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Hoje, 17-04-2020, o «Jornal Tribuna de Macau» noticia(1) que “O Corpo de Polícia de Segurança Pública encontrou uma réplica de canhão numa obra de canalização, no Porto Interior. A obra já foi suspensa. Funcionários dos Serviços de Alfândega, Instituto para os Assuntos Municipais e Instituto Cultural já estiveram no local para avaliar a situação.”

De Macau, informam-me que o “achado” foi localizado na Zona do Patane. O canhão estará relacionado com o Forte do Patane (também conhecido como Palanchica) ? E/ou às docas de embarcações que existiram nessa zona? (2)

Pormenor de Mapa de Macau Vista da Lapa de «Ou-Mun Ke- Leok, 1979» p.97

O forte estaria situado perto da Calçada da Palanchica, (3) na pequena elevação do Patane, junto à capela dedicada a Sto. António? (Igreja de N.S. do Amparo?)  e tinha como “missão” proteger a cidade de uma invasão do Continente. Segundo Jorge Graça (4), o forte tinha “3 plataformas, cada qual provida de uma peça de artilharia. O acesso à esplanada superior era efectuado por meio de uma escada que a ligava com a de baixo. Estava ligado à fortaleza de S. Paulo (5) por uma secção da muralha Nordeste da cidade, na encosta ocidental da colina de S. Paulo e ao Porto Interior por outra secção desta muralha. Não é conhecida a data certa da sua construção, mas parece ser a mais antiga das fortificações do Macau primitivo. Estava provido com peças de artilharia retiradas dos barcos de comércio do Japão. Foi demolida juntamente com a muralha da cidade que ligava a fortaleza de S. Paulo ao Porto Interior em 1640 por exigência chinesa.

Segundo Padre Teixeira, o chamado Forte da Palanchica sobre o montículo de Patane não tem História, “ porque os únicos documentos que encontrou sobre Patane: ambos afirmam que se construiu um muro que ia desde S. Paulo a Patane e se tentou construir um forte neste lugar, mas gorou-se esta tentativa devido à oposição chinesa.”(6) Esta também foi a opinião do historiador Ljungstedt: (7) «Parece que em 1925 se tentou construir um forte num lugar chamado Patane a fim de ligá-lo por meio duma cortina com o Monte. Mas os chinas fizeram um tal resistência que se abandonou a obra, e a cortina mudou-se em muro do Jardim, que se estende até um braço do Porto Interior»

Era nessa zona designada por Patane ou Chão do Campo dos Patanes ou Campos de Patane que “corria um importante veio de água potável (Ribeira do Patane), suficiente não só para dessedentar a povoação mas ainda para o fornecimento da aguada aos juncos e mais barcos de cabotagem que já concorriam ao porto. Era por isso a zona que servia não só para abrigo e aguada, mas também servia de doca para reparação das naus da carreira do Japão, ou naus da prata, enquanto aguardavam a monção para prosseguir viagem. A Ribeira do Patane veio com o andar do tempo, após o inquinamento completo das suas águas pelas várzeas que o foram marginando, a converter-se num colector de esgoto que ainda não há muitos anos se via a descoberto e que era conhecido pelo canal de San Kiu” (6)

Planta de Macau, anónimo, Pedro Barreto de Resende no Livro das Plantas de Todas as Fortalezas, Cidade e Povoações do Estado da Índia Oriental de António Bocarro, c 1635

(1) https://jtm.com.mo/local/breves-1220/

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/ribeira-de-patane/

(3) As obras efectuadas na zona do Patane e Tarrafeiro em 1868 acabaram com o labirinto de becos e travessinhas da Palanchica. https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/travessa-da-palanchica/ https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/palanchica/

(4) GRAÇA, Jorge – Fortificações de Macau, Concepção e História. ICM, 1985, p.99

(5) “D. Francisco Mascarenhas, governador de Macau (1623-1626) mandou construir uma muralha de 500 barças, que se estendia desde a Fortaleza de S. Paulo ao Patane. Os Chineses objectavam que, estando esta muralha voltada para a China, era contra eles que se dirigia e não contra os inimigos de fora, e, por isso, exigiram a sua demolição. Mascarenhas opôs-se, mas o Senado cedeu às exigências chinesas e revoltou-se contra o governador em Outubro de 1624 e demoliu essas 500 barças de muro em Março de 1625. D. Francisco Mascarenhas, para evitar efusão de sangue, engoliu em seco esta amarga pílula” (6)

(6) TEIXEIRA, P. Manuel – Toponímia de Macau, Volume I. ICM, 1997, pp. 36-37

(7) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/andrew-ljungstedt/

O Boletim de Província de Macau e Timor de 1868, trazia esta notícia sobre as obras públicas decorrentes, nesse ano, na zona do Patane, no campal da “Porta do Cerco” e na Rampa dos Artilheiros e ainda uma informação sobre o relógio da Torre de Santo Agostinho.
boletim-da-provincia-de-macau-e-timor-1868-xiv-2-obras-publicasboletim-da-provincia-de-macau-e-timor-1868-xiv-2-obras-publicas-ii

