Archives for posts with tag: Leprosaria de D. Maria II

Os hospícios em Macau que foram com o tempo construídos para os doentes com lepra, eram sempre afastados das povoações para evitarem o contágio,  e após a fase da instalação dos lazaretos em Macau, foram afastados para as ilhas. Mas tinham sempre problemas para a sua gestão quer no envio de mantimentos e outras necessidades como por exemplo: material para construção das barracas e controle / fiscalização da comida, quer no “policiamento” para evitar que fugissem ( e eram frequentes as fugas) . Mas o principal problema era o constante ataque e roubos praticados pelos piratas.
A 3 de Setembro de 1885, o tenente Lemos (1) enviou um ofício à secretaria do governo:
«Pelas 20 horas da noite do primeiro do corrente (1 de Setembro) assaltaram o hospício de Kao hó, (2) uns doze piratas armados de taifós (espadas curtas) e de pistolas, roubando toda a roupa de inverno das leprosas e o arroz que lhe havia sido distribuído para o rancho até 15 deste mês.
Os piratas dirigiram-se primeiro à casa do guarda, a cuja porta bateram para que viesse apresentar-se ao comandante da Taipa ─ disseram eles que estava ali à sua espera. O guarda foi o primeiro roubado.
Dali foram ao hospício, arrombaram a janela do lado da cozinha por onde entraram, e abriram em seguida uma porta. Roubaram aí a roupa das leprosas e algum dinheiro na importância de sete patacas e 160 cates de arroz.
Pela meia-noite retiraram os piratas embarcando num pequeno sapatião que os esperava na praia.
Já mandei proceder a concertos da janela, em virtude da autorização que recebi para esse fim.»(3)
Os piratas levaram tudo o que encontraram: a ração de géneros e arroz, as roupas das mulheres  e do guarda (vê-se que não tinham medo à lepra), dinheiro e louça. Vivia em Ká Hó um mulher católica, mandada pelas Canossianas, que era a catequista das leprosas.
As suspeitas recaíram em Lao Teng Yao e nos seus companheiros, Leung Con Soy e A Mine, mais conhecido por Pac Tao Fat (“cabelos brancos”) que foram presos cerca de três meses depois em Cantão (notícia de 12 de Dezembro de 1885), por outros crimes de pirataria, praticados na vizinhança de Hong Kong.
O grupo pertencia a uma sociedade secreta, denominada Sam Hap, cujo cabecilha nestes lugares (Coloane) era o Lao Teng Yao. Entre os filiados estavam o Tai Chi Seng (Asseng) e Tai Chi San (Assam) e ainda um terceiro por nome Achi,  (cabecilha duma embarcação de piratas, e com cadastro prisional),  filho do proprietário da firma Ngui Ki. Estes piratas levavam uma existência miserável já que o produto dos roubos iam para o jogo (frequentavam a casa de Tan A Ngok, lugar de jogos ilegais)  e para a frequência das casas de ópio.(3)

MBI I-13 15FEV1954 - Lazareto de Ká HóO Lazareto de Ká Hó em 1954 (4)

