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O macaense Carlos Humberto da Silva (1) pronunciou no Leal Senado uma conferência integrada na Semana do Ultramar intitulada «Alguns Aspectos Antropológicos das Influências Portuguesa e Chinesa em Macau”

Distinguiu dois tipos de macaenses: o «pioneiro» e o «recente».

Disse ele que o primeiro, também conhecido por «português oriundo de Macau» é sob o ponto de vista, um ocidental completamente português no pensar, no sentir, nos hábitos, nos costumes e até tem o que vulgarmente se chamam os «defeitos da raça». Quanto ao segundo tipo, disse que, «a partir da segunda metade do século passado, quebradas as barreiras artificiais do afastamento entre os portugueses e chineses, uns e outros entraram em franco contacto de onde resultou um entendimento que fez desabrochar uma atracção mútua que se diria existir em estado latente de ambos os lados.

Como é natural essa aproximação não tem cessado, de então para cá, bem antes pelo contrário. Nestas três ou quatro décadas pode-se dizer que o número de cruzamentos em relação à população portuguesa de Macau, atinge cifras importantes. O ritmo crescente de casamentos e cruzamentos dá a impressão duma avalanche pela sofreguidão com que parecem querer reaver o tempo perdido.

Não devemos estar longe da verdade se dissermos que este novo elemento da vida macaense é hoje o elemento mais numeroso da sua população portuguesa, porque, evidentemente, este «macaense recente» está posto em pé de igualdade, como é natural, com todos os outros portugueses. É igualmente evidente que a influência chinesa na sua vida é decisiva, para o que, bastaria o facto de geralmente a mãe ser chinesa ou de, em muitos casos, ambos os pais terem ascendência chinesa próxima também. “ (2)

(1) Carlos Humberto da Silva (1908-1990), diplomado pelo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, foi secretário do Leal Senado da Câmara de Macau, do qual também foi presidente (2-01-1965 a 9-03-1965, por motivos de saúde, substituído pelo Vereador Francisco de Paula Barros e pelo Vice Presidente José dos Santos Maneiras). (3) Bibliotecário do Centro de Estudos de Antropologia Cultural e do Museu de Etnologia de Lisboa. Co-fundador do Grande Prémio de Macau. Agraciado com a Medalha de Mérito Desportivo do Governo de Macau. Casado com Beatriz Emília Nolasco da Silva.

FORJAZ, Jorge – Famílias Macaenses, vol. III, 1996, p.720. Veja-se https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/carlos-humberto-da-silva/

(2) TEIXEIRA, Pe. Manuel – A Medicina em Macau, Volumes III-IV, 1998, pp. 182-183.

(3) SILVA, Beatriz Basto – Cronologia da História de Macau, Vol. IV, 2015, p. 64

Ana Maria AmaroFaleceu no dia 12, a Professora catedrática jubilada do ISCSP-UTL, Ana Maria de Sousa Marques da Silva Amaro. (1) Viveu em Macau de 1957 a 1972. Sinóloga e investigadora de prestígio (defendeu sua tese de doutoramento na área da antropologia, com temática chinesa), foi uma grande divulgadora da história e cultura da China e de Macau (durante anos, responsável do Centro de Estudos Chineses e das semanas de cultura chinesa no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas; foi presidente da Comissão Científica do Observatório da China e do Instituto de Sinologia), em Portugal.
Mas será sempre recordada pelos seus alunos do Liceu Nacional Infante D. Henrique como uma professora exigente de Ciências Naturais e Geografia (professora do 5.º e 6.º grupos do quadro do Liceu) e dinamizadora das festas culturais daquele Liceu. E ficará sempre ligada a Macau pelos seus estudos, histórico, antropobiológico, sócio-cultural e biofísico dos macaenses – os filhos da terra.

