Desde 1805 que o pirata Cam Pau Sai (1) que se tornou posteriormente conselheiro de Estado em Beijing (2) andava assolando as costas do mar da China (e atacando os navios que saíam de ou viajavam para Macau) (3) com uma armada de cerca setecentos navios , entre juncos, lorchas e ouras embarcações mais pequenas. O governador Lucas José de Alvarenga (4) resolveu acabar com esta situação que desfraldava os negócios da cidade e incumbiu o desembargador Miguel José de Arriaga Brum da Silveira (5) para organizar uma esquadra naval.O desembargador conseguiu assim juntar o brigue «Princesa Carlota», (6) de 16 peças e 100 homens de guarnição, o brigue«Belisário», (7) de 18 peças e 120 homens de guarnição e a lorcha «Leão» (8) (piloto: José Gonçalves Carocha) de 5 peças e 30 homens de guarnição sob o comando do capitão de artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo Sousa. (6) O comandante de uma fragata inglesa que se encontrava no porto, a pedido do Governador, prometeu juntar-se à frota, mas não saiu do porto de Macau.
A 15 de Fevereiro de 1809 deu-se o primeiro encontro (1.ª batalha naval das várias que os portugueses tiveram com este pirata na Boca de Tigre culminado com o último em 21 de Janeiro de 1810) (2). A frota naval portuguesa encontraram nas proximidades cerca de duzentos navios do pirata. Os portugueses dispararam continuamente os seus canhões e as suas espingardas sobre os juncos que tentavam aproximar-se, não conseguindo os piratas abordar os navios portugueses. Rezam as crónicas que o combate durou desde manhã até ao pôr-do-sol , acabando os piratas por bater em retirada com muitos portos e feridos. A lorcha Leão por ser a menor embarcação foi a mais fustigada pelos piratas por isso Gonçalves Carocha distinguiu-se pela sua coragem neste combate.
Ao saber desta vitória, a corte imperial propôs uma acção conjunta para acabar com os piratas. Foi por isso assinado em 23 de Novembro de 1809 uma convenção (por mim já referida na postagem de 21-05-2015) (2)
(1) O mesmo pirata é referenciado com outros nomes como Kam Pao Sai, Cang-Pau-Sai, Chang-Pau Sai, Cam-Pao-Tsai, Cam-Po-Sai, Apo-Sai, Apochai, Cam-Pau- Sai, Cam-Apó-Chá ou Quan Apon Chay.
(2) Ver anterior referência a este pirata e outras batalhas em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/01/21/noticia-de-21-de-janeiro-de-1810-o-celebre-pirata-cam-pau-sai/
(3) O Governador Lucas José de Alvarenga num relatório de 3 de Março de 1809, enviado para Portugal, informava que a população chinesa era cerca de 30 000 e os portugueses: 1641 masculinos e 2579 femininos. Entre os portugueses contavam-se os macaenses e os escravos cristãos. Informava ainda que havia 300 lojas chinesas, 20 “casas estrangeiras”, 15 igrejas ou capelas, e 257 militares.
(4) Ver anteriores referências a este governador Lucas José Alvarenga (1768- 1831) em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/lucas-jose-alvarenga/
(5) Ver anteriores referência em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/miguel-de-arriaga-brum-da-silveira/
(6) Brigue «Princesa Carlota» – Navio português de linha, construído em Macau na China pelo senado em 1805, pronto para o serviço no mesmo ano como Brigue de 120t com um decke de artilharia com 12 peças de artilharia e com 90 a 125 homens a bordo, com o nome de ‘Princesa Carlota’, empregue no serviço na Costa da China, em 1809 e 1810 combateu piratas chineses, incluído em forças navais de Macau; fora de serviço em 1810 (?). O Capitão de Artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa, foi comandante da Brigue “Princesa Carlota” de 15-02-1809 a 15-09-1809. Em 1807, o armamento era de 10 peças de artilharia e 10 peças de 12 libras.
