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Relato da «Colecção de vários factos acontecidos nesta mui nobre Cidade de Macao pelo decurso dos anos», redescoberta por Jack M. Braga na Biblioteca de Évora (1).
“1743, Dezembro 6 Neste dia houve huma Grande revolta nesta Cidade com a vinda de hum Mandarim e seus soldados por cauza de huma morte de hum China feita por hum filho de Macao chamado Anselmo. O Mandarim examinou o Corpo morto que estava na travessa do Tronco, e lhe achou cinco feridas penetrantes pedio o mattador e se foi.”
Em consequência desse acto, regressou o Mandarim:
“1743, Dezembro 18Neste dia tornou a vir o Mandarim a pedir o matador, disendo que se lhe não o entregavam, mandava fechar as Boticas pois sabia pelos seus chinas quem elle era. Os juíses já o tinhão preso no tronco e fazendo-se Conselho no Senado, forão todos de parecer que se lhe entregasse, levando-o a presença do Mandarim lhes fes várias perguntas, mandou medi-lo e disse que quando tornasse se fasia a execução.”
E voltou de novo em:
“1744, Janeiro 8Neste dia veio o Mandarim, e foi a padecer o desgraçado Anselmo matador do China. Sahio do tronco com alva vestida, e acompanhado dos Padres da Companhia e Irmandade da Mizericórdia com Bandeira e Crucefício: veio do tronco velho para a porta da Cidade passou pela Mizericórdia quando o Padre que o esperava fes a elevação da Sagrada Hostia, fes sua adoração na porta, e depois seguiu o seu caminho para o Vazar por de trás de Sam Domingos. Chegado que foi ao Campo do Mandarim logar destinado para os Suplicios o Mandarim mandou que se fizesse a execução delle. Então hum moço lhe bottou o garrote, cujo arrebentou ao que accudirão os Irmãos da Mizericórdia com a Bandeira, mas como os chinas não entendem e ignorão de tal protecção se alvoroçarão e houveram algumas pancadas de pouca entidade, não havendo outro remédio, se não deitarem-le o segundo, com que acabou os seus dias. Sendo este desgraçado o primeiro que foi ao vazar ficando desde então este lugar destinado para serem justiçados os delinquentes de pena de morte.”

NOTA: Governava Macau desde 25 de Agosto de 1743, Cosme Damião Pereira Pinto (2.º mandato) e o Bispo de Macau era D. Fr. Hilário de Santa Rosa, que tinha chegado a 5 de Novembro de 1742 (tomou posse por procuração a 12 de Novembro.) (2)
Em 1736, veio estabelecer-se em Macau o mandarim de Hian-Chan, um «sub-mandarinato», destinado segundo vozes, a auxiliar na administração de Macau  e outros documentos de 1944, relatava a interferência dos mandarins:
Um documento do Senado de Abril de 1744 dizia que «Desde Abril de 1744 achava-se nomeado e feito governador desta cidade um Mandarim, o qual já intentou vir morar dentro della e se acha residindo na sua vizinhança, tendo-nos intimado ele e os mais mandarins muitas vezes, que so pelas Leis do Imperador devemos ser governados»
E outro de 28 de Junho de 1744: «Estabeleceu-se em Macau o Tso-Tang. Um documento da Procuratura, nesta data, refere-se à residência deste mandarim, dizendo que «nunca residiu entre a Barreira (Porta do Cerco) e a Porta do campo de St.º António, mas sim, nos primeiros tempos, em Choi-me, alem da Barreira; e depois da guerra do A-po-chai, dentro das Portas do Campo, no sítio do Matapau; e agora, ultimamente, no sítio do Hopu da Praia Pequena, numa casas pertencentes a um português, a quem ele as aluga»
Em Novembro de 1744, é publicado um édito imperial, dia 7 da 3.ª lua do 9.º no do Imperador Quianlong, em que se ordenava aos mandarins para que se apurassem todos os factos «e daí em diante se algum europeu matasse um china se lhe cortasse a cabeça ou se enforcasse».

(1) BRAGA, Jack – A Voz do Passado. Instituto Cultural de Macau, 1987, 78 p.
(2) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 2.

Do álbum da colecção Duarte de Sousa, reproduz-se outro desenho a lápis de Macau, (do livro: “Macau, Cidade do Nome de Deus na China”), sem nome do autor, referenciados como do ano de 1831-1832. (1)

Macau Cidade do Nome de Deus na China CHINNERY Porta da Barreira“The Barrier. Macao, on the Race Course. The Cecilia Bay.”