Por isso, da extensa bibliografia publicada (livros, artigos em revistas, trabalhos académicos) na minha memória estará sempre este livro: (2)

Filhos da Terra CAPACAPA do artista Mio Pang Fei

“A estrutura social dos macaenses, ou filhos da terra, tem um cunho verdadeiramente original que só pode compreender-se mercê de um estudo integrado das diferentes varáveis que actuaram como real motor da sua identificação como grupo.
Quem são os macaenses do ponto de vista antropobiológico e cultural? Como se organizou este grupo e se isolou ao longo dos quatro séculos da História de Macau?
A que ambiente biofísico e sócio-cultural teve este grupo de se adaptar e que respostas encontrou para o fazer? (p. 1)

Filhos da Terra CAPA+CONTRACAPADo RESUMO (p. 101):
“Os filhos da terra constituem um grupo sui generis que se isolou em Macau, fruto de pressões de índole social e económica.
Do ponto de vista antropobiológico, os filhos de terra constituem um grupo luso-asiáticos com fundo genético muito rico, cujo estudo científico, em amostragem significativa, nunca foi feito; estudo aliás, hoje deve ser difícil, se não impossível, de realizar devido à forte abertura à sociedade chinesa, já esboçada nos fins do século passado.
No entanto, do ponto de vista cultural, como exemplo típico de convergência de culturas, o grupo dos filhos da terra continua a manter padrões hibridados ou francamente originais, que lhe conferem vincada originalidade. São a culinária tradicional, o falar da terra, os trabalhos de costurinha e o batê saia, certos passatempos e os doces nominhos de casa, que Bocage imortalizou no seu soneto a Beba.
Pensar Macau sem pensar nos filhos da terra, portugueses do Oriente, por vezes tão injustamente ignorados, é esquecer os não só quatro séculos de história social do território, mas também a herança mais nobre e a jóia mais valiosa, que os portugueses de quinhentos legaram aos seus vindouros.”

(1) Foto retirada do blogue “crónicas macaenses
https://cronicasmacaenses.files.wordpress.com/2011/06/ana-maria-amaro.jpg
(2) AMARO, Ana Maria – Filhos da Terra. Instituto Cultural de Macau, 1988,124 p.
NOTA: Aconselho a leitura de um estudo interessante de Rogério Miguel Puga sobre
Representações da paisagem acústica de Macau na narrativa “Min-Pau-Lou” (1998), de Ana Maria Amaro” em:
cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/fragmentum/…/4736 

No dia 10 de Março de 1865, o Comendador Lourenço Marques, em nome dos cidadãos portugueses residentes em Xangai (Shanghai), ofereceu ao Governador José Rodrigues Coelho do Amaral (1) um bastão feito na Inglaterra, para comemorar a sua passagem por esta cidade em Junho de 1864. (2)

Foi um governador com grande iniciativa e de extraordinário dinamismo.
“ … Foi Isidoro Francisco Guimarães que pela sua grande obra que em Macau realizou (agraciado com o título de visconde de Praia Grande) vertebrando a economia de Macau com sólidas e oportunas medidas, que proporcionou ao seu sucessor, o conselheiro José Rodrigues Coelho do Amaral os meios necessários para as notáveis obras de fomento que este realizou em Macau, pelo que o seu nome se encontra perpetuado na estrada que mandou abrir, distinguindo-o a edilidade com o título de Cidadão Benemérito.
…. Aproveitando bem o numerário que o seu antecessor lhe havia deixado nos cofres públicos, e os rendimentos já superiores que então recebia a fazenda, fez desapparecer as portas da cidade; ligou por bons caminhos o bairro christão com o china e os diferentes bairros entre si; alargou os limites da cidade; alterou todo o systema de viação; construiu pontes; abriu novas ruas; e, começando a rua «Marginal», que deixou adiantada, estabeleceu uma das principais artérias de circulação da cidade.” (3)

