A Jau
Sou a tua presença, aos pés, calada, quieta,
Ò jau, com quem me identifico tanto,
Nesta gruta onde estou e escuto o canto
Das cigarras que é, hoje, a voz do teu poeta.
António sou (tenho o teu nome)
E escravo, também, da poesia.
Para ela é que estendo, em cada dia,
A mão à minha fome.
António Manuel Couto Viana (10.6.86) (1)
Camões e Jau (2)
Theobald Reinhold Freiherr von Oer, c. 1850
NOTA: O escravo indonésio natural da ilha de Java (Jau) a quem foi dado o nome cristão de António ficou conhecido em Portugal como o criado de Camões tendo acompanhado o poeta desde a Índia.
Terá assistido à morte de Camões na Calçada de Santana, juntamente com a mãe do poeta. Desconhece-se o destino do Jau após a morte do poeta. A sua existência é referenciado por Pedro de Mariz (c 1550 – 1615; bibliotecário, historiado e escritor)
.. viveu em tanta pobreza, que se não tivera um jau,
chamado António, que da Índia trouxe, que de noite pedia
esmola para o ajudar a sustentar, não pudera aturar a vida.
Como se viu, tanto que o jau morreu, não durará ele muitos
meses.
Pedro de Mariz
Lembro aqui a propósito de Jau, outro poeta, Eugénio de Andrade: “Lamento de Luís de Camões na morte de António, seu escravo”
Marginal
Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um
– eu vi terra limpa no teu rosto,
só no teu rosto e nunca em mais nenhum.
(1) In Macau – p.59 Suplemento da Revista Latina, Maio de 1991.
Anteriores referências deste poeta em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/antonio-couto-viana/
(2) Ver outro quadro de Camões com o escravo Jau em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/08/04/macau-e-a-gruta-de-camoes-xxxi-francisco-augusto-metrass/