Na sequência da publicação da fotografia do 1.º reservatório de águas de Macau (1) encontrei outras duas fotos, também do ano de 1927, referentes a outros reservatórios que existiram em Macau.
O coronel engenheiro Adriano Augusto Trigo, em 1919, quando foi nomeado Director dos Serviços de Obras Públicas, comprometeu-se resolver o problema da falta crónica do abastecimento de água potável, aproveitando  somente os recursos hidrográficos de Macau. Traçou um plano  que abarcava duas áreas. Uma referente a águas fluviais, com os projectos (todos concluídos em 1925) de construção de um reservatório na Colina de Guia  e outro na Flora, para aproveitamento das águas da Colina da Guia (2) e implementação de sete fontenários na cidade, para a sua distribuição.  Para as águas subterrâneas recomendou pesquisas no vale de Mong Há. (3)
Em 2 de Abril de 1923, foi aberto um concurso para «Distribuição de água potável explorada na Colina da Guia » com arrematação em hasta pública nesta data. (4)
ANUÁRIO de 1927 - Reservatório da FloraMas o primeiro reservatório (1) foi logo abandonado devido ao seu pequeno tamanho e capacidade armazenamento de água  para um regular abastecimento ao público.
ANUÁRIO de 1927 - Reservatório da Colina da GuiaAssim foi logo construído um segundo reservatório na Colina da Guia mais acima, a meio da encosta onde hoje (desde 1997)  é um “anfiteatro”/campos de jogos de actividades de lazer, entre a “Estrada das 33 curvas” projectada em 1924 pelo mesmo engenheiro António Augusto Trigo, em baixo e o circuito de manutenção, em cima.

Reservatório da Colina da Guia 2015ASPECTO ACTUAL DO TOPO DO ANTIGO RESERVATÓRIO (ABRIL DE 2015)

Um novo reservatório surgiria após a constituição, no dia 13 de Julho de 1935, por escritura pública, da Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, Limitada (SAAM), uma empresa inglesa, também conhecida por “The Macao Water Supply Company, Limited.” Assinou contrato do exclusivo do abastecimento de água à cidade, com o Leal Senado, dois dias depois, por um prazo de 60 anos. De acordo com o contrato, o gerente geral da sociedade era Frederick Johnson Gellion, também gerente da “The Macao Electric Lighting Company, Limited.” (MELCO)
A sociedade com um novo plano para o abastecimento de água potável a Macau captando a água no estuário junto à Ilha Verde. decidiu construir o novo reservatório principal num terreno baldio conquistado ao mar, situado no Porto Exterior.  A construção de uma estação de tratamento na Ilha Verde, de uma estação elevatória e do referido reservatório no Porto Exterior, ficaram concluídos em 1936. (5)

O Reservatório do Porto Exterior 2015O RESERVATÓRIO DO PORTO EXTERIOR (ABRIL DE 2015)

“… Logo de começo ainda antes de elaborar o anteprojecto de Obras do Porto Exterior, foi, planeado por esta Direcção uma captação vulgar de aguas pluviais, na Colina Este da Guia, que na parte considerada podia produzir cêrca de 20.000 m3 por ano para o porto e bem assim o aproveitamento da Fonte da Solidão que tem sido praticamente desaproveitada, ficando a agua com bastante carga para ser distribuída em elevação e podendo a obra ser feita a expensas do Conselho de Administração das Obras dos Portos; mas com a resolução atraz dita, cabia esse trabalho á Direcção de Obras Publicas e esta intendeu por melhor estender ali o sistema que estava empregando na face Oeste da Guia, isto é de provocar maior infiltração por meio de canais horizontais permeáveis, e quanto ás aguas da Fonte de Solidão decidiu canalisal-as para a cidade pelo tunel que foi aberto; tendo então sido prometido que o volume de 20.000 m3 seria fornecido pelo grande manancial que fôra descoberto em camada profunda do subsólo na baixa de Monghá; mas vê-se agora que as esperanças neste manancial não eram tão bem fundadas pelo menos quanto ao processo de captação propriamente dito e o abastecimento de agua ao terreno do porto ficou assim de alguma forma prejudicado.”
LACERDA, Hugo Carvalho de – Obras dos Portos de Macau, Memórias e Principais Documentos desde 1924, 1925.

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/12/02/postal-de-1927-o-primeiro-reservatorio-de-macau-e-o-paiol-da-solidao/
(2) “03-06-1922Importante acta de uma sessão do Conselho Técnico das Obras Públicas, a 5.ª, de 11 de Maio p.p. é publicada no B.O. n.º 22 desta data. Intervêm duas figuras que deixaram obra em Macau. O director das Obras Públicas (Eng Adriano  Trigo) e o Chefe dos Serviços de Saúde, Dr. Morais Palha. Intervêm também o Director das Obras dos Portos (Eng. Hugo de Lacerda Castelo Branco), o vogal deste Conselho Técnico (Eng. Duarte Abecassis) ao serviço da Direcção das Obras dos Portos. Fala-se de sondagens geológicas, de obras na Praza Luís de Camões, da descoberta de abundantes águas no sopé da Guia, etc ” (4)
(3) A ribeira de Patane (em chinês a zona é conhecida por “Soi Hang Mei” – 水坑尾) era um braço de rio que se bifurcava e chegava perto da Aldeia de Mong Há. A água era, naturalmente salobra, mas ali ia desaguar uma verdadeira ribeira de boa água, com nascente no Monte da Guia, ribeira que, depois, ficou reduzida ao antigo charco que veio a dar a Fonte da Inveja, próximo do Jardim da Flora (AMARO, Ana Maria – Das Cabanas de Palha às Torres de Betão, 1998, p.72)
水坑尾mandarim pinyin: shuǐ kēng wěi; cantonense jyutping:  seoi2 haang1 mei5
(4) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 4, 1997.
(5) CRUZ, Patrícia – A longa luta de Macau pela água potável , em:
http://www.revistamacau.com/2015/06/29/a-longa-luta-de-macau-pela-agua-potavel/