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2011/09/navios-da-real-da-marinha-de-guerra.html
(7) Brigue «Belizário» – Navio português de linha, construído em Macau na China pelo senado em 1801, lançado ao mar em 1801 e pronto para o serviço no mesmo ano, em 1809 aparelhou e armou de novo em Macau com um decke de artilharia com 20 a 24 peças de artilharia e com 90 a 130 homens a bordo, com o nome de ‘Belizário’, entrou nos combates contra piratas chineses em Macau em 1809 e 1810; fora de serviço em 1810 (?). Armamento em
1809: 20 peças de artilharia, 20 peças de 12 libras.
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2011/09/navios-da-real-da-marinha-de-guerra.html (7)
(8) Lorcha «Leão» – navio português, construído em Macau, armado com 5 peças de artilharia e com 20t e foi lançado ao mar em 1807, montava 1 rodízio e 4 pedreiros, fez várias comissões de fiscalização na costa desde 1807, nesse ano combateu com outros navios, piratas chineses, fora de serviço em (?). Armamento em 1807 – 5 peças de artilharia, 1 rodízio e 4 pedreneiras.
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2011/01/navios-da-real-marinha-de-guerra_20.html
Informações retiradas de:
ANDRADE, José Ignacio de – Memórias dos feitos macaenses contra os piratas da China.
https://books.google.pt/books?id=oUsNAAAAYAAJ&pg=PA12&lpg=PA12&dq=Mem%C3%B3rias+dos+feitos+macaenses&source=
ESPARTEIRO, António Marques – Catálogo dos Navios Brigantinos (1640-1910) in
http://3decks.pbworks.com/f/Catalogo+dos+navios+brigantinos+(1640-1910)+-+Esparteiro.pdf
GOMES, Luís Gonzaga – A destruição da esquadra de Kam Pau Sai in Páginas da História de Macau, 2010
MONTEIRO, Saturnino – Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol VIII, 1997.
NOTÍCIA DE 15 DE FEVEREIRO DE 1809 – PRIMEIROS COMBATES NA BOCA DO TIGRE CONTRA O PIRATA CAM PAU SAI
“21-10-1808 – Principiaram os distúrbios entre os chineses e os soldados da força inglesa que, desde 21 de Setembro ( sob o pretexto de defender Macau contra qualquer força francês tendo o Governador Bernardo Faria tentado por todos os modos, dissuadir os ingleses de ficarem pois perturbavam com cavalgadas a paz dos vivos e até dos mortos) tinham desembarcado nesta cidade. O Procurador Manuel Pereira oficiou aos mandarins de Hèong-Sán e Casa Branca, pedindo providências para a repressão dos chineses. Os mandarins responderam que não eram precisas leis para castigar crimes que não deviam existir no império, que embarcassem os ingleses e tudo ficaria remediado.” (1)
13-10-1808 – O Mandarim da Casa Branca oficiou ao Vice-Rei de Cantão, dando-lhe informações sobre as tropas ingleses que, sob o comando do almirante Drury, tinham ocupado Macau, armando 300 tendas de campanha, desde S. Paulo até Patane, a pretexto de defender esta cidade contra os franceses. (1)
“23-10-1808 – O Vice -Rei Chiun Kuan, em seu nome e das mais autoridades superiores de Cantão, participou ao Imperador o desembarque das tropas inglesas em Macau, dando também conta das providências que tomara, sem resultado, para constranger o almirante Drury a pôr termo a essa ocupação. (1)
Por pressão chinesa, o Almirante e o seu corpo expedicionário inglês veio a sair de Macau em 19 de Dezembro desse ano, graças também ao tacto político do Ouvidor Miguel Arriaga Brum da Silveira que conseguiu reembarcar os ingleses.
Em 30 de Outubro de 1808 o Governador Lemos e Faria (2) enviou ao Almirante Drury uma carta com o seguinte teor:
“Entre as dificuldades que vos fiz antever, citei a inevitável complicação com os chineses. Tenho conhecimento do sistema do seu governo por longa experiência, adquirida na prática; sei os vínculos que os unem a esta cidade e por isso previ o mau êxito da vossa êmpresa. Falei-vos com franqueza e fui considerado como desafecto aos vossos projectos. Em 20 do mês passado declarastes, ainda que pouco favoravelmente ao exercício do meu emprêgo, ser qualquer oposição do Govêrno chinês desembaraçada pelo Almirante com o Vice-Rei; agora vejo depender dêste Govêrno a ultimação do negócio.