(1) O Alferes José Correia de Lemos foi nomeado a 5 de Maio de 1879, Administrador substituto e Ajudante do Comando Militar das Ilhas. Passou a efectivo a 25 de Agosto de 1879. Promovido a tenente em 1882, foi substituído no cargo em 14 de Janeiro de 1890 pela Capitão José Maria Esteves.
(2) O Hospício para Lázaros, em Ká Hó era de construção recente nessa data (1885) pois,  tinha sido inaugurado em 20 de Janeiro desse ano. Para evitar a convivência dos lázaros com a lázaras (desde 1978, os lázaros tanto homens como mulheres, estavam  no lugar de “Pac Sá Lan” na Ilha de D. João)  o Governo (em 1884) mandou construir uma casa de tijolos na Ilha de Coloane,  no lugar de Ká Hó  e em 1885 transferiram para Ká Hó as mulheres, permanecendo os  homens “Pac Sá Lan” .  Em 1884,  Ká Hó, a N.E. da Ilha de Coloane não era habitada e tinha água  e a povoação mais próxima desse local (2 milhas) era uma pequena povoação (Hac Sá) de vinte casebres cujos habitantes empregavam-se na agricultura e nos pesqueiros da areia preta. (3)
“20-01-1885 – O Hospício para Lázaros, em Ka Hó, depois de muita resistência e de alterações várias quanto à escolha do local, quer em Macau (D. Maria, Porta do Cerco) quer na Taipa e depois em Coloane, foi entregue pronto nesta data, com guarda e zona circundante delimitada. O apetrechamento só ficará completo em Maio deste ano” (SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 3, 1995).
Em 1886, havia 48 leprosos em Ká Hó e Pac Sa Lan (Ilha de S. João – as barracas dos leprosos neste local achavam-se de todo arruinadas, nesse ano, havendo necessidade de serem construídas novas barracas),sendo 13 mulheres no primeiro lazareto e 35 homens no segundo; e que a despesa feita com eles nesse ano fora de $ 805.631.
(3) TEIXEIRA, Padre Manuel – Taipa e Coloane, 1981.
(4) Com o fim da leprosaria de Pac Sá Lan  (destruída em Maio de 1953 pelas autoridades chinesas; uns dizem que os leprosos forma mortos, outros que eles foram levados para uma ilha perto de Hong Kong, notícia nunca confirmada) os homens diagnosticados com a doença, passaram a ser internados no Lazareto de Ká Hó pelo que o Governo mandou construir dois espaçosos edifícios, um para homens e outro para mulheres (em 1965) (3)

19-02-1852 – Concluído o fortim novo, sobranceiro à Praia de Cacilhas, tomou este o nome de D. Maria II, (1) segundo a «Ordem à Força Armada n.º 9» que por este motivo, ordenou o desmantelamento do Forte de Mong-Há, por se encontrar em ruínas e desnecessário, em virtude da construção do novo fortim.” (2)
No entanto, o Forte de Mong Há foi reconstruído e reactivado mais tarde. (3)

Ta-Ssi Yang-Kuo Fortim de D. Maria II (1899)FORTALEZA DE D. MARIA 2.ª E LAZARETO
Photograv. de P. Marinho, segundo uma photographia do sr. Carlos Cabral (1899)
(Ta-Ssi Yang-Kuo, Vol. I/II)

De acordo com a ordem n.º 19 do quartel General Militar, de 17 de Fevereiro de 1852, este forte foi ocupado militarmente, nessa data com a intenção de substituir o forte de Mong-Ha, apesar da localização deste último ser de longe superior. Foi edificado sob a direcção do oficial engenheiro Major António de Azevedo e Cunha. (1)
Em 1872, na Fortaleza de D. Maria 2.ª, «fizeram-se nesta fortaleza todos os concertos e reparos de que precizamos; nas muralhas, no terrapleno; no quartel do destacamento; no paiol; e na ponte levadiça junto da entrada, fazendo-se de novo para esta, um molinete» (4)

FORTIM DE D. MARIA II 2015Portal da entrada do Forte de D.Maria II /馬交石炮台 como está actualmente, vendo-se o local onde estava a ponte levadiça. Observar o parapeito saliente, onde se encontram ameias que serviam para o defesa do portal de entrada.
(Foto de https://pt.wikipedia.org/wiki/Fortifica%C3%A7%C3%B5es_de_Macau)

O forte de D. Maria II, bem como o de Mong Há e o  da Taipa são as últimas fortalezas  construídas pelos portugueses em Macau (todas já do século XIX) e têm uma função  diferente das primitivas Já não serviam para se defenderem dos ataques dos estrangeiros e piratas mas para defenderem de eventuais ataques vindas do continente chinês, após o trágico assassinato de Ferreira de Amaral
A casamata deste forte foi destruída por uma bomba durante o bombardeamento americano a Macau em 16 de Janeiro de 1943. (5)

