LEAL, Ernesto – A velha e o barco, contos (1960). Edições Ática, 96 p. + |4|; 20 cm x 14 cm

Ernesto Leal, nasceu no Funchal, Madeira, em 9 de Setembro de 1913 (faleceu em Sintra – 2009). Viveu na ilha até aos 11 anos, após os quais foi para Lisboa. Foi oficial do exército, profissão através da qual conheceu Macau (1939-1946), Índia e África. Em 1958-59, concluída a experiência militar e num período em que se encontrava a trabalhar como técnico de transportes na embaixada dos Estados Unidos em Lisboa, dedica-se a escrever contos, vencendo o Prémio Àtica de Conto, em 1959, com o livro “A Velha e o Barco. (1)
A obra seria publicada pela Editora Ática um ano depois.
O exemplar que tenho, traz uma cinta , sinalizando o prémio “Prémio ÁTICA – 1959
A propósito das obras A velha e o barco e O homem que comia névoa, David Mourão
Ferreira
, escreveu:
 (…) os contos de Ernesto Leal constituem quase sempre, não só condensados e preciosos documentos de natureza etnográfica ou costumbrista, mas também conseguidos artefactos de ordem literária, em que as qualidades de observação e análise, de transposição e de síntese vão de par com a fragrância das atmosferas, a economia das descrições, a naturalidade dos diálogos. Mas não menos importante, em tais contos, é a carga de crítica social que deles se desprende sem que o autor tenha necessidade de directamente intervir.(2)
O livro contém 11 contos, mas somente 4 tem como tema Macau (assinalado como Μ)
A velha e o barco dentro do barco da velha (3) – (Μ)
A aldeia de Ou-Mun. (Μ)
– Um carro eléctrico chamado gente – Lisboa
– História dos armários chineses no estado antigo de «shutabrapubardinarh» – indeterminado
– O galo  – Braga
– Pó de café, água quente e açúcar l – Lisboa
–  O ovo e o espetotemática chinesa mas não relacionada com Macau embora algumas frases estão “escritas em cantonense”
– A mulher do ceguinho- Lisboa
– Magia no 5.º andar esquerdo, rua das naus da índia (á Estrela), Lisboa, 2 – Lisboa
– O «trovão do senhor » – Goa
– Uma alegria ! – China

Deste último conto, transcrevo das pp. 92-93:
” O senhor Anjo, combatente da guerra 1914-1918, tinha 50 anos quando pôs pé na China. Comeu à chinesa, e achou que era bom. Jogou à chinesa. Dois meses depois, havia já negociações sérias e ansiosa para obtenção duma companheira para o Anjo. Perante os intermediários, sempre corteses, e com a ajuda de intérpretes, o Anjo punha os problemas corajosamente, nìtidamente e com habilidade. Foram resolvidos, um a um, todos os problemas contidos numa operação do género: regras, protocolo, despesas, cerimónia.
Não tardou que víssemos o Anjo a passear à tarde em pequenos jardins românticos, trazendo pela mão uma pequena de 17 anos, a menina Flor de jade, de laço  encarnado nos cabelos negros como a noite. mas também não tardou que corressem boatos  de desavenças, de questões e, por fim, de pancada. Porquê, santo Deus ? Ela era pequenina e de cabelo um tudo nada hirsuto ? Pequeno e hirsuto era ele. Ela tinha feito ginástica na Escola, havia americanizado o físico dando-lhe músculos e carnes rijas ? Ginasta era ele. Ela era alegre ?  Alegre era ele. Respeitadora ? Sim. Mas então, os portugueses gostam de mulheres respeitadoras.
Houve quem opinasse, necessariamente, sem base certa, que a questão nasceu, não das suas poucas qualidades, mas das suas muitas. Perfeição a mais. O Anjo endoidecia coma ideia de perdê-la. daí, a pancada.
Com a maior descrição e a mais perfeita dignidade, a pequena Flor de Jade retirou-se para casa do pai”

Outros livros de Ernesto Leal:
O homem que comia névoa. Lisboa Europa-América, 1964
Afonso III. Lisboa Europa-América, 1970
Em Jerusalém, o canalizador (contos). Funchal, Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração, 1991,
Tio, Ilha, Anonas e Estrelas  – uma antologia de contos. Edição Funchal 500 Anos , 159 p.

Pode-se ler mais sobre este autor, sua vida e estadia em Macau, no artigo de Carlos Pinto SantosA Invencível Curiosidade de Ernesto Leal” na Revista MACAU, II série n.º 30 (Outubro 94), pp. 57-66
(1) http://www.portuguesetimes.com/Ed_1948/Cronicas/diacron%2010.htm
(2 ) http://bmfunchal.blogs.sapo.pt/11546.html
(3) Pequeno extracto deste conto, foi incluído em:
CÉSAR, Amândio – Literatura Ultramarina, os prosadores. Sociedade de Geografia de Lisboa, Semana do Ultramar, 1972, 197 p + |1|