O Senado trabalha para que não sejam reputados sinistros os fins da vossa expedição. Se tem havido desconfiança nos mandarins, não é motivada por êste Govêrno, pois tem patenteado com franqueza a sua correspondência.
Já vos disse e agora repito: dos macaenses, nem um só deixa de respeitar a cada de Bragança, costumada a encher esta cidade de benefícios, em honra do seu Govêrno e glória dos seus moradores. Porém, como lhe não seja vedado amar a tranquilidade do seu País, não deve estranhar-se de cada um chorar a sua desgraça; sem blasfemarem da causa, aborrecem os efeitos. O pais de família, lastimam a morte de seus filhos, pelo abandono das amas de leite que se retiraram. Os infelizes, que têm na labutação diária os seus recursos, lastimam-se pela escassês e carestia dos géneros alimentares. Os mais abastados lastimam-se por verem chegar a época de fazerem as suas negociações e terem ainda as mercadorias empatadas, por, falta de giro, há 50 dias. Até os navios estão ainda por fabricar, à míngua de artífices, que também fugiram. Os empregados públicos, vendo fugir o comércio, lastimam-se sabendo que dêle tira o Estado rendimento para lhe pagar. Os mesmos habitantes chineses dados ao comércio têm emigrado e levado até o mais inferior dos trastes. E assim era de esperar de homens pacíficos, ao verem aparatos de guerra, ameaçados, além disso, pelos mandarins, que julgam a constituição do Império abalada pela vossa imprudência. à vista disto não admira que haja descontentes que deplorem a sua desgraça e aspirem ao sossêgo deste fiel estabelecimento, que há 252 anos tem sempre respeitado as ordens do seu Monarca. Julguem por êste quadro se um tal povo necessita de proclamações para ser fiel ao Rei a quem adora.”
A. de Lemos, Governador de Macau (3)
NOTA: sobre o mesmo assunto, ver anterior postagem “Notícia de 1 de Janeiro de 1809 – Edital do Vice-Rei de Cantão” em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/bernardo-a-de-lemos-e-faria/
e trabalho de Frederic Wakeman Jr “Drury´s Occupation of macau and China´s Response to Early Modern Imperialism” em
http://www.eastasianhistory.org/sites/default/files/article-content/28/EAH28_02.pdf
(1) GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954.
(2) Bernardo Aleixo de Lemos e Faria (1754 – 1826) natural da Freguesia de Deus, (Índia), Cavaleiro da Ordem de Aviz, Fidalgo Cavaleiro de Sua Alteza Real, Capitão de mar e guerra da Armada Real foi pela 2.ª vez governador e Capitão geral de Macau, de 8 de Agosto de 1806 a 1808 (foi destituído do 1.º mandato em 1788 – acusado de comércio ilegal de ópio). O novo governador, Lucas José Alvarenga (1768- 1831) (4) tomou posse a 1 de Janeiro de 1809 ( a posse esteve marcada para 26 de Dezembro de 1808, após a saída dos ingleses, mas teve de ser adiada por doença). Lucas Alvarenga governou somente até 19 de Julho de 1810, ordem vinda de Lisboa obrigou Bernardo Lemos e Faria a retornar a Macau e voltar a ser governador pela 3.ª vez até 19 de Julho de 1814 data em que deveria ser substituído pelo mesmo Lucas Alvarenga mas este não tomou posse. Manteve-se Lemos e Faria até 1–07-1817, data de posse do governador José Osório de Castro Cabral de Albuquerque.
(3) COLOMBAN, Eudore de – Resumo da História de Macau – 1927.
(4) Sobre este governador, recomendo as leituras de Luís Sá Cunha e Anita de Almeida, disponíveis em:
http://www.revistamacau.com/2013/08/14/um-poeta-no-inferno/
http://people.ufpr.br/~vii_jornada/ALMEIDA_Anita.pdf
EDITAL DE 1 DE JANEIRO DE 1809
“O Vice-rei de Cantão, Kiu-iung-kuang, publicou um edital dizendo que, por os ingleses terem efectuado um desembarque, em Macau, em Setembro de 1808, sob o pretexto de defenderem esta cidade contra os franceses, tropa essa que se retirou antes do fim de Dezembro, “jamais se lhes devia permitir comerciar n´este império. Comtudo, lembrando-nos que o seu rei offerecera tributo ao nosso imperador, relevamos a offensa que nos fizeram pela entrada em Macau.
