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Na sequência do artigo de José Torres  publicado no semanário ilustrado ” Archivo Pittoresco” de 1864. (1), num número posterior da mesma publicação, fez o mesmo autor, outro comentário a uma outra ilustração de “Macau – Porto Interior”.

ARCHIVO PITTORESCO VII-44 1864 MACAU Porto InteriorMacau – Porto Interior

Ahi fica estampada a vista da parte ocidental da cidade de Macau e o seu ancoradoiro ou porto interior, formado pelas águas de um braço do grande rio de Cantão. É aqui o centro commercial da cidade, como a parte oriental, que estampamos a pag. 345 d´este colume, se pôde chamar o centro official administrativo, mais propriamente cidadão, Estamos a contemplal-o das alturas da Penha. Ao longe, à direita , na altura em que se divisa um confuso arvoredo, é a quinta da Gruta de Camões, propriedade do comendador Lourenço Marques. As montanhas que se elevam ao fundo, à continuação da península em que Macau assenta, são da comarca de Anção ou Hiamxan, da ilha Ngão-men, a maior das que povôam o grande golpho em que desagua o rio Cantão. É ahi, sobre a esquerda, que está situada a povoação chim da Casa Branca. A primeira praia à esquerda (passando a fortaleza e pagode da barra, que ficam áquem do que descobrimos) é a chamada Manduco. Segue-se-lhe  a Praia Pequena, adjacente à qual está a povoação  chim chamada do Bazar, quasi na sua totalidade reconstruída por um plano regular, depois do grande incêndio que, em 1856, lhe devorou umas mil casas grandes e pequenas. Segue-se-lhe a praia do Terrafeiro, que é a última, na baixa ao poente da quinta da Gruta de Camões. A pequena ilha, que a pouca distancia se vê no meio do rio, é a ilha Verde, até 1762 propriedade dos jesuítas, de então até 1828 de particulares, e desde 1828 do collegio de S. José de Macau, hoje seminario diocesano.
ARCHIVO PITTORESCO VII-44 1864 Artigo MACAU Porto InteriorA parte de outra ilha, que apparece à esquerda da estampa, demarcando o ancoradoiro por este lado, é a ilha que antigamente  chamávamos dos Padres, pelas estancias que os das ordens religiosas ahi tiveram, fronteiras à cidade; ilha a que agora chamâmos da Lapa, e os chins Toi-miu-shan, em vulgar Panthera. Na praia que d´ella avistámos, e na sua continuação para barra, tivemos até princípio do seculo XVIII as estancias da Lapa, da Ribeirinha e da Ribeira Grande; e ao sair da barra as da ilha do Bugio e de Oitem.
A historia de cada parte d´este territorio, que nos pertenceu ou pertence, interessando particularmente aos portuguezes, pôde ainda assim ser para todos fonte de grandes e aproveitaveis lições. Reservâmol-a para artigo especial
                                          JOSÉ DE TORRES

NOTA: esta mesma ilustração foi inserida posteriormente no livro de Rocha Martins ” História das Colónias Portuguesas” (no meu “post” de 28-04-2015 ) (2) com a legenda (errada)  “MACAU EM 1897“. Está incorrecta a data de 1897 pois a ilustração data (pelo menos) de 1864.
(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/11/23/macau-em-1864-vista-da-praia-grande-do-porto-exterior/
(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/04/28/leitura-historia-das-colonias-portugue-sas-de-rocha-martins/

MEU ALBUM Rochedo TAI UT Barra 3AGO2005Os dois caracteres vermelhos “Tái Ut” – 太乙 (1) num dos rochedos do Templo da Barra.
Foto pessoal – 3 de Agosto de 2005

A lenda associada aos dois grandes caracteres vermelhos – Tái Ut – que se encontram numa rocha do Templo da Barra e que remonta ao tempo do estabelecimento dos portugueses em Macau, é -nos contada por Luís Gonzaga Gomes(2).
“Nesse tempo, lorchas carregadas de mercadorias e provenientes de todos os portos da China fundeavam no porto interior, junto ao templo de T’in Hau, a Soberana do Céu, protectora das gentes do mar, de quem eram extremamente devotos.
Curioso, porém, é que apesar desse fervor religioso, dir-se-ia que os navegantes se encontravam em desfavor da sua patrona, pois todos os anos, nas proximidades do dia 23 da 3ª lua, dia consagrado à festividade da T’in Háu, não deixava de se dar um estranho naufrágio, em frente do seu templo. Tal facto, atribuíam à ausência de T’in Háu, (3) que nessa ocasião visitava a sua terra natal, Tin-Pou, em Fuquiem.(4)
Houve um ano, porém, que aportaram todas as embarcações excepto uma, a de Mâk Kâm Tái, que, por andar atarefado, não conseguira chegar a tempo para as festividades de T’in Háu. Porém, para os lados das Nove Ilhas, formou-se uma nuvem negra que, absorvendo as águas do mar e formando uma coluna de água, envolveu a embarcação de Mâk Kâm Tái, desfez-la em mil pedaços que se esfrangalharam de encontro à superfície do mar. Apesar do desastre ter ocorrido em frente do templo, onde se encontravam centenas de embarcações, estas nada sofreram e ninguém se apercebeu da tragédia. Apenas dois tripulantes se salvaram, testemunhas de tão terrível tragédia. Como tal calamidade ocorria periodicamente e todos os anos, por essa data, destroços de naufrágios apareciam em frente ao templo, cresceu o culto dos marítimos à deusa.”