Em 24 de Junho de 1866, seria o corpo de Voluntários de Hong Kong a oferecer em Macau uma espada ao mesmo governador Coelho do Amaral como sinal de reconhecimento, pela cordial recepção que teve nesta cidade, na sua visita, em 19 de Novembro de 1864. (4)
Em vésperas de regresso à Metrópole, foi alvo duma imponente manifestação de despedida, oferecendo-lhe a província de Macau um brilhante baile nas salas do Teatro D. Pedro V, em 15 de Outubro de 1866, ao qual assistiu o enérgico e insigne Governador de Hong Kong, sir Richard Graves Macdonell (e esposa) que no seu extenso e eloquente brinde, se referiu à «amizade de bom irmão» vindo assistir (4)
Tem uma Estrada, uma Rua e uma Travessa com o seu nome: Coelho do Amaral.
A Estrada de Coelho do Amaral começa na Estrada do Repouso, em frente da Rua Coelho do Amaral, e termina na Av. do Coronel Mesquita, entre os prédios n.ºs 73 e 75.O troço desta estrada que vai desde a Avenida de Horta e Costa até à Avenida do Coronel Mesquita teve, primitivamente a designação de Estrada de Mong Há.

José Coelho do AmaralO Governador José Rodrigues Coelho do Amaral com o bastão
(Galeria dos Retratos do Leal Senado)

(1) José Rodrigues Coelho do Amaral (1808-1878) assentou praça na Armada com 17 anos de idade e passou depois para o exército (Corpo de Engenharia) em 1834. Foi um dos primeiros professores da Escola do Exército em 1837. Governador de Macau, nomeado a 7 de Abril de 1863, tomou posse a 22 de Junho; era simultaneamente ministro plenipotenciário de Portugal nos reinos de China, Japão e Sião. Governou Macau até 26 de Outubro de 1866). Em 17 de Julho de 1865, o coronel de engenharia José Rodrigues Coelho do Amaral, Governador de Macau foi promovido ao posto de general de brigada. (4)
Foi posteriormente, ministro da Marinha (1868), Governador de Angola, Moçambique (1870) onde faleceu em 1878 estando sepultado na ilha de Moçambique.
(2) Revista «Mosaico». n.º 7,  indica a data de 09-03-1865,  mas o próprio Luís G. Gomes na sua “ Efemérides da História de Macau” corrige e refere 10 de Março de 1865.
(3) GOMES, Luís G. – Notícias de Macau, em 19-09-1965.
(4)(GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau).

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres TÍTULO

Última parte, a “5.ª”, da leitura do artigo “Macau Cidade de Prazeres” (1) sem indicação de autor, publicado na “Ilustração Portugueza”, 1908, na página 808.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Transporte de passageiro“O vapor que faz o serviço de transporte de passageiros e mercadorias entre Macau e Hong-Kong

 Após uma digressão pelas casas de jogo, d´amor, d´embriaguez, traz-se a impressão cançada do goso, mas olhando n´um dealbar verão a cidade onde as nhonhas de lindas pernas, com seus trajes de dó ou com seus vestidos leves, vão passar dentro em pouco, reparando n´esses bairros adormecidos, sob a luz doce do sol e comparando-a com essa China do luxo e da mizeria onde tantos milhões de homens luctam, sente-se bem que Macau foi feito para paraizo dos mandarins, dos ricos e dos piratas e logo nos vem á mente que com esse caminho de ferro de Cantão até ali, que já temos licença para fazer, a cidade seria definitivamente o logar de regalo de todo esse Extremo Oriente se dentro de gosos, que abafa ou se regela na sua atmosfera e que ali, em Macau, encontraria a sua estancia de prazeres, fazendo correr o ouro que seria applicado em torar mais deslumbrante a linda terra das nhonhas e das delicias.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Saída da Igreja“À sahida da missa”

 A macaísta, que mettida nos seus trajos de dó tem alguma cousa das nossas antigas damas embiocadas, talvez então se desse mais à vida da rua, talvez mergulhasse n´esse banho de luxo e perdendo a característica do trajar iria docemente, sem dar por isso, deixando o recolhimento em que vive.

Macau é, pois, o logar onde se folga onde os piratas – que os há ainda – veem deixar o seu ouro, com os riscos de serem apanhados pela polícia vigilante. Mas é tal o prazer que todo o chinez tem em se demorar na cidade que eles, foragidos às leis, correm para o jogo, para o ópio e para as lindas chinesas, até que um dia lá vão amarrados pelos rabichos, levados por uma escolta para a fortaleza do Monte até serem entregues às suas auctoridades, até que as suas cabeças sejam degoladas em terras do Celeste Império e expostas nas ruas gotejando sangue.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Pagode de Monh Há“Pagode de Mong há” (2)

 Apezar de tudo o pirata vem e na hora da morte não se lembra decerto das suas façanhas, mas sim dos olhos oblíquos de alguma linda chinesinha da rua da Felicidade, d´essa extranha cidade de prazeres.

