Archives for posts with tag: Jorge Arrimar

Junto à entrada está o deus-porteiro
Que não deixa entrar diabos e ladrões,
E àquela que abra e saia dos portões
Assegura que volte são e inteiro

Na sala está o buda folgazão
Enchendo a casa de luz da alegria
E p´ra que nunca falte arroz do dia
Na cozinha está o deus do fogão.

Fotografia tirada na Rua do Matapau em Maio de 2017

Trabalha o patrão numa grande mesa
E entre ábacos e livros aos montões,
Majestoso se ergue o deus da riqueza.

Na alcova está a deusa das paixões
Para dar ao casal toda a certeza
De dar ao seu lar novas gerações.

Leonel Alves (1) (2)

(1) In “Antologia de Poetas de Macau”, selecção e organização de Jorge Arrimar e Yao Jingming, 1999, p.81.
(2) Ver anterior referencia a este poeta em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/leonel-alves/

Cabelos que se tornam sempre escuros,
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.

Mentalidade mista. Tem dextreza
No manejo de objectos não pesados,
Tem gosto por Pop Songs mas ouve fados;
Coração chinês e alma portuguesa.

Casa com a chinesa por instinto,
Vive de arroz e come bacalhau,
Bebe café, não chá e vinho tinto.

É muito bondoso quando não é mau,
Por interesse escolhe o seu recinto
Eis o autêntico filho de Macau

Leonel Alves
in ” Por Caminhos Solidários”  (1)

(1) in  p. 153 de REIS, João C. – Trovas Macaenses, 1992.
João Reis refere na biografia do poeta: “Deixa a ideia de ter chegado à poesia tarde na vida – havendo nos seus trabalhos passagens de saudosa evocação,  e de expressiva inspiração
NOTA: “Nasceu em Macau a 27 de Janeiro de 1921 e aqui faleceu a 10 de Outubro de 1982. Funcionário dos Serviços de Saúde. Colaborou em vários jornais de Macau com poesia e charadas. Frequentou o Liceu, tendo ganho o 1.º prémio de poesia num dos muitos concursos literários promovidos pelo professor Lara Reis. Em edição póstuma foi dado à estampa um livro que reuniu a sua poesia intitulado “Por Caminhos Solitários” (Macau, edição de autor, 1983, 113 p.) in Antologia de Poeta de Macau – sel. e org. Jorge Arrimar e Yao Jingming, 1999.
Aconselho leitura do artigo de António Aresta “Leonel Alves (pai)” no Jornal Tribuna de Macau de 2015:
http://jtm.com.mo/opiniao/leonel-alves-pai/

Ventoinhas carcomidas
                mancham o ar
com o odor mole
                de ovas cozidas
                restos de comidas
que o vento enjoado
                contraído e lento
deposita nas nossas narinas
                bocado a bocado
e o mar salgado
               e escuro
vai acariciando com a sua mão
o tapau onde o futuro
               se condimenta
com gotas de ilusão…

Jorge Arrimar (1)

Jorge Manuel de Abreu Arrimar (1953) foi director da Biblioteca Nacional de Macau de 1986 a 1998. Em  Macau publicou: “Murilaonde” (1990 -Poesia); “Fonte de Lilau” (1990 – Poesia); “A Biblioteca Central de Macau” (1992 – História e Bibliteconomia); “Secretos Sinais” (1992 – Poesia); “Confluências” (em parceria com Yao Jingming, 1997 – Poesia) e  “Antologia de Poetas de Macau” (organização e selecção, em parceria com Yao Jingming, 1999 – Poesia)

(1) ARRIMAR, Jorge –  Secretos Sinais. Instituto Cultural de Macau, 1992, 162 p. ISBN- 35-0129-5

NOTA: o termo TA PAU (  – mandarim pinyin: dá pao; cantonense jyutping: daa1 baau1), em cantonense significa embrulhar, empacotar , no sentido de “levar a comida para casa” (“take-away“)

CHINNERY - Sampana 145George Chinnery – Sampana (1834)

 Errante
          ando no porto
de um interior
          com sampanas
navegando
          silenciosas
figuras de porcelana

Jorge Arrimar (1)

CALENDÁRIO - SampanaSampana no Porto Exterior

… quando o Hotel Excelsior estava à beira mar (1983) (2)

(1) ARRIMAR, Jorge –  Secretos Sinais. Instituto Cultural de Macau, 1992, 162 p. ISBN- 35-0129-5
(2) Ver anterior :
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/08/31/caixas-de-fosforos-hotel-excelsior-hotel-mandarin-oriental/

.

Os raios solares decorando a cidadezinha no Outono
Mesmo as ruelas partilham da sombra do sol
A trepadeira verde sobe janelas desbotadas
e as aldrabas da porta ferrugenta fecham o silêncio

O farol habituou-se ao vento, à chuva, ao dia claro ou nublado
Mas os viajantes já se despediram das águas
do Outono e da vastidão do céu
As caras familiares desapareceram pouco a pouco
Em todas as ruas apenas olhos estranhos

Eu deixo repousar a saudade nas acácias
e aguardo secretamente que Maio floresça rubro
O luar do Outono brilha sobre as ruelas serpenteantes
que esperam o rumor do teu andar tão leve.

Wang Hao Han
Tradução de Yao Jingming (1)
                             Foto retirada de Macau Focus 1993

Wang Hao Han é o pseudónimo de Wang Yun Feng, nascido em Zhongshan (província de Guangdong), no ano de 1950
NOTA Sobre este poema, escreve Mônica Simas (2)
“Em relação à poesia chinesa, que consta da antologia de Arrimar e Yao, observo que os comentários a seguir só foram feitos graças à generosidade das traduções de Yao Jingming. Entre os poemas chineses, encontra-se uma teia que vai desde imagens sutis de aspectos da natureza, sugerindo a solidão de se viver numa cidade em meio a rostos estranhos, como em “Cidadezinha”, de Wang Hao Han … ”

(1) ARRIMAR, Jorge e YAO, Jingming (Selecção e organização). Antologia de Poetas de Macau. Instituto Camões/ Instituto Cultural de Macau/Instituto Português do Oriente, 1999, 313 p.,  ISBN 972-566-201-6 (IC)
(2) SIMAS, Mônica – Coordenadas Poéticas de uma China Especial in ZUNÁI – Revista de Poesia & Debates
http://www.revistazunai.com/ensaios/monica_simas_coordenadas_poeticas.htm

Pedi ao Farol da Guia,
Pra que a nau não naufragasse
Na noite que fôr o dia,
Que fosse luz e a guiasse

E pedi mais:
Que baloiçasse no ar
Os sinais
Do tufão que vai chegar,
Pra que ao abrigo do cais
A nau achasse lugar.

E o primeiro farol
De aviso à navegação
No mundo onde nasce o Sol,
Não me disse sim nem não.

Mas a âncora ancorada,
Como fanal de bonança
Entre os muros da esplanada,
Disse, sem me dizer nada:
– Tem esperança !

(7.3.86)
António Manuel Couto Viana

António Manuel Couto Viana (1923-2010), poeta, encenador, tradutor, contista, dramaturgo e ensaísta português (1). Viveu três anos em Macau (1986-1988)

Livros publicados com a temática «Macau»
No oriente do Oriente, Macau, 1987
Até ao longínquo China navegou. Macau: Instituto Cultural, 1991, 91 p. Colecção poