Conforme fiz referência (1), o jornal «Diário de Lisboa»,  nesta data (3-3-1926) publicou um artigo sobre o falecimento de Camilo Pessanha. Transcrevo a segunda parte do artigo

Morreu
EM MACAU
O grande poeta
Camilo Pessanha 

“Ninguem como o dr. Carlos Amaro, (2) um dos melhores amigos do poeta morto, que nós fomos arrancar à contemplação da primavera, nos podia dizer algo sobre ele. Carlos Amaro, ao ouvir a noticia, hesita e sofre, sofre longamente. A custo o arrancamos no luto espiritual que a sua casa fomos levar. Coordena ideias e recordação. Mas antes aponta-nos a fotografia duma chineza, deliciosa miniatura, breve de sorriso, infantil de olhos. É Ngan Ieng (Águia de Prata) (3) que era a companheira de Camilo.
Alguns traços:
– Camilo Pessanha era estruturalmente poeta. Respirava a poesia. Depurava tudo quanto via em beleza e terror.
Citando:
– Quando vinha a Lisboa, procurava os cafés que lhe dessem a impressão dos grandes «bars» (4) de todos os cais do mundo. Um dia disse-lhe, depois de o contemplar de longe a figura iluminada de Cristo, singular, moreno, olhos devorantes, grandes barbas: «Você é lindo ! » Ficou o espanto – o meu espanto.
E ele «Eu sou o aborto duma grande beleza!.
Lembrando sempre:
– Doutra vez, como estivesse perto de nós o cavaleiro José Bento de Araújo, (5) tipo interessante de raça e de audácia, falou-se em touradas. Não viu, como nós, superficialmente a alegria da gesta, o tumulto, a côr. Teve esta frase:
«Quando o toureiro cita, aquela sssss é tão fatal como um chamamento à morte». A frase construira-a Camilo Pessanha ao vêr morrer na arena o cavaleiro Fernando de Oliveira.” (6)

foto-camilopessanha-iiO célebre poema de Camilo Pessanha “Violoncelo” é dedicado a Carlos Amaro.

Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo…
 
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos.
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.
 
Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas, ouçam…
Se se debruçam,
 
Que sorvedouro!
 
Lívidos astros,
Soidões lacustres…
Lemes e mastros…
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas.
Blocos de gelo!
Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Despedaçadas…

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/03/01/noticia-de-1-de-marco-de-1926-uma-figura-morreu-o-grande-poeta-camilo-pessanha-i/
(2) A Biblioteca Nacional (BN) adquiriu em 2009, dez cartas enviadas por Camilo Pessanha ao seu amigo Carlos Amaro, um acervo que esteve durante décadas na posse de uma filha do destinatário que morreu em 2008.
https://www.publico.pt/temas/jornal/dez-cartas-de-um-pessanha-na-meiaidade-17911907
(3) “Em Macau, Camilo Pessanha habita durante inúmeros anos no número 75 da Rua da Praia Grande, juntamente com a sua companheira, a filha desta (Kuoc Ngan-Yeng, mais conhecida por Águia de Prata) e o filho de Pessanha, João Manuel, o qual daria ao autor uma neta, a D. Maria do Espírito Santo Manhão. Foi contudo com Águia de Prata que Pessanha estabeleceu uma relação mais próxima e com ela viveria até à morte, deixando-lhe a maior parte dos seus bens em testamento.
http://cvc.instituto-camoes.pt/sabermaissobre/cpessanha/02macau.html
(4) “Em Portugal, Camilo Pessanha frequenta o “Café Martinho”, o “Royal”, o “Restaurant Londres”, a “Cervejaria Trindade” e outros espaços onde se reuniam os artistas e intelectuais do início do século XX….”
http://cvc.instituto-camoes.pt/sabermaissobre/cpessanha/02macau.html
jose-bento-de-araujo(5) José Bento de Araújo (1851-1924) – cavaleiro tauromáquico, que se Iniciou na arte de tourear numa vacada, realizada em 1874 na praça da Junqueira, toureou em Sacavém, e mais tarde em Lisboa, na antiga praça do Campo de Santana, onde trabalhou por muitos anos. Em 1892 foi para França, entrando em diversas corridas, em diversas cidades como Paris, Nimes, Avignon, Marselha e depois em muitas corridas em Espanha. Na praça do Campo Pequeno tem continuado com os seus trabalhos tauromáquicos, sendo sempre muito aplaudido. Já esteve no Brasil, onde, em, companhia do falecido cavaleiro, Alfredo Tinoco, causou entusiasmo numas touradas no Rio de Janeiro.
http://www.arqnet.pt/dicionario/araujbento.html
fernando-de-oliveira-1859-1904(6) Fernando de Oliveira (1859-1904 – cavaleiro tauromáquico experiente) que actuou na corrida inaugural, a 18 de agosto de 1892, passaria à história por ter protagonizado um momento trágico na festa dos toiros e, em particular, na história da Monumental do Campo Pequeno; na tarde de 12 de Maio de 1904, rematava um ferro à tira, no «Ferrador», da ganadaria Marquês de Castelo Melhor, quando foi derrubado do cavalo, tendo ficado à mercê do toiro que o atingiu com uma cornada fatal. Em consequência, sofreu uma fratura do crânio e morreu a caminho do Hospital de São José.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_de_Oliveira_(cavaleiro_taurom%C3%A1quico)