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/02/01/leitura-macau-cidade-de-prazeres-i-anno-novo-china-1908/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/02/02/leitura-macau-cidade-de-prazeres-ii-o-jogo-do-fantan-1908/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/02/16/leitura-macau-cidade-de-prazeres-iii-
(2) Templo de Kun Iam (Kun Iam Tong) em Mong Há, construído em 1627 (sétimo ano do reinado do imperador Tian Qi / 天啓 (1620-1627), o templo mais antigo de Macau)- Ver em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/03/26/postais-macau-artistico-vi/

Faleceu neste dia,  29 de Julho de 1870, aos 51 anos, 7 meses e 25 dias de idade, o ilustre médico civil macaense Leocádio Justino da Costa, filho de Nicolau Tolentino da Costa e Mariana Osório da Costa. Cursou os seus primeiros estudos no Real Colégio de S. José com grande aproveitamento e, sem ainda os completar deixou o colégio, seguindo a carreira marítima, por alguns anos. Finalmente deixou de seguir essa vida e resolveu ir estudar medicina em Goa, tendo-o concluído em 23 de Setembro de 1829 (1). Voltou a Macau em 1841. (2)
Inda que no princípio de sua carreira nessa profissão a que se dedicou, novo e com pouca prática que então possuía, pouco fez, contudo depois de 1851, com os anos de prática que já tinha adquirido, com os seus estudos e assíduos trabalhos nessa profissão, tornou-se querido e chamado por quase Macau inteiro para acudir aos seus doentes e nessas ocasiões era tão pronto em acudir risonho e consolador tanto aos ricos como aos pobres como era feliz em acertar com a cura” (3)
Distinguiu-se durante a epidemia de cólera morbuz de 1859, sendo condecorado com o hábito da Torre e Espada. (2)
Como marido foi sempre extremoso; como cidadão ocupou com zelo e ilustração vários cargos importantes nesta sua terra, e em todos se distinguiu sempre com esmero e aptidão. Como cristão, recebeu antes de morrer todos os Sacramentos, e inda que poucos dias sofreu de moléstia, mostrou-se resignado e sofredor durante os 12 dias de seus últimos padecimentos, consolando e despedindo-se de todos com aquela mesma natural bondade. Como amigo, era estimado de Macau inteiro e de todos os que o chegaram a conhecer, tanto aqui como em Goa onde esteve estudando por espaço de seis anos.” (3)

(1) Relação dos primeiros médicos e cirurgiões de Goa publicado no “Oriente Português”,vol 11, p. 214:

Título de médico por Sua Magestade
Leocádio Justino da Costa – 23 de Setembro de 1829

In SALDANHA, M. J. Gabriel de – História de Goa (Política e Arqueológica. 1925, 319 p.
(2) “Mosaico”, n.º 11, 1951
(3) Boletim da Província de Macau e Timor de 8 de Agosto de 1870.
Poderá ler toda a necrologia publicada neste Boletim num artigo de António Aresta no Jornal Tribuna de Macau em:
http://jtm.com.mo/opiniao/curiosidades-da-historia-de-macau-seculo-xix-2/#sthash.pVR6mCmF.dpuf

Luís DeméeFaleceu na semana passada aos 85 anos de idade, Luís Luciano Demée (1929-2014), pintor e professor universitário (Escola Superior de Belas Artes do Porto)  –  “o maior artista plástico de Macau”, “um dos pintores mais importantes da sua geração”, “maior pintor macaense de sempre” .

Não vou aqui repetir a biografia e o percurso artístico de Luís Demée, tão divulgado nesta semana, em  jornais e meios informáticos/blogosfera, de Macau e Portugal.
Mais do que elogios, é necessário divulgar e ver com os olhos as suas obras, a maioria em espaços museológicos de Portugal e Macau, algumas em colecções particulares.
Disfrute visualizando algumas obras em:
http://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1006618
http://www.arscives.com/demee/journey.asp
http://cam.gulbenkian.pt/index.php?article=60298&visual=2&langId=1
http://www.mam.gov.mo/photolist.asp?prg_id=2006112501&lc=2

Um quadro de que gosto, entre muitos, este pela temática constante da sua visão de Macau

Rio das Pérolas - Luís Demée“Rio das Pérolas”, de 1974

 A obra Rio das Pérolas foi concebida pelo artista com vista à sua reprodução serigráfica a convite de António Conceição Júnior. Na exposição patente no MAM, apresenta-se a pintura que deu origem a um conjunto de serigrafias, o original e o múltiplo-original.”  (http://www.macauart.net/News/ContentP.asp?region=L&id=163823)

No dia 2 de Dezembro de 1866, organizou-se uma peregrinação a Sanchoão (1) em que se incorporaram 750 peregrinos. Devido a uma tempestade nesse dia, só puderam desembarcar 30 homens. Mesmo assim, foi celebrada missa e a chamada Cruz dos Macaenses, transportada para terra no dia anterior, foi erguida, ao fundo da escadaria, em comemoração dessa romaria.
A Cruz dos Macaenses tinha a seguinte inscrição: (2)
Em cima, verticalmente, dois caracteres chineses (?) ilegíveis, com a ideia talvez de “dedicaram”. Frontalmente: “S. P. Francisco Xaverio” e, na vertical mais longua, de alto para baixo: “macaenses die 3 dedanno 1869”. (3)

Xavier em Sanchoão Crus dos Macaenses ICruz dos Macaenses levantada em Sanchoão em 3 de Dezembro de 1866.

Em frente, vê-se o Padre Robert Y. Cairns, missionário da ilha, e o Comandante do vapor Hai-Ning, na peregrinação de Dezembro de 1933. (2)

 O P. Rondina, S.J., (4) segundo o próprio afirma, tomou também parte nessa peregrinação e foi um dos que levantou a Cruz. Segundo Padre Videira Pires, terá sido ele quem disse a missa nesse dia.
O missionário jesuíta de Sanchoão, John Garaix (5), em 1906, relatava:
Quando Mons. Guillemin (6) chegou ao lugar em Janeiro de 1869, o que circundava o túmulo era o seguinte: em baixo, perto da praia e num pequeno espaço de terreno nivelado, uma enorme Cruz de pedra, aquela que tinha sido erigida pelos peregrinos em 1866; a seguir, um pouco mais acima, cinco degraus que davam para outro espaço e terreno nivelado: ali estava o túmulo; por último, uns sete degraus mais acima, estavam as ruínas da antiga capela (de 1700). “ 

Xavier em Sanchoão Crus dos Macaenses IIA Cruz dos Macaenses a contra-luz (2)

 A Cruz dos Macaenses desapareceu do lugar após 1942.

SUGESTÃO: Nesta semana de encontro dos macaenses em Macau, era uma boa ideia e sugeria às associações de macaenses pelo mundo fora, a iniciativa de organizar uma comissão encarregada de fazer uma nova Cruz dos Macaenses (talvez por subscrição pública) e tratar por  via diplomática com as autoridades chinesas da sua colocação na Ilha, de preferência no mesmo local da anterior (quem sabe se no próximo encontro de macaenses em Macau, no dia 3 de Dezembro)

(1) Sobre a Ilha de Sanchoão e S. Francisco Xavier ver:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/ilha-de-sanchoao/
(2) PIRES, Benjamim Videira – Xavier em Sanchoão. A ilha de Sanchoão ontem e hoje. Macau, 1994, 39 p. + |VIII|
(3) Segundo Padre Videira Pires o ano está errado: deveria ser 1864.
(4) O Padre Francisco Xavier Rôndina já tinha participado em anterior peregrinação àquela ilha no ano de 1864. O Padre Rondina (1827-1897), missionário no Padroado português do Oriente, foi professor, pregador e escritor. Dirigiu o Colégio/Seminário de S. José. Foi redactor da revista mensal «Civiltà Cattolica» a partir de 1882.
(5) GARAIX, S. J., John – Sanchoan, the Holy Land of Far East, 1906, 29 p. in Padre Videira Pires (2)
(6) Mons. Zeferino Guillemin, Prefeito Apostolico da Perfeitura de Kuông tông e Kuón-sai, em 24 de Agosto de 1867, procedeu ao lançamento da primeira pedra para uma nova capela sobre o túmulo de S. Francisco de Xavier, na Ilha de Sanchoão (pertencente à província de Guangdong/Cantão)

Além dos escravos, os portugueses tinham as suas escravas; os primeiros eram os moços cafres, as segundas, as «bichas» chinesas; e estas eram de vida fácil  e fecunda. Dava-se-lhes o nome de «criação»; recebiam no baptismo os apelidos dos seus donos e realmente criavam muitos filhos próprios e alheios.
Exagero ?
Ora vejamos. O comandante da fragata N. Sra. da Penha de França, Nicolau Fernandes da Fonseca, que veio de Lisboa a Macau e fez o relatório da sua viagem, escrevia acerca das mulheres de Macau, em Janeiro de 1776:
«Quanto às mulheres as mais principais, são bastantemente recatadas e quando saem fora é dentro de seus palanquins. O seu trajo é ridículo, à excepção de algumas que se vestem à europeia com saia e manto. A sua condição é de serem soberbas e preguiçosas, porque, além dos filhos, nada mais fazem.
…As ordinárias que são chinas resgatadas ou filhas de escravas, como não têm estímulo de honra e também as domina a preguiça, são prontas a se facilitarem, principalmente com os estrangeiros, em razão do dinheiro e fatos que lhes dão...» (1)
O Dr. Soares (2) que cita isso, continua:
«Sobretudo a peculiaridade do lar não podia ser, de facto, condição de importância menor. A par dos escravos para os serviços grosseiros e pesados – «os moços cafres» sinónimo de africanos, de portas a dentro havia sempre inúmeras criadas – umas, escravas indianas ou principalmente malaias – «bem dispostas, proporcionadas e pela  maior parte formosas – outras, as «bichas», raparigas chinesas, tidas como resgatadas, pelo eufemismo de primeiro as baptizarem, todo este pessoal a aumentar, à medida que os filhos do casal nasciam, tudo englobado no termo genérico de «criação»
(1) TEIXEIRA, P.e Manuel – Os Macaenses. Centro de Informação e Turismo, 1965, 99 p.
(2) SOARES, José Caetano – Macau e a Assistência. Edição da Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1950, 544 p.

Transcrevo uma pequena parte referente aos “Macaenses” do “RELATÓRIO DO SERVIÇO DE SAÚDE DA PROVÍNCIA DE MACAU E TIMOR RELATIVO AO ANO de 1886” do Dr. Gomes da Silva (1)
 