POSTAl 1986 Temploda Barra DSTPOSTAL – “Temple of the goddess A-Ma (the name of Macau derived from)” – 1986
Copyright Dept. of Tourism (D.S.T.) MACAU – 86-12
Impresso na Gráfica de Macau Lda.

……..Ora vivia nesse tempo um geomante aureolado de grande fama, pois estava mais que comprovada a infalibilidade das suas pronunciações. Não havia cidade, povoação ou aldeia na província de Kuóng-Tông (5) onde o nome desse  têi-lei-sing-sâng (geomante) não fosse referido com o maior respeito.
Chamava-se Lái-Pôu-I e aconteceu ter vindo nessa  época a Macau. Um dia resolveu ir visitar o Templo da Barra.  Achou o sítio encantador e quedou-se meditando, durante algum tempo, em frente dos admiráveis conceitos inscritos na áspera superfície de vários rochedos. Quando chegou diante duma enorme fraga, para comprazer os que o acompanhavam, pôs a estudar o local com a sua ló-p´ún (a bússola dos geomantes) junto de uma enorme rocha. Depois de apalpar o lóng mak (o pulso do dragão), segundo as regras da ciência de que era senhor. Ao cabo de algum tempo, voltou-se para os circunstantes e disse-lhes suspirando:
– Não há dúvida. É exactamente aqui neste sítio onde a virulência do ar nocivo é mais acentuada.
Contaram-lhe dos naufrágios, que todos os anos ocorriam mesmo em frente do templo. Disse, então, Lái Pou I, que era preciso contrapor, quanto antes, a influência do ar nocivo, pois «a corrente da Ribeira Grande, na fronteira ilha da Lapa, entra na porção do rio que fica em frente ao templo, escavando, no seu ímpeto, o leito, de forma a moldá-lo numa larga e profunda bacia semelhante a uma rede de pesca. Por sua vez, a Ribeira Grande age como um pescador, que ao lançar a sua rede colhe, todos os anos, uma embarcação». Foram estas as palavras do famoso geomante. Os marítimos, por sua vez, trataram de angariar uma larga soma para pagar a Lái Pou I por forma a que este acabasse de vez com tal nefasta influência.
Templo da Barra Rochedo TAI UT

Lái Pou I traçou na rocha os dois grandes caracteres vermelhos – Tái Ut – que significam causa primordial, a frase tauista que impede qualquer tipo de desgraça. Depois, debaixo da rocha, enterrou uma espada com o gume voltado para a Ribeira Grande, para cortar as cordas da nefasta rede. «Desta forma, o pescador, criado pela fértil imaginação do geomante, ficou inibido de puxar a sua malfazeja rede e, por tal facto, daí em diante, nunca mais se registou a ocorrência de naufrágios misteriosos em frente do templo da Barra».”

POSTAL FAmoso Rochedo Templo da Barra Sem dataPOSTAL  – Templo de A-Ma – Famoso Rochedo/A view of the A-Ma Temple – Famous Rock/媽閣廟 名巖 (6)   – S/ data,  provável da década de 90
Direcção dos Serviços de Turismo de Macau
Lito:  Imprensa Nacional de Macau

(1) 太乙- mandarim pinyin: tài yǐ;  cantonense jyutping: taai3 jyut3.
(2) GOMES, Luís Gonzaga – A Rocha de “Tái Ut” do Templo da Barra, in Macau Factos e Lendas, ICM, 1994.
(3) 天后mandarim pinyin: tiān hòu; cantonense jyutping: tin1 hau6. Deusa do mar/imperatriz do céu, também conhecida por Mazu –  媽祖; Local de nascimento  Meizhou (湄州) em  Putian (莆田縣), Província de Fujian.
(4) 福建 -Fujian, Fukien, Fuquiém ou Hokkien.
(5) 廣東 – Guangdong, Kuangtung ou província de Cantão.
(6) 名巖  – mandarim pinyin: ming yán; cantonense jyutping: meng 4 ngaam4.