“Quem há que não conheça, pelas descrições dos viajantes, aquela estância deliciosa que a própria natureza parece ter formado entre agrestes penedias á espera de que um suspirado e triste scismador ali viesse desafogar o estro e a desventura.
Numa colina situada ao norte de Macau, encontra-se talhada a meia altura a gruta que a tradição, desde séculos. sagrou à memória e ao nome de Camões.
Demoram-lhe em redor os penhascos agrestes de granito, nas fantásticas e caprichosas posições em que os vemos na serra de Sintra, como se fôssem ossadas de gigantes baralhadas e confundidas entre si depois duma peleja temerosa.
Gravura da Gruta de Camões em 1879 (Revista “Le Missioni Catholiche”)
Aqui e ali aparecem os rochedos arredondados e fendidos, mostrando a sua branca desnudez. Pela frinchas da penedia brota a vegetação, cujo verdor e viço estão, como se uma ininterrupta primavera quisera compor e disfarçar a anarquia geológica das primitivas formações.
Alfombram-se e arrelvam-se as quebradas, e os píncaros se toucam e se enfeitem de sombrios e bastos arvoredos, onde as flores da Ásia e da Europa se estão mesclando e convivendo fraternais.
Ali anda na memória popular que o poeta passava as horas de ócio, quando a poesia e a tristeza lhe pediam que deixasse os cuidados terrenos e prosaicos de arrecadador de espólios e heranças, e lhe lembravam que, se a miséria o afundira em tão baixo e ingrato ofício, o levantara o génio às glórias de cantor”.
Texto retirado do livro de COELHO, J. M. Latino – Galeria de Varões Ilustres de Portugal, 1.º Volume: Luís de Camões. Lisboa: Empreza Horas Românticas, 1880, 374 p.
José Maria Latino Coelho (1825 — 1891), mais conhecido por Latino Coelho, militar, escritor, jornalista e político português, formado em Engenharia Militar. Seguiu a carreira das armas, tendo atingido o posto de general de brigada do estado-maior de engenharia. Político percorrendo vários partidos políticos da Monarquia Constitucional, foi várias vezes eleito deputado, foi par do Reino eleito e exerceu as funções de ministro da Marinha e de vogal do Conselho Geral de Instrução Pública. Foi lente na Escola Politécnica de Lisboa (cadeira de Mineralogia e Geologia) e sócio efectivo e secretário perpétuo ( a partir de 1856) da Academia Real das Ciências de Lisboa. Como escritor, notabilizou-se com obras de foro histórico e ensaístico. http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Maria_Latino_Coelho
NOTA: Não tenho conhecimento que Latino Coelho tivesse estado em Macau. A sua “ligação” a este território foi mais interventiva ao prefaciar (em 1851, então jornalista e escritor) o Livro ” A Ibéria” publicado inicialmente em Lisboa sem autor mas que posteriormente revelou-se ser de D. Sinibaldo de Mas (1) (defendia a tese da junção das duas coroas peninsulares numa só). Sobre este tema, ler a excelente artigo de João Guedes publicado em
http://temposdoriente.wordpress.com/2011/01/11/o-jantar-de-macau-que-desencadeou-o-iberismo-04-10-11/
(1) Sobre D. Sinibaldo de Mas, ministro plenipotenciário de Espanha na China que residiu em Macau tendo sido editor durante uma ano do “Boletim Oficial”, ver meu anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/04/24/noticia-de-24-de-abril-de-1851-d-sinibaldo-de-mas/