Sob o ponto de vista etnológico, os habitantes de Macau podem ser divididos em três grandes grupos: europeus, chinas e mestiços.
O primeiro grupo subdivide-se em: europeus propriamente ditos ou nascidos na Europa; descendentes de europeus por sucessão directa sem cruzamento de raça, mas nascidos em Macau.
O segundo grupo compreende: os chinas propriamente ditos; conservando a feição característica dos seus hábitos, costumes e religião originais ; os chinas europeizados ou tendo adoptado os nossos costumes, religião e hábitos.
O terceiro grupo é formado pelos mestiços ou descendentes do cruzamento das raças branca e amarela. A subdivisão deste grupo seria talvez importante, havendo como há, em Macau tanta mistura de sangue europeu, sínico e malaio, em proporções diversíssimas.
As causas do erro, porém, a que seria fatalmente sujeita essa subdivisão, levam-me o reunir num só grupo , sob a designação de mestiços, todos os descendentes do cruzamento das famílias latina e sínica, sem ou com a intervenção do elemento malaio.
Quanto aos europeus propriamente ditos, são funcionários públicos, civis, militares e eclesiásticos e uns raros comerciantes estrangeiros. Todos eles conservam os costumes pátrios com uma ligeira adaptação ao meio.
Quanto aos europeus descendentes, são raros. O europeu, que aqui casa com uma europeia, regressa ao pátrio lar, depois de terminados os seus anos de serviço, sem aqui se estabelecer nem colonizar. É que, para um metropolitano se radicar aqui, seria preciso que o prendessem interesses locais. Ora sendo ele funcionário público e sendo-lhe, por isso, vedado o comércio nada tem a prendê-lo. Terminado a sua missão desfaz a tenda  e regressa.
Quanto aos chinas propriamente ditos, conservam os seus usos e costumes, respeitam as nossas leis sem as adoptarem e só as conveniências de ordem material os levam a acolher-se à sombra da bandeira.
Uma percentagem mínima é católica sem, por isso, deitar pela janela fora as tradições pátrias no vestido, na culinária, na mentalidade, em tudo.
Quanto aos chinas europeizados, são os que transportados para o nosso meio identificam-se com ele, europeizando-se. estes, porém, são avis rara in gurgite vasto.
Se tivessemos de avaliar os productos afastados da mistura do sangue latino com o sangue sínico pela actual população indígena de Macau, pouco favoráveis seriam as conclusões a tirar de tais dados. A parte válida, robusta e útil dos filhos da terra acha-se dispersa por vários portos do Oriente, Singapura, Sião, Xangai, Yokohama e, sobretudo, Hong Kong, onde constitui em número a segunda colónia estrangeira sendo a primeira a chinesa.”

 (1) José Gomes da Silva (Porto, 1853 – Macau, 1905)
Coronel médico, formado pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Jornalista, escritor e
botânico. Colocado em Macau como “Facultativo de 2.ª classe do Quadro dos Serviços de Saúde de Macau e Timor“. Chefe dos Serviços de Saúde de Macau, foi o primeiro reitor do Liceu de Macau, nomeado em 24 de Março de 1894 (foi também professor de Física, de Química e de História Natural.
Em 1892, presidiu à secção histórico-cultural de Macau e de Timor, na Comissão Organizadora da Exposição Colonial que se realizou no Palácio de Cristal, no Porto
Autor de vários livros sobre Timor e Macau. De Macau, destacam-se:
Catálogo de Plantas de Macau e Timor”, 1887; (2)
Relatório da Epidemia da Cólera-Morbus a bordo do Transporte Índia e nos Lazaretos de Macau“, 1988
Relatório do Serviço de Saúde da Província de Macau e Timor em relação ao ano de 1886“;
Relatório da  epidemia de Peste Bubónica em Macau“, 1895 (3)
A República de Macau – História Amena”, 1896;
(2) Exemplares botânicos enviados pelo Dr. Gomes da Silva encontram-se Universidade de Coimbra (envio datado de Macau, 3 de Janeiro de 1887.
Sobre a flora de Macau e Timor, pode-se consultar o trabalho de Paulo Emílio Cavique Santos em:
http://purl.pt/915/1/cd1/ta000/Ta046.pdf
(3) Sobre “Relatório – A Epidemia de Peste Bubónica em Macau“, consultar
http://macauantigo.blogspot.pt/2012_06_01_archive.html
NOTA: mais informações sobre este distinto médico, ver artigo de António Aresta in
http://www.jtm.com.mo/view.asp?dT=357202001

MEMORIA

DOS

FEITOS MACAENSES

CONTRA OS PIRATAS DA CHINA:

E DA

ENTRADA VIOLENTA DOS INGLEZES

NA CIDADE DE MACÁO:

AUCTOR
JOSÉ IGNACIO ANDRADE.


SEGUNDA EDIÇÃO.


LISBOA: NA TYPOGRAFIA LISBONENSE 1835.
Largo de S. Roque N. 12
A C. Dias
.