O istmo que ligava Macau à terra chinesa, a chamada Porta do Limite ou da Barreira. O campo de corridas de cavalos mantido pelos ingleses, com apostas que atraía muita gente. À direita, a baía/praia da Areia Preta que vem referenciada como  Baía Cecília. Nunca vi referenciada esta baía/praia com este nome. Terá sido o autor induzido em erro por esta praia/baía estar em continuidade com a praia de Cacilhas?

Sobre esta região escreveu  J. Dyer Ball (2), em 1905, no capítulo “The Barrier”:
This is the division between Portuguese, and Chinese territory. It is some distance along the long isthmus which unites the peninsula of Macao to China… (…)
Just before reaching the Barrier a short distance is the bathing place, the whole coast line here forming with the sandy beach on the seaward side a magnificent roughly semi-circular bay. Many large fishing stakes are seen with the hovels of their owners perched up amongst the rocks. The whole of Macao seems dominated by forts. To the left is a large one, topping a hill, commanding the Barrier, while to the left are two small ones overlooking the sea and Cacilha’s Bay. Once on the road, leading to the Barrier, we see facing us the large gateway which marks the boundary line…”

Sobre o “hipódromo” e as corridas de cavalo na Areia Preta, uma descrição com algum pormenor de Harriet Low (3) que viveu em Macau de 1829 a 1834, no seu Diário:
5 de Novembro de 1829:“…O campo de corridas está no lugar chamado a Barreira, que impede todos os estrangeiros de passarem além. O campo mede cerca de três quartos de milha. Havia lá uma casa provisória de bambú construída para as senhoras, e posso afiançar-te, minha querida irmã, que era muito interessante comtemplar o matizado grupo abaixo de nós. Chineses de todas as descrições, enfarpelados nos seus trajos muito singulares, alguns com os chapéus da forma dum cesto, muitos de cabeça descoberta, mas empunhando uma ventoínha que os protege do sol. Alguns tinham sacos nas costas medindo cerca de meia jarda quadrada, nos quais metem os bebés. Estes pobrezinhos apanhavam chocadelas em toda a roda, no meio da multidão, como se fossem pedaços de madeira.
Portugueses e lascares andavam de mistura com chineses e, ao ouvir esta mistura de línguas – das quais nada comprendi, fez-me pensar na confusão de Babel, o que me levou a desejar que esta doida gente visesse na terra tamto tempo quanto lhe fosse permitido.
Algumas das corridas foram muito boas e fizeram-se grandes apostas.
Regressámos cerca das sete horas e tivemos uma longa discussão sobre os méritos dos ingleses…(4)

Macau Cidade do Nome de Deus na China The Race Course

“Near the Race Course. Macao”

Creio que é a mesma “paisagem” do anterior mas “vista” de mais longe, podendo distinguir melhor o istmo que ligava Macau à terra chinesa. A colina à esquerda, muito provavelmente, a de Mong Há.

Ainda sobre estas corridas de cavalos, há um ofício, de 28 de Abril de 1829, do Mandarim de Heong San ao Procurador da Cidade:
ordenando-lhe que proibisse imediatamente as corridas de cavalos com que, por divertimento, os estrangeiros residentes em Macau (ingleses) assustavam os viandantes, junto às Portas do Limite, o que constituía uma grave ofensa às leis do Império (5)
Em 1831 havia ainda a disputa/jurisdição sobre a posse de terras. Sobre umas obras na Ilha Verde, o Mandarim de Heong San, num ofício de 21 de Julho de 1831, informava:
“... Os portugueses só têm residência autorizada dentro das muralhas. A Ilha Verde está fora delas, no mar, à distância de alguns lis; por isso não é portuguesa …etc”(5)
NOTA: outra referência ao Hipodromo da Areia Preta em 1934:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hipodromo/

(1) Ver referências em anterior “post”:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/02/21/pintura-de-macau-de-1831-1832-i-fortaleza-da-guia/   
(2) Sobre este autor e referência ao livro, ver:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/j-dyer-ball/ 
(3) Sobre Harriet Low, ver referência em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/09/23/leitura-diario-de-harriet-low-tufao-de-1831/
(4) TEIXEIRA, Padre Manuel – Macau no séc. XIX visto por uma jovem americana. Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, Macu , 1981, 59 p.
(5) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Século XIX, Volume 3. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Macau, 1995, 467 p (ISBN 972-8091-10-9)