Notas de um Irmão anónimo intituladas «Do que me lembre», assim deixou registados, entre outras circunstâncias, os últimos momentos de D. Belchior Carneiro: (1)

“Partimos de Goa na nau de D. João de Almeida … no ano de 1581 a 28 de Abril …. e chegámos a este Porto do Nome de Deus de Macau nas vésperas de Santiago de 81. Achámos aqui recolhido (em Casa de St.º António) o Padre Patriarca D. Belchior Carneiro, com grande edificação, pobreza e humildade … Só tinha um moço, de nome João, que o servia e acompanhava quando ia fora. Tinha mais outro moço, velho que parecia guzerate e lhe servia para levar o sombreiro de pé, quando ia a alguma visita … Ele comia um frango já requentado, por não poder comer … Muitas pessoas devotas se lhe ofereceram a lhe fazerem de comer em suas casas, mas de ninguém o quis aceitar … O seu cubículo era o de um padre secular, sem outra coisa mais que sua roupa que usava, o mais como qualquer padre, porque de tudo se desfez. …

Faleceu aos 19 dias do mês de Agosto de 83, de sua asma, (2) porque, como não comia, não tee forças para lançar fora um escarro, que se lhe atravessou na garganta … Era tido por um santo … só ouvi murmurar que renunciara, em vista de o acharem de menos no seu governo … por brando … “ (3)

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/d-belchiormelchior-carneiro/

(2) Por um lado a falta de saúde: asma rebelde, ainda complicada de cálculos na bexiga tornarem-no um inválido e por mais de uma vez lhe puseram em risco de vida. Mas também os desentendimentos e fundas divergências, sobretudo com o Visitador Jesuíta Alexandre Vaglinani, (4) levaram-no, cerca de 1581, a renunciar às administrações a seu cargo Aquaviva, (5) o novo Geral da Companhia, pretendeu nomeá-lo Superior em Macau, mas Vaglinani discordou. (3)

Para o Dr. José Caetano Soares, clinicamente o caso afigura-se claro: – “asma intensa e prolongada, provávelmente, já com bronquiectasia ou até acentuado enfisema; pela velhice, e grande debilidade física – as habituais crises crdíacas de hipóstase e portanto fervores de secreções brônquicas espessas, dispneia forte, acessos de asfixia por espasmo, morte em síncope”. (3)

(3) SOARES, José Caetano – Macau e a Assistência, 1950, pp. 14-15.

(4) Alexandro ou Alexandre Valignano (:范礼安 Fàn Lǐ’ān) (1539 – Macau, 1606), foi um missionário jesuíta napolitano que ajudou a supervisionar a introdução do catolicismo no Extremo Oriente, especialmente no Japão. Valignano juntou-se à Companhia de Jesus em 1566 e em 1573 foi enviado como “Visitador” para o Oriente respondendo diretamente ao Superior Geral da Companhia de Jesus. A nomeação de um napolitano para supervisionar a ação missionária jesuíta do Padroado no Império português foi na época bastante controversa, e a sua nacionalidade, bem como a sua política expansionista e estratégia adaptacionista (defendia a adopção pelos jesuítas dos usos orientais – vestuário, linguagem e algumas práticas, ritos e costumes – o que mais tarde resultou na Controvérsia dos ritos na China, um conflito com a visão rígida dos dominicanos, que ditou o fim desta abordagem) levaram a muitos conflitos com o pessoal da missão. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alessandro_Valignano)

(5) Claudio Acquaviva  (1543 – 1615), foi um padre jesuíta italiano, quinto superior geral da Companhia de Jesus, no período de 1581 a 1615