Camilo Pessanha proferiu no Grémio Militar, no dia 13 de Março de 1915, uma conferência sobre «Literatura Chinesa».
LITERATURA CHINESA (Prefácio à tradução das Elegias) (1) –
“Satisfazendo uma antiga dívida para com o ilustre director de O Progresso, entrego hoje ao mesmo semanário umas poucas dúzias de pequenas composições chinesas, (2) com cuja decifração tenho entretido os ócios dos últimos seis anos de residência em Macau – os primeiros da velhice -, tirando dêsse esforço (em boa verdade se diga) horas de um tão suave prazer espiritual que dêle o não esperava tamanho. Começarei por uma minúscula antologia de dezassete elegias da dinastia Ming – elegias pelo acento de dorida melancolia que a todas domina, porquanto a forma, incisiva e curta, é a de verdadeiros epigramas – selecionadas, de entre os inúmeros e vastos cancioneiros da referida época, por um dos mais delicados estetas do Império do Meio nos princípios do século XIX, para presente de despedida a um amigo íntimo que para longe se ausentava. O compilador e copista dessas deliciosas obras primas foi o ministro Iong-Fong-Kong, que ao tempo (no reinado de Chia-King) exercia em Pequim os mais elevados cargos de estado, inclusive o de mentor do príncipe herdeiro. O destinatário da oferta era um pupilo do mesmo alto personagem, que naquela ocasião se iniciava na vida pública, partindo a exercer o modesto lugar de sub-prefeito em qualquer burgo sertanejo da nossa vizinha província do Kuang-Tung (Cantão). Chamava-se entre os amigos Mi-Kan – a raíz gostosa; da dedicatória não constam o seu apelido nem o seu nome próprio – que era do estilo omitirem-se em tais frivolidades. (…) “
De recordar que o poeta português traduziu, com a ajuda, embora de um letrado chinês, as «Elegias Chinesas de Uang-Shau-Jon» (1472-1528), (3) também conhecido por Uang-po-an e por Uang-iang-ming e cognominado Uan-ch´éng, um notável estadista, general, filósofo e poeta. (4)
“ (…) Finalmente, nada confiando dos recursos próprios – imperfeitas noções de simples estudioso amador, adquiridas ao acaso das horas vagas -, submeti o trabalho à censura do meu velho amigo e querido mestre Sr. José Vicente Jorge, que tão distintamente dirige em Macau os serviços do expediente sínico. O ilustre sinólogo não só me fêz o favor de emendar em alguns pontos a tradução, aproximando-a mais da intenção original, mas forneceu-me ainda, espontaneamente, grande cópia de notas elucidativas, as mais valiosas de entre as que acompanham cada composição, e sem as quais, como o leitor verificará, por exacta que fôsse a versão, a inteligência dos textos (mesmo sob o ponto de vista puramente estético) ficaria deficiente. (…) “ (1)
Uma das elegias traduzidas, de Uang-l´ing-hsiang, (5)
(1) PESSANHA, Camilo – China (Estudos e traduções). Agência Geral das Colónias. Lisboa, 1944, pp. 67-72; 77; 84-85
(2) Destas “poucas dúzias de pequenas composições” só oito (e só essas se conhecem) foram publicadas: «Oito Elegias Chinesas (tradução e notas)», pela primeira vez, no semanário “O Progresso”, de Macau, de 13 e 20 de Setembro e 4 e 18 de Outubro de 1914 e depois republicadas (com notas explicativas e eruditas) no n.º 1 da revista “Descobrimentos”, em 1931 – Director: João de Castro Osório.
(3) Ver anteriores elegias já postadas em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/04/07/poesia-vii-elegia-chinesa-de-camilo-pessanha/ https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/03/02/poesia-vi-elegia-chinesa-de-camilo-pessanha/
(4) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume III, 2015, p. 82
(5) Uang-l`ing-hsiang, também conhecido por Uang-tsz-heng. Alcançou o grau de Ching-shih no reinado de Huang-chih – 1487-1505. Foi presidente do Ministério da Guerra e mentor do herdeiro presuntivo do trono (1)
(6) O “terraço do rei de Iueh”, denominação erudita do Pagode dos Cinco andares, em Cantão, sobre a muralha de Norte. Durante a ocupação europeia, de 1857 a 1861, serviu de quartel às forças aliadas. Foi construído em 1368, no reinado de T´ai-tsu.1.º Imperador da dinastia Ming. (1)
(7) “Os três rios”. Assim se designavam o Yang-tsz-kinag (rio Azul dos europeus) e dois afluentes deste, no antigo reino de Iang. Para o poeta que se encontrava no Kuang-Tung, simbolizavam o Norte, e onde ele procedia pois era natural de Chun-ch`uan, no Shan-hsi, a província mais setentrional do império. (1)
(8) A forma Kuang emprega-se mais para significar o Kuang-Tung e Kuang-hsi, ao passo que Iueh designa de ordinário os antigos principados (1)
(9) P´ang-lai-hsien-kuan – o mosteiro taoista de P´ang-lai – em Hoang-sha, a Oeste, de Cantão, do outro do rio. P´ang-lai – as sarcas revoltas – é uma das trê ilhas mitológicas, onduladas de colinas e umbrosas de bosques, habitadas pelos Imortais. (1)