MACAU PASSADO E PRESENTE 1907-1999 Colina , Forte de D. Maria IIFORTE DE D. MARIA II no topo,  o LAZARETO mais abaixo e a antiga Estrada de D. Maria II.
Foto de Man Fook (1907) (6)

O Fortim está classificada como património arquitectónico, paisagístico e cultural desde 1984 e mantido sempre este estatuto nas sucessivas revogações, a última em 2013 (Lei n.º 11/2013 da RAEM de 22 de Agosto – Lei de Salvaguarda do Património Cultural).
Hoje recuperado, no entanto, não é visitável o seu interior; o parque que o rodeia é um lugar aprazível com uma boa vista para o reservatório  e o Porto Exterior.
馬交石炮台- mandarim pinyn: mǎ jiāo dàn bāo tái; cantonense jyutping: maa5 gaau1 daam3 baau1 toi4.
(1) “Este forte está localizado no cume da colina de D. Maria II, com uma altitude de 47 metros, a dominar a baía de Cacilhas e o Istmo da Península de Macau. Objectivo: apesar da sua posição estratégica ser inferior, foi construído para substituir o forte de Mong-Ha. Mais tarde  a sua missão principal foi a de reforçar e fornecer fogo de cobertura ao forte de Mong-Ha e, assim, funcionava como posição auxiliar. Tinha também a função de cobrir a Baía de Cacilhas afim de proteger as suas margens. Por isso, a sua única arma era rotativa num arco de 360.º. Apesar de tudo, este forte nunca deve ter sido muito eficiente.”
GRAÇA, Jorge – Fortificações de Macau , Concepção e História, 198?
(2) GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954.
(3) “Os trabalhos de fortificações na colina de Mong-Ha foram iniciados pelo Governador Ferreira do Amaral em 1849 como uma medida preventiva de defesa contra uma temida invasão chinesa, mas não foram concluídas devido ao seu assassinato.”  Foram retomados em 1850, mas em 1852 estavam praticamente reduzidas a ruínas. Em 1864  foi reconstruído o forte  por ordem do Governador Coelho do Amaral e ficou concluído em 1866.”(1)
Carlos José Caldeira a propósito da visita do Governador Francisco António Gonçalves Cardoso (chegou a Macau 26-01-1851 e tomada de posse a 3-02-1851) às fortalezas de Macau: « Em todas as fortalezas poucas peças estavam em estado de fazer fogo e não continuado; no já quasi desmoronado forte de Mohá (feito haveria pouco mais de um anno) n´um dos canhões principais, dirigido sobre a Porta do Cerco, no ouvido faziam as lagartixas seu sossegado ninho; as poucas munições estavam fechadas num caixão do qual se perdera a chave havia tempos, etc, etc, etc… Sirva isto só de dar idêa de todas outras misérias. E, no entanto que faziam os governadores de fortalezas, e o major de engenheiros, todos com denominações alti-sonantes, e bons soldos gratificações?. Tratavam das suas hortas, ou passavam vida airada e folgasã…
O major  de engenheiros, mandado de Portugal pelo Egipto com avultada despesa, recebia mensalmente em Macau 116 patacas»
CALDEIRA, Carlos José – Apontamentos d´uma viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa , 1852.
(4) Relatório o Director das Obras Públicas, Ten-Cor. Francisco Jerónimo Luna, relativo a 1871-1872 in TEIXEIRA, Pe. Manuel – Os Militares em Macau, 1975.
(5) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/01/16/noticia-de-16-de-janeiro-de-1945-bombarde-amentos-em-macau/
(6) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/05/01/noticia-de-1-de-maio-de-1911-epidemia-de-peste-bubonica/
Referências anteriores a este fortim:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/fortaleza-de-d-maria-ii/

