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Título de uma reportagem que o Prof. Doutor António Carmo fez para a revista MacaU (1), acerca da transladação de algumas relíquias (ossos) dos mártires cristãos de Nagasáqui que estavam em Macau há quatrocentos anos.

Tive a honra de integrar a comitiva de 26 peregrinos (curiosamente, o mesmo número dos mártires de 1597) (2) que acompanharam estas relíquias de Macau a Nagasáqui e o privilégio de ser convidado pelo Sr. Bispo de Macau, nessa altura, D. Domingos Lam, para colaborar na catalogação e selecção das ossadas que estavam depositados na Igreja de S. Francisco Xavier, em Coloane.
Foi na verdade impressionante o acolhimento que as entidades eclesiásticas e os fiéis de Nagasáqui dispensaram à comitiva e tudo fizeram para receberem com dignidade essas relíquias.

MacaU n.º 35 MAR95 O Regresso dos MártiresI“Desembarcámos no aeroporto internacional de Fukuoka (diocese de Nagasáqui) ao cair da noite de 20 de Janeiro de 1995. Uma multidão de cristãos japoneses – homens, mulheres e crianças – de mãos postas, lágrimas correndo pelas faces e cantando hinos religiosos, esperava ansiosamente para poder ver e tocar as três caixas de madeira que continham as ossadas.

MacaU n.º 35 MAR95 O Regresso dos Mártires IINa cerimónia tocante em que as relíquias mudaram de mãos, e foi lido por D. Domingos Lam o documento comprovativo da sua autenticidade, redigido em latim, os cerca de 1 500 presentes choravam comovidamente. Muitos destes cristãos eram sobreviventes do holocausto nuclear, bem como a própria igreja – a enorme catedral de Urakami, outrora a maior de toda a Ásia, completamente desfeita pela bomba e reconstruída 13 qnos depois no mesmo loca agora com capacidade para 3 000 pessoas. Nesta cerimónia a homilia foi feita pelo arcebispo de Nagasáqui, D. Francisco Xavier Kaname Shimamoto,  que relembrou os laços históricos e de afecto que unem Nagasáqui a Macau.”

MacaU n.º 35 MAR95 O Regresso dos Mártires IIIO Bispo de Macau, D. Domingos Lam selando (autenticando) as caixas, auxiliado pelo Padre Luís Sequeira e Dra. Maria Margarida Matias. Observando, o Dr. João Guerra Salgueiro, embaixador de Portugal em Tóquio (Japão) e o Arcebispo de Nagasáqui, Revmo. Francis Xavier Kaname Shimamoto.

As relíquias foram depositadas no Museu dos Mártires (duas das caixas) (3) e a terceira seguiria para a diocese de Tóquio.

MacaU n.º 35 MAR95 O Regresso dos Mártires IVA Colina dos Mártires, fora dos muros da cidade, à beira da estrada, local de execução de criminosos comuns, a colina de Nishizaka. As 26 figuras de bronze dos santos mártires da autoria do escultor japonês Angélico Y. Funakoshi, estão dispostas pela ordem em que as suas cruzes se perfilavam.

(1) António Duarte de Almeida e Carmo (1936-2003), doutorado em Ciências Sociais (Antropologia Cultural), trabalhou em Macau de 1986 a 1996, autor (entre muitos artigos académicos) do livro “A Igreja Católica na China e em Macau, no contexto do Sudeste Asiático – Que Futuro?”.
(2) Reportagem e fotos retirados de “MacaU”,  n.º 35 (II série), Março 95.
(3) Chefiou a delegação macaense, o Dr. António Manuel Salavessa da Costa, secretário –adjunto para a Comunicação, Turismo e Cultura,  em representação do Governador de Macau.
(4) O Museu dos Mártires foi inaugurado a 10 de Junho de 1962.

A igreja principal é a Sám-Pá (São Paulo), que fica a nordeste  de Macau, encostada a uma montanha e tendo de altura vários tch`ân (2,64 metros). Na parte lateral do edifício, abrem-se portas feitas com estreitas e compridas pedras esculpidas e incrustadas com ouro azulado, que brilham fulgurantes. A parte superior parece-se com um docel voltado. Os lados são rendilhados, encontrando-se espalhados neles admiráveis jaspes. Aquela que dizem ser a Mãe do Céu chama-se Maria. A sua figura é de uma jovem abraçando uma criancinha que se chama Jesus Senhor do Céu. O fato não é cosido e cobre todo o corpo que, desde a cabeça, é revestido duma simples pintura e dum véu esmaltado. Em se olhando para ela, dir-se-ia que foi moldada. Ao lado, encontram-se trinta figuras. A sua mão esquerda segura a esfera armilar. Os quatros dedos da direita fazem lembrar o gesto de quem discursa. Os cabelo e as sobrancelhas são hirtos como se estivesse zangada. As orelhas são caracterizadas por pesados lóbulos; o nariz alto; os olhos  como se estivessem a contemplar qualquer cousa distante; a boca, com a atitude de quem quer falar.
Na parte superior do templo há uma casa onde guardam os instrumentos musicais. Tem uma torre de marcação de tempo com um enorme sino. Génios voadores (anjos), instalados nos cantos da torre vão de encontro ao sino, sendo movidos por um maquinismo, e, conforme a hora, fazem soá-lo” (1)