 
Continuação do anterior post “MEMÓRIA DOS FEITOS MACAENSES CONTRA OS PIRATAS DA CHINA: E DA ENTRADA VIOLENTA DOS INGLEZES NA CIDADE DE MACAO (I)”, onde foi feita uma leitura da parte introdutória. (1)
 
PRIMEIRA PARTE DO LIVRO
Descreve duma maneira épica, as batalhas travadas pelo portugueses e macaenses contra os piratas.
Depois que no seculo XVI os piratas foram destruidos, tentaram formar novo partido; e pouco a pouco engrossaram seu numero e força de modo, que em 1805 estavam senhores de grande esquadra, bem guarnecida de artilheria, e com perto de quarenta mil homens de tripulação. Tendo morrido o Chefe dos piratas ficou sua mulher, não só herdeira do posto, mas tambem da sua audacia no exercicio da piratagem. Assim que tomou posse do commando de tão grande poderio, dividio-o em duas esquadras, e deu o commando dellas a dois parentes do marido, que mais se tinham acreditado debaixo das suas ordens. A primeira e mais possante coube ao celebre Apócha, que depois se chamou Cam-pau-sai, e onde sempre residio a viuva.  Apau-tai foi commandar a segunda, composta de 130 embarcações, e com bandeira preta. Com tudo o magnanimo Arriaga, a quem nada parecia impossivel decidio o Governo macaense a tratar com o de Cantão, e fez-se a convenção seguinte:
 O Governo das duas provincias de Cantão e Quang-si, e o de Macáo, igualmente convencidos da precisão, que tem de pôr fim  ás invasões dos piratas (os quaes sem temor infestam os mares, que cercam estas duas cidades) de restituirem a publica tranquillidade, e as relações commerciaes, formarão uma guarda costa, combinando a força dos dois governos: para esse fim nomearam os seus plenipotenciarios: Cantão, os mandarins de Nam-hay, Shon-key-chi, de Hiang-sam, Pom, e o da Caza branca, Chu: Macáo ao Conselheiro Arriaga, e ao Procurador do Senado, José Joaquim de Barros; os quaes depois de terem respectivamente communicado os seus plenos poderes, e discutido a materia, concluiram e ajustaram os artigos seguintes:
1.º Haverá uma guarda costa, de seis navios portuguezes, combinada com uma esquadra imperial; cruzará seis mezes, desde a bocca do tygre á cidade de Macáo, a fim de embaraçar que os piratas não entrem nos canaes, que até agora tem infestado.
2.º O Governo chinez obriga-se a contribuir com oitenta mil taés para ajudar o armamento dos navios portuguezes.
3.º O Governo de Macáo fará logo cruzar os dois navios, que tem armados, e apromptará com brevidade os quatro restantes.
4.º Ambos os Governos devem ajudar-se em tudo o que for a bem do cruzeiro, o qual não se estenderá além dos pontos determinados.
5.º As presas seram repartidas entre os dois Governos.
6.º Quando a expedição finalisar serão restituidos aos macaenses os seus antigos privilegios.
7.º As partes contractantes obrigam-se a cumprir tudo quanto se estipulou nos mencionados artigos sem alterar cousa alguma, e a consideralos como ratificados em virtude de seus plenos poderes.

Macáo 23 de Novembro de 1809.

Shou-Key-chi.—Arriaga.
Pom.—Chu—Barros.

SEGUNDA PARTE DO LIVRO:
Descreve a invasão das tropas inglesas a Macau e sua retirada.
Resposta Senado de Macau aquando do conhecimento desta obra:
“O Senado recebeo com satisfação a vossa memoria, por ver nella immortalisados os feitos macaenses, na estincção dos piratas, que infestavam o nosso arquipelago. Em verdade vós ornasteis o vosso e o nosso quadro com as flores e bellesas de Camões e dos Andrades. O Senado não perderá occasião, em que vos possa ser util em reconhecimento de tão precioso presente.
Cartorio do Senado, 16 de Novembro de 1826″

 
(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/08/27/leitura-memoria-dos-feitos-macaenses-contra-os-piratas-da-china-i/  
(2)ANDRADE, José Ignacio – Memoria dos feitos macaenses contra os piratas da China e da entrada violenta dos inglezes na cidade de Macao. Lisboa: Tipografia Lisbonense 1835, segunda edição.
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