Rompia a manhã.
O sol despontava
E já o tam-tam
Ao longe soava:
Tam, tam-tam, tam-tam-tam
O gongo tangia
E tam-tam, tam-tam
O écho repetia
Ao som d´esse monótono apello
Despertei, n´uma enorme anciedade.
Que doença, que desgraça, que flagello
Assolaria os bairros da cidade.
Para que, àquella matutina hora
Houvesse já sahído a multidão
E assim fosse, seguindo ruas fóra,
Atrás do tocador em procissão?
Epidemia? Ou espíritos dispersos
Occultos na neblina, a propalar.
Seus males? Há espíritos perversos
Que ao som do gongo fogem para o mar.
Mas não; porque havia
Sol resplandecente,
E o gongo tangia
Continuadamente
Tam, tam-tam, tam-tam,
O bronze vibrava
E tantã, tantã,
Ao longe echoava.
Assômo á varanda
Curiosamente.
Já nas ruas anda
Muita, muita gente.
E assim, a procissão vai augmentando,
Distingo-o ao longe. A volta que ella dá!
Tenho agora a impressão que estão tocando
Parados, junto ao templo de «Mong Ha».
É certo que este ano os arrozaes
Mal reverdecem, fracos, estiolados,
E ficaram nos grandes temporais
Os juncos e os tankás despedaçados.
Talvez que, na sua crença de budhistas,
Elles tentem os deuses despertar
D´aquelle sono eterno, de egoístas
Que não acordam para não chorar.
Não deve ser esta,
Porém, a razão.
Vem em ar de festa
Toda a multidão
Á frente, em corrida
Surgem chinezitos
De calça comprida
E olhos exquisitos
Trazendo ballões
P´rá noite accender
Estalam «panchões»
Nos ares a arder
E, continuamente
Por entre a algazarra,
Vibrante, estridente,
Música bizarra
Pelos tocadores !
Um ruído infernal
De pratos, tambores
E o gongo oriental.
Sonóro a tanger:
Tam, tam-tam, tam-tam
……………………………………
…………………………………
Mas, que andará o gongo a annunciar?
Tristezas? Não por certo, que as não sente
Com música e «panchões» a estralejar,
Toda essa bicha, exótica, de gente!
Ah! Eclipse de lua, pelos sábios
Previstos para o fim d´esta semana
Sinto voltar o meu sorriso aos lábios
Compreendo agora: É a serpente humana,
Coberta de pano avermelhado,
Que se coleia e alonga pela rua.
A simular esse dragão irado,
Que tenta á força devorar a lua;
Enquanto esta, pequenina bola,
Entregue a um china ágil, saltitante,
Nas suas mãos esguias, brilha, rola,
Sem que a consiga esse dragão gigante.
E, ai de nós, se esse monstro do inferno
A conseguisse um dia devorar …
O eclipse seria eterno, eterno,
Nunca mais uma noite de luar!
Maria Anna Acciaioli Tamagnini
NOTA: Na China, o gongo anuncia o visitante, afugenta os espíritos maus e as epidemias. Acorda os deuses nos Templos e afasia os supostos perigos dos eclipses da lua, que a lenda representa como um dragão tentando devorá-la.
TAMAGNINI, Maria Anna Acciaioli – LIN TCHI FÁ – Flor de Lótus. Lisboa, 1925, 99 p.
Referências anteriores a esta poetisa, em
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/maria-anna-tamagnini/