As ruínas da Igreja de S. Paulo, 1870 (2)

Recorda-se que o incêndio da Igreja construída em 1602, contígua ao Colégio jesuíta de S. Paulo ocorreu a 26 de Janeiro de 1835. A igreja era feita de taipa e madeira estava ricamente decorada e mobilada, de acordo com os relatos de viajantes da época. 
Padre Manuel Teixeira na sua obra: “A Educação em Macau” (3) descreve:
Tinham soado as 18 h. quando o fogo começou de atear-se no Colégio de S. Paulo e no primeiro quarto depois das 20 h., aquela  grandiosa fábrica -igreja e colégio – não era mais que u montão de cinzas. Ficou apenas de pé a imponente fachada e os paredões laterais.
O ministro protestante George Smith informa ” Durante os primeiros anos da minha residência em Cantão, foi infelizmente tudo destruído pelo fogo, excepto a fachada, descrita pelos visitantes da Índia como a mais imponente e bela de todas as igrejas do Oriente, sem exceptuar as de Goa, capital da Índia Portuguesa. A fachada (4) ainda está de pé mui pouco danificada. A catedral (aliás Igreja) erguia-se num alto à sombra das paredes da fortaleza do Monte e levavam a ela 130 degraus de granito duma largura de 20 a 80 pés, e estes estão como antes.”
A igreja media 160 palmos de comprimento e 84 de largura, e as paredes 50 palmos de altura, sendo construída sobre o modelo de S. Paulo  de Goa.
Existe uma inscrição da pedra da esquina ocidental da fachada mostra que a igreja era dedicada a Madre de Deus.
Veneravam-se na igreja de S. Paulo as seguintes relíquias:
 – O úmero do braço de S. F. Xavier, que hoje está na igreja de S. Francisco Xavier em Coloane,
 – Um crucifixo de prata com relíquias de S. lenho, da túnica do Senhor e da lança,
 – Uma cruz de cristal com o santo lenho e a assinatura de S. Inácio,
 – O relicário e cálix de S. F. Xavier.
Todas, excepto o primeiro, arderam no incêndio.
Havia ainda 15 caixões de relíquias dos que deram a vida pela fé no Japão, China e Cochinchina, incluindo André, proto-mártir da Cochinchina; estas conservaram-se em 18 caixas na Sé Catedral, sendo a 5-10-1974, transferidos para a igreja de S. Francisco Xavier em Coloane (5)”

Ruínas de S. Paulo, 1955 (?) (6)

Sobe-se hoje à imponente Fachada por uma escadaria de 8,10 m, com um total de 68 degraus. A Fachada mede 18,30 m de altura; acrescentando 1.74 da cruz com a sua base, que encima o tímpano, temos um total de 20, 40 m; de largura mede 19.30m” (3)
 (1) OU-MUN KEI-LÉOK Monografia de Macau por Tcheong-U-Lam e Ian-Kuong-Iâm. Tradução do chinês por Luís G. Gomes. Editada pela Repartição Central dos Serviços Económicos- Secção de Publicidade e Turismo, Macau. Imprensa Nacional, 1950, 252 p.
NOTA :  Mais informações do livro OU-MUN KEI-LEOK, ver anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/08/09/leitura-ou-mun-kei-leok-monografia-de-macau/
(2) Foto de John Thomson (1837-1921), retirada de Wellcome Collection:
http://catalogue.wellcome.ac.uk/search/a?SEARCH=thomson%2C+j+john&searchscope=5&submit.x=29&submit.y=12
(3) TEIXEIRA, Padre Manuel – A Educação em Macau. Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, 422 p + |10|
(4) A fachada de pedra trabalhada foi construída entre 1620-27 por cristãos japoneses expulsos do Japão e artistas locais sob a orientação do jesuíta italiano Carlo Spinola.
(5) Posteriormente algumas dessas relíquias (ossos dos mártires do Japão e Vietname) foram transferidas para o Japão e o restante, foram transferidos para o Museu de Arte Sacra e Cripta-capela construída no espaço outrora  ocupado pela capela-mor da igreja e localizada actualmente no recinto interior da ruínas de S. Paulo, aberto ao público em 1997. Esses ossos encontram-se em relicários abertos  nas paredes laterais.
(6) Foto retirado do livro “”Macau, terra de lendas“; ver anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/03/17/leitura-macau-terra-de-lendas/