Agora, depois de enviarem os soldados às suas terras, pedem os sobrecargas, arrependidos, perdão com muita humildade, afim de se lhes permitir comerciar n´este imperio. Conhecendo a misericordia do nosso imperador, cedemos às repetidas supplicas dos sobrecargas, deixando que desembarquem as suas mercadorias e possam vende-l´as n´esta cidade. Devem receber esta graça como um beneficio extraordinário. Vê-se que as leis chinesas teem enfraquecido com o tempo, mas no futuro haverá mais rigor. De aqui em diante, se algum europêo se atrever a quebrar as leis do imperio, será expulso para sempre.” (1)
NOTA: Governava Macau, Lucas José Alvarenga que chegou a Macau em 25 de Setembro de 1808, vindo de Bombaim no «Comboio Inglês». Estava marcada a tomada de posse a 26-12-1808 após a saída dos ingleses (2), mas só a tomou «por moléstia que lhe sobreveio inesperadamente» na tarde do dia 1 de Janeiro de 1809. Governou até 19 de Julho de 1810, data em que lhe sucederia Bernardo Aleixo de Lemos e Faria.
Seria nomeado em 1814 para um segundo mandato mas não chegou a tomar posse.
Há uma notícia de 4 de Outubro de 1814 em que o Mandarim de Heong-San, Ma, escreveu ao Procurador do Senado, exigindo uma resposta a um ofício anterior, acerca de Lucas José de Alvarenga, que regressara, com segunda nomeação, no ano de 1814, mas sem efectuar posse. Dizia o referido ofício: «Já sobre o mesmo objecto enviei chapa a Vmce. sr. procurador e por ela lhe adverti indagasse se o dito novo governador Lucas se comportava bem ou não. A que fim veio ele outra vez para Macau? Quais são os seus intentos? Recomendei também a Vmce. avisasse ao Governador actual que advertisse ao novo Governador Lucas para que sem demora voltasse à sua terra e ao mesmo tempo lhe exigi me informasse do comportamento desse sujeito e me anunciasse o dia da sua partida … »
(1) GOMES, Luía G. – Efemérides da História de Macau.
(2) Com o pretexto de defender a cidade de Macau dos ataques franceses, o Almirante inglês William Drury (3) desembarcou em Macau, em Setembro de 1808, com tropas e bagagens, apesar da oposição do Governador de Macau. Ocupou as Fortalezas da Guia e do Bonparto, tendo depois trocado esta por S. Francisco. O Governador, Bernardo Aleixo de Lemos e Faria tentou por vias diplomáticas demover os ingleses desse acto e foram as autoridades chineses – Mandarins de Casa Branca e de Heong San que receando que os ingleses “conquistassem” Macau por este meio, pressionaram a saída dos ingleses em Dezembro. Segundo fontes, os chineses terão concentrado uma força de cerca 80 000 homens do exército diante das portas da cidade.
“In September 1808 a British fleet commanded by Admiral William Drury had landed troops at Macao to prevent a French occupation of the Portugueses Colony. After three months of diplomatically awkward occupation, the troops were witddrawn because the Chinese emperror, who maintained that he could defend Macao should the French try to seize it, was threatening to prohibit British trade at Canton.” (PARKINSON, Cyril Northcote – War in the Eastern Seas 1793-1815.)
Sobre este episódio da História de Macau, recomendo a leitura de WAKEMAN JR, Frederic – Drury´Occupation of Macau and China´s Response to Early Modern Imperialism. Publicado no East Asian History, n.º 28 (Dezembro de 2004) pp. 27 – 34. Pode-se ler em:
http://www.eastasianhistory.org/sites/default/files/article-content/28/EAH28_02.pdf
(3) William O´Brien Drury, (1754- 1811) da marinha inglesa, que interveio nos conflitos militares da Revolução Francesa (1792-1802) e nas guerras peninsulares (1803-1815), foi promovido a contra-Almirante em 1804 e em 1808, nomeado comandante – chefe faz forças navais britânicas (“East Indies Station”). Faleceu a 6 de Março de 1811 em Madras (Índia).