 de Março de 1894 (foi também professor de Física, de Química e de História Natural.
Em 1892, presidiu à secção histórico-cultural de Macau e de Timor, na Comissão Organizadora da Exposição Colonial que se realizou no Palácio de Cristal, no Porto
Autor de vários livros sobre Timor e Macau. De Macau, destacam-se:
Catálogo de Plantas de Macau e Timor”, 1887; (2)
Relatório da Epidemia da Cólera-Morbus a bordo do Transporte Índia e nos Lazaretos de Macau“, 1988
Relatório do Serviço de Saúde da Província de Macau e Timor em relação ao ano de 1886“;
Relatório da  epidemia de Peste Bubónica em Macau“, 1895 (3)
A República de Macau – História Amena”, 1896;
(2) Exemplares botânicos enviados pelo Dr. Gomes da Silva encontram-se Universidade de Coimbra (envio datado de Macau, 3 de Janeiro de 1887.
Sobre a flora de Macau e Timor, pode-se consultar o trabalho de Paulo Emílio Cavique Santos em:
http://purl.pt/915/1/cd1/ta000/Ta046.pdf
(3) Sobre “Relatório – A Epidemia de Peste Bubónica em Macau“, consultar
http://macauantigo.blogspot.pt/2012_06_01_archive.html
NOTA: mais informações sobre este distinto médico, ver artigo de António Aresta in
http://www.jtm.com.mo/view.asp?dT=357202001