Epidemia de peste bubónica – “A Junta de Saúde, em vista do aumento de casos de peste em Hong Kong, propõe-se que pelo Hospital Chinês (Hospital Kiang Wu) seja feita uma barraca-lazareto (1)  na Lapa e que os comandantes dos navios chegados declarem a existência de doentes a bordo. Resolve-se que a barraca só será construída quando não baste o edifício já existente. Perguntando o Governo se não era preferível a visita de saúde aos navios, a Junta pronuncia-se pela pouca conveniência desta medida.” (2)

Recorda-se que nas primeiras décadas do século XX, houve várias grandes epidemias no sul da China desde os grandes portos do mar abertos à navegação até os mais recônditos portos fluviais do rio Si-Kiang, (3) mantendo-se endémica durante 20 anos, entretida e agravada por frequentes importações do morbo. Esses picos quase sempre nos meses de Abril: em 1901, em 1909 (grande epidemia de peste bubónica) e  em 1913 (epidemia de cólera e peste). Pelas condições explicadas pelo capitão médico Peregrino da Costa e/ou por milagre (?) tiveram consequências mínimas em Macau (4)

(1) Lazareto – estabelecimento existente junto aos portos, onde se recolhiam os viajantes suspeitos de doenças contagiosas ou provenientes de países com epidemias para aí despistar a doença (quarentena). Em Macau designava-se também lazareto, o hospital onde se recolhiam os leprosos (existiram lazaretos na Colina de D. Maria II, na Ilha de D. João e em Coloane (Ka Hó), este o último a fechar.

Lazareto de D. Maria II 1907

A colina de D. Maria II com o seu forte e o lazareto
(Arquivo Científico Tropical: http://actd.iict.pt/view/actd:AHUD6899)
Foto atribuída a Man-Fook e possivelmente de 1907

(2) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Século XX, Volume 4. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª Edição, Macau, 1997, 454 p (ISBN 972-8091-11-7)
(3) Si Kiang / Xi Jiang / Hsi Chiang 西江 (mandarim pinyin: xi jiang; cantonense jyutping: sai1 gong 1 – rio do Oeste. Este rio (juntamente com o Bei Jiang 北江 (mandarim pinyin: bèi jiang; cantonense jyutping: baak1 gong1) – rio do Norte e Dong Jiang 東江 (mandarim pinyin: dong jiang; cantonense jyutping: dung1 gong1) – rio do Oriente formam o Zhu Jiang, 珠江 (mandarim pinyin: zhū jiāng; cantonense jyutping: zyu1 gong1 – rio Pérola, banhando toda a região denominada do Delta do Rio das Pérolas. Terceiro rio chinês em comprimento, embora não tão largo como o rio Amarelo – Huang He 黄河 (mandarim pinyin: huang he; cantonense jyutping: wong4 ho4) e o rio Yangtze- Chang jiang 长江 (mandarim pinyin: cháng jiang; cantonense jyutping: zoeng2 gong1), é contudo o segundo em caudal.
(4) Em relação à peste “Constata-se que, ao passo que em Hong Kong, a duração do período epidémico atinge em quási tôdas as recrudescência 6 a 7 meses, com casos esporádicos durante todo o ano, em Macau êste período atinge raras vezes 4 meses, decorrendo o seu período inter-epidémico na mais completa acalmia, o que faz crer na existência de condições naturais, climáticas ou outras e que se mostram eminentemente desfavoráveis à persistência do morbo ou à sua difusão. Constata-se também, que ao passo que em Hong Kong, apesar de persistentes e enérgicas medidas empregadas em debelar a peste, só ainda há bem pouco tempo, em 1923, se vê livre da endemia, Macau comparticipando em um agrande parte das mesmas condições nosológicas e mantendo com essa colónia uma comunicação por assim dizer permanente, não regista, desde 1915 um só caso de peste, causando êste facto a admiração das próprias autoridades sanitárias da colónia vizinha
COSTA, Peregrino da  –Epidemiologia de Macau in Anuário de Macau, 1927.