Archives for posts with tag: José Ferreira de Castro (1898-1974)

Fotografia da capa – Ferreira de Castro na Porta do Cerco

Livro de 1998, com o título “Macau e a China”, (1) uma edição especial bilingue (em português e em chinês) da Câmara Municipal das Ilhas (por ocasião das comemorações do Dia das Ilhas) contendo parte do relato de viagem que o escritor Ferreira da Castro (2) efectuou entre 1939 e 1944 com a sua mulher, Elena Muriel, nomeadamente a passagem por Macau e China, publicada no Capítulo “China” do seu livro de viagem “ Volta ao Mundo” (nas pp 467 – 522. (3)
Com um pequeno prefácio (p. 5) de Joaquim Ribeiro Madeira de Carvalho (então Presidente da Câmara Municipal das Ilhas) e introdução/nota bibliográfica de Ricardo António Alves intitulada «Ferreira de Castro na “Cidade de Lilipute”».
A propósito de uma foto do escritor na Gruta de Camões (p. 13), escreve Ferreira de Castro: (pp. 36-37)
“Atravessamos os bairros novos e subimos a outra colina, a de Camões. No seu glauco sopé fecha-se um vetusto cemitério protestante, com as suas marmóreas sepulturas em forma de caixas quadrilongas. Nestas velhas tumbas encontram-se alguns dos primeiros europeus que morreram no Extremo-Oriente, sobretudo alguns magnates ingleses da famigerada Companhia das Índias, senhores que foram de milhentas traficâncias e de fabulosas riquezas, agora em repouso e olvido entre as bravas ervas que crescem em derredor de seus mausoléus. Poetas, missionários, nautas britânicos e esbeltas loiras de Albion dormem também, sob o sol da Ásia, na vizinhança dos feros homens que só o oiro adoravam. Uma indiscrição, um lagarto sobre as letras já a desvanecerem-se e o silêncio que vai dum extremo a outro do cemitério, como presença inexorável.
Mais acima da necrópole, topa-se um pequeno museu e, depois, entramos nas verdes sendas da colina de Camões. É um admirável parque, cheio de amáveis recantos, de árvores seculares, de flores, de chineses que meditam sobre os bancos, de pares que buscam as sombras e de crianças que brincam nas clareiras. Situado junto ao porto interior, o outeiro oferece belas perspectivas sobre os juncos ancorados, a Ilha Verde, no flanco da península, e as distantes montanhas de Chung-Shan. A única coisa feia é , justamente, a gruta onde o épico teria escrito parte dos “Lusíadas”. Dois penedos verticais, sobre eles um penedo horizontal, eis o sítio que se julga eleito por Camões para nele trabalhar. Sugestivo seria, sem dúvida, o lugar no tempo em que o poeta desempenhou, talvez, em Macau, o burocrático ofício de “Provedor dos defuntos e ausentes”..Mas, hoje, com um pobre busto de Camões entre as rochas e várias lápides portugueses e chinas em derredor, o que houve, aqui, de rude, de beleza selvagem, transformou-se numa espécie de fruste necrópole. “

Macau – A Gruta de Camões onde o poeta teria escrito parte de «Os Lusiadas»
Legenda e foto da p. 482 do livro “A Volta ao Mundo” (3)

(1) CASTRO, Ferreira de – Macau e a China. Câmara Municipal das Ilhas. Direcção da edição: António Aresta e Celina Veiga de Oliveira, 1998,115 p. ISBN972-8279-23-X (Versão Portuguesa)

Capa + contracapa

(2) Na contra-capa do livro: “No Romance português há um antes e um depois de Ferreira de Castro (1898-1974). Este escritor autodidacta, de origens camponesas humildes, nascido no litoral centro de Portugal, emigrado aos doze anos incompletos, em plena Amazónia (1911-1914) e, depois como afixador de cartazes, marinheiro e, por fim, jornalista em Belém (1914-1919), capital do estado brasileiro do Pará, em cuja biblioteca leu avidamente Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, Balzac e Zola, Nietzsche e Gorki; o literato que após o regresso ao seu país continuou no jornalismo, apenas como meio de sustento que lhe possibilitasse escrever os seus primeiros livros; o jovem Ferreira de Castro, aos trinta anos, com o livro Emigrantes (1928), mudou o rumo da ficção narrativa portuguesa, passando a ser uma das figuras de proa – ou a figura de proa – entre os finais dos anos vinte e a primeira metade da década de cinquenta” (Ricardo António Alves)
(3) CASTRO, Ferreira de – A Volta ao Mundo. Emprêsa Nacional de Publicidade, 1944, 678 p.
Anteriores referências a este escritor em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/01/05/leitura-a-volta-ao-mundo-ferreira-de-castro/

“Queremos ir a Macau.
Previnem-nos, porém, de que não poderemos fazer sem nos vacinarmos contra a cólera e quedarmos seis dias em Hong Kong, à espera dos resultados. O director geral da Sanidade, médico inglês, isenta-nos, amavelmente, do segundo dever. Êle próprio nos dá a injecção.

