Hoje celebra-se o CHENG MENG – FESTIVIDADE DA PURA CLARIDADE, o dia em que os chineses exprimem a sua piedade filial com aqueles que já partiram deste mundo, o respeito e obediência aos seus antepassados – culto dos antepassados. (1)
Relembro um escrito de Wenceslau de Moraes (2) , nos primeiros meses da sua estadia em Macau, sobre este dia.
“O dia 5 de Abril amanhecera excepcionalmente belo em Macau. Uma alegria, este renascimento da luz, a alvorada cor-de-rosa, as montanhas doiradas pelo sol, a brisa tépida varrendo o espesso çlençol de neblina; alegria que só compreendem os que já por longo tempo habitaram as costas da China, e que por experiência conhecem a tristeza dos fastisiosos meses de Fevereiro e Março, invarialvelmente turvos, frigidos, desoladores. Com um poucochinho de boa vontade, quem não acreditaria numa influência complacente das grandes divindades budísticas, que, em amigável pacto, houvessem assi deliberado proteger o pacífico povo das vizinhanças de Macau, na realidade da festa religiosa mais grata talvez a todos os filhos do império?

As recortadas colinas, que rematam o panorama do porto interior, semeadas de velhos túmulos, ordinariamente desertos, encheram-se de peregrinos logo ao romper da madrugada. Curiosa romaria; um desprevenido julgaria surpreender misteriosas emboscadas, processos estratégicos de invasão, naquele desfilar indeciso de cobaias serpeando cautelosamente pelas trilhas das serras, aqui ocultando-se nas moitas, além ascendendo aos outeiros, dividindo-se em grupos, estudando o solo, perscrutando atentos. Mas peregrinação bem de paz era aquela, a comemoração do Tsing-Ming (3) ou festa dos mortos, geral em toda a China.
No entanto atravessava eu a cidade, passava para além do nosso domínio, e achava-me no chamado Terreno neutro, vasto campo arenoso, onde os chinas de Macau e dos lugares vizinhos enterram habitualmente os seus mortos; terreno de mortos se lhe poderia mesmo chamar, sem ofensa aos nossos brios de dominação, atentas a imparcialidade política, a absoluta neutralidade, que professam a imparcialidade de todos os países… A mesma peregrinação: no dorso suavemente curvo da encosta, eriçada de pedras funerárias, formigava uma multidão enorme de povo; famílias inteiras, os avós trémulos de velhice, os pais vigorosos, os rapazes, as criancinhas agarradas às mãos das mães, onda humana alastrando-se por mais de dois quilómetros de extensão, salpicada de tons vivos pelas cores variegadas dos vestidos (4)
(1) Sobre esta festividade ver:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/04/04/cheng-meng-festividade-da-pura-claridade-em-macau/
(2) Escrito por Wenceslau de Moraes em Junho de 1890. A 1.ª data referida a Wenceslau de Moraes nos documentos de Macau, como oficial imediato da Canhoneira Tejo, fundeada em Macau, é de 14 de Fevereiro de 1890.
SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Século XIX, Volume 3. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Macau, 1995, 467 p (ISBN 972-8091-10-9)
(3) 清明節 – mandarim pinyin: qing ming jié; cantonense jyutping: ceng1 ming4 zit3)
(4) MORAES, Wenceslau de – Traços do Extremo Oriente Siam – China – Japão. Livraria Barateira, Lisboa, 2.ª edição, 1946, 265 p.
NOTA 1: em Macau, uma edição mais recente deste livro, foi publicada por Carlos Morais José, edição COD, Junho de 2004, em parceria com a Comissão das Comemorações dos 150 anos de Wenceslau de Moraes, com o título: “ Obras Completas de Wenceslau de Moraes, Vol I; Traços do Extremo Oriente”, 197 p. (ISBN 99937-786-1-3)
NOTA 2: aconselho a leitura da tese de mestrado de Maria Margarida da Silva Faria Capitão, de Março de 2012, com o título: “Entre duas civilizações. O universo de leituras em Wenceslau de Moraes” que poderão encontrar em:
http://run.unl.pt/bitstream/10362/7827/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20M%20Margarida%20Capit%C3%A3o%20EPLSE%20mar%C3%A7o%202012.pdf.