“Como em todo o lado, em todo o mundo, o chinês rico serve-se em grandes e fartos restaurantes e hotéis, com opíparos banquetes, de muitos e variados acepipes. Mas, nem só a cozinha dos ricos dispõe de grande diversidade de manjares; a cozinha dos pobres e remediados, dentro dos seus limitados recursos possui também variadas e excelentes iguarias a que os próprios ricaços, em certas alturas, não desdenham de prestar homenagem. Os pobres que pretendem tomar as suas refeições fora de casa, têm os seus pequenos restaurantes, com venda de arroz e peixe ou carne, sopa de fitas, massas e canjas variadas, ou, servem-se ainda do característico cozinheiro ambulante.
Os cozinheiros ambulantes fornecem comidas variadas
Se há em Macau figuras típicas de vendedores populares, que o ocidental observa com curiosidade, o cozinheiro ambulante é, sem dúvida, uma delas.
Leva a cozinha às costas, sem esforço aparente, em movimentos que a força do hábito automatizou.
Uma vara de bambu, tendo pendurados, numa extremidade, um armário onde são guardados os produtos cozinhados, e, na outra, um caixote ou caixa de zinco que acondiciona interiormente um fogão para lenha ou carvão, constituem ordinàriamente a bagagem forte de tão curioso trabalhador. Em volta ou dentro do armário coloca as tijelas ou pratos pequenos, pauzinhos (fai-chis) (1) que emprega como garfos ou colheres e um pequeno balde com água, onde procede à lavagem das tijelas que se vão utilizando. Quer em manhãs serenas e límpidas, pela rua fora, quer em dias agrestes, tempestuosos, debaixo das arcadas das ruas principais, topamos, a cada passo, com os cozinheiros ambulantes.
Os vendedores de bons petiscos são também muito procurados
Cedo ainda, lá segue o vendedor de «chi-cheong -fan», (2) rolinhos de farinha de arroz, cozidos em «banho-maria», que depois são cortados e temperados com mostarda, molho salgado( si-iau), (3) gergelim e piri-piri com molho de tomate. Os apreciadores rodeiam o cozinheiro e, ali mesmo, tomam a pequena refeição servida em pequenos pratos.
Pela mesma altura, surge-nos o cozinheiro, vendedor de canja (pac-tchoc) (4) que ao servir, adiciona à canja, frituras cortadas em pequenos pedaços. Este cozinheiro é, para muitas crianças ainda de colo, o fornecedor habitual do pequeno almoço, pois é vulgar encontrar-se de manhãzinha, criadas de servir com crianças, entre a clientela deste vendedor.
Depois das dez horas e em grande escala, aparecem os vendedores de pato assado e miudezas, que são talvez os vendedores mais frequentes. Não sendo cozinheiros ambulantes, pois já trazem as aves convenientemente cozinhadas e com um corante especial, é curioso vê-los cortar qualquer pedaço em pequenas porções e adicionar-lhe três ou quatro qualidades diferentes de molho. O cozinheiro, logo que poisa na rua o seu «trem de culinária», anuncia a sua presença e as iguarias que vende por meio de pregões típicos , às vezes quase gritos estridentes. Alguns assinalam a chegada por meio dum tic-tac com dois pedaços de bambu e lançam pregão cantarolando.
O vendedor de canja também tem os seus fregueses
Em locais de densa população chinesa, aglomerados compactos da cidade velha, a passagem de certos cozinheiros, diàriamente à mesma hora, toma foros de acontecimento pelo ambiente que levanta . É o caso de vendedor de massa de caril (Ka-li-ngau-nam-fan). (5) Como um bando de pássaros em redor do comedouro, juntam-se à sua volta, homens e mulheres, adultos e crianças, saboreando lentamente tão delicioso e picante manjar.
O caril é misturado com carne de vaca e massa em fitas ou macarrão, sendo servido em pequenas tijelas a preços muito acessíveis. Os comensais, por não existirem assentos, comem na incomodativa posição de cócoras, posição em que os chineses são capazes de permanecer horas seguidas. Nunca parecem notar a excessiva condimentação do petisco, e até as crianças, pela forçado hábito, não exteriorizam por mímica a forte sensação do picante.”
Artigo não assinado de «MACAU B. I., 1953».
(1) fai-chi – 筷子 – mandarim pinyin: kuài zǐ; cantonense jyutping: faai3 zi2
(2) chi-cheong-fan -豬腸粉 – mandarim pinyin: zhū cháng fěn; cantonense jyutping: zyu1 coeng 4 fan2
(3) si-iau – 豉油 mandarim pinyin: chǐ yóu; cantonense jyutping: si6 jau4
(4) pac-tchoc -白粥mandarim pinyin: bái zhōu; cantonense jyutping: baak6 zuk1
(5) Ka-li-ngau-nam-fan 豉油牛腩 粉 mandarim pinyin: kā lí niú nǎn fěn; cantonense jyutping: gaa1 lei1 ngau4 naam4 fan2