A VOLTA AO MUNDO - Vista parcial de MacauMACAU – Outra vista parcial desta colónia portuguesa no Extremo-Oriente

E, enquanto pica o nosso braço, vai contanto:
– A maioria dos chineses não gosta de tomar injecções. Por isso, quando se criou a vacina obrigatória, aqueles que tinham dinheiro pagavam aos mais pobres para se vacinar por eles e tirarem, em seu nome, um certificado. Na sua ignorância, alguns chegaram a tomar vinte e trinta injecções contra a cólera em menos de um mês e, naturalmente, morreram por esta nova e rendosa profissão. A morte acabava com os profissionais, mas deixava os amadores, que tomavam apenas duas ou três injecções, a trôco de outros tantos dólares. Entretanto, muitos dos que pagavam adquiriam a cólera e propagavam-na. Foi, por isso, que tornamos obrigatória uma fotografia em cada atestado …
O médico passa algodão com álcool sobre o nosso braço e pregunta:
– Gosta de saladas, dessas sas saladas frescas, que neste calor de inferno em que vivemos agradam tanto aos olhos  e ao paladar? Não as coma! Gosta de frutos, desses belos frutos que vêm da Califórnia e da própria China e que, comidos aqui, parecem mais saborosos do que em qualquer outra parte do Mundo? Não os coma também! Não coma nada cru enquanto andar no Oriente. Nessas atraentes formas e côres vegetais oculta-se a Morte. Faça como eu. Deixo tudo isso quando voltar à Europa … se conseguir voltar!
O médico introduz o certificado num sobrescrito de «His Majesty´Service» e entrega-no-lo:
– E o senhor não imagina como eu gosto de saladas e de frutas! (1)

(1) CASTRO, Ferreira de – A Volta ao Mundo. Emprêsa Nacional de Publicidade, 1944, 678 p.
Referência a este livro e ao escritor que esteve em Macau na sua viagem à volta ao mundo, em 1940, durante a Guerra do Pacífico.
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jose-ferreira-de-castro/

Pequeno trecho de Ferreira de Castro (1), retirado do livro “A Volta ao Mundo” (2), e inserido no livro de leitura do 2.º ano dos liceus: “Selecta de Língua e História Pátria” (3), pp. 140-141.

Para a História de Macau Ferreira de Castro IO passado de Macau, é, todo ele, uma fantasia histórica de piratas.
Um dia, há mais de quatrocentos anos, andavam os juncos pescando como hoje, surgiram, entre as ilhas, umas embarcações que também erguiam castelo à popa e ostentavam a cruz de Cristo sobre o velame enfunado. Elas deviam, como esses barcos que têm pintados, na proa, olhos de peixe, navegar cautelosamente, olhando a um lado e outro o mar e a terra desconhecidos. Eram os primeiros europeus que atingiam a China depois de Marco Pólo. Os piratas tomaram as naus por juncos de outros piratas, vindos de muito longe. E, por solidariedade de profissão ou por temerem  luta com quem se fazia acompanhar de bombardas, deixaram-nos transitar. Os portugueses instalaram-se perto daqui, na ilha de San- Choan, onde devia morrer, mais tarde, S. Francisco Xavier. Com o tempo, outros lusitanos foram chegando, descobrindo as redondezas e remontando o próximo rio Pérola até Cantão. Os lusos vinham pelas riquezas da China e por espírito de revelação; e os piratas, esmoendo o caso, mudaram de atitude e desataram a guerreá-los, considerando-os rivais. Os homens dos juncos, hábeis em todas as abordagens, não se lançavam apenas contra os portuguese, mas também contra os próprios mandarins de Cantão. Dominando inteiramente estes sítios, eles eram senhores de todos os acessos à China do Sul. Então os ricos magnates chinos pediram aos portugueses auxílio para exterminar o inimigo comum. Tumba, tumba, três anos durou a luta, até que os juncos largaram à procura de abrigo em ilhas mais seguras. Por gratidão ao auxílio recebido, o imperador da China decidiu, nesse momento, brindar aos portugueses posse e vida livre duma minúscula península, onde, durante muito tempo, se haviam acoitado os salteadores marítimos. E foi assim que a Cidade do Nome de Deus de Macau veio a ser de Portugal”

Para a História de Macau Ferreira de Castro IIFoto inserido na p. 141 do livro com a legenda “Uma rua de Macau. Foto do S.N.I.”

 Trata-se da  Avenida Almeida Ribeiro

(1) José Maria Ferreira de Castro (1898 —1974) foi um escritor português, que aos doze anos de idade emigrou para o Brasil, onde viria a publicar o seu primeiro romance “Criminoso por ambição“, em 1916. Durante quatro anos viveu no seringal Paraíso, em plena selva amazónica, junto à margem do rio Madeira. Depois de partir do seringal Paraíso, viveu em precárias condições, tendo de recorrer a trabalhos como, colar cartazes, embarcadiço em navios do Amazonas etc.
Mais tarde, em Portugal, foi redactor do jornal O Século e director do jornal O Diabo. Publicado pela primeira vez em 1930, A Selva talvez seja a obra mais importante do autor.
Emigrante, homem do jornalismo, mas sobretudo ficcionista, é hoje em dia, ainda, um dos autores com maior obra traduzida em todo o mundo, podendo-se incluir a sua obra na categoria de literatura universal moderna, precursora do neo-realismo, de escrita caracteristicamente identificada com a intervenção social e ideológica.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_de_Castro 
(2) “A Volta ao Mundo” foi escrita entre 1940 a 1944 e relata as viagens (iniciada em 1939) que realizou, na companhia de sua mulher.
(3) PAULA, Beatriz Mendes; GOUVEIA, Maria Alice – Meu Portugal, Minha Terra. Empresa Literária Fluminense, Lda, Lisboa, sem data (na contra-capa tem a indicação de «Aprovado oficialmente como livro único – Diário do Governo, n.º 46 – 2.ª série, de 24 de Fevereiro de 1963»)