“Foi também devido à insipiente crença do fông-sôi (1) que, por largo tempo, se não atreveram os chineses a residir no sítio que é hoje a Avenida República, preferindo os próprios pescadores construir as suas barracas na Barra, pois diziam que a prosperidade do mencionado local estava ameaçada por um suposto bico de galinha (kâi-tchôi) (2) constituído pela extremidade da pequena ponta de terra da fronteira ilha da Taipa que, por ser algo prolongada e apresentar uma protuberância no seu rugosos relevo, faz lembrar o colo distendido dum galináceo de ingurgitada inglúvia, (3) sendo, por isso, conhecida entre os chineses pelo nome de Kâi-Kéang (Pescoço de Galinha) (4).
Vista panorâmica da Avenida da República c. 1950
Se tal bico de galinha estivesse revirado para outra banda, bem estava. Infelizmente, não era isso o que acontecia. O obnóxio (5) bico estava ominosamente assestado em direcção da Avenida da República, ameaçando reduzir até à extrema inópsia (6) o indivíduo que ousasse residir em tal sítio, pois quaisquer riquezas que este possuísse seriam, inexoravelmente debicadas, aos poucos.
Vista panorâmica da Avenida da República c. 1935 (7)
Então, para eliminar a sua nocividade, colocaram, no sopé da colina da Penha e mesmo em frente da Ponta Cabrita (Taipa) uma estatueta em pedra da Móng-Hói Kun-Iâm (Deusa da Misericórdia que mira o mar) (8) na esperança de impedir, com o seu manto, quaisquer malignas influências daquele nefasto bico de galinha. Porém, como a Kun-Iâm não tinha suficientes poderes para tornar inóxio o amaldiçoado bico, descobriram, então que a parte da colina que fica voltada para a Taipa se parecia com a cabeça de leão e, com o fim de lhe darem vida, para esta fera devorar, com a sua bocarra, todos os fluxos obnóxidos emitidos pelo bico da alinha, instalaram duas brilhantes luzes em duas covas da vertente que correspondiam, mais ou menos, às suas órbitas.
Dizem que foi, desde então, que o sítio da Avenida da Republica se tornou habitável.” (9)
(1) Geomancia chinesa 風水 – mandarim pinyin: fēng, shuǐ ; cantonense jyutping: fung1 seoi2
(2) 雞嘴– mandarim pinyin: jī zui; cantonense jyutping: gai1 zeoi2
(3) inglúvio – papo ou primeiro estômago das aves.
(4) 雞 頸– mandarim pinyin: jī gěng; cantonense jyutping: gai1 geng2
(5) obnóxio – perigoso, nefasto, desprezível, funesto
(6) inópsia – penúria, miséria
(7) https://macaostreets.iacm.gov.mo/p/parishoface2/photoalbum.aspx?album=%E6%B0%91%E5%9C%8B%E5%A4%A7%E9%A6%AC%E8%B7%AF
(8) 望海觀音 – mandarim pinyin: wàng hǎi guān yīn; cantonense jyutping: mong6 hoi2 gun1 jam1
(9) GOMES, Luís Gonzaga – Macau Factos e Lendas. Edição da Quinzena de Macau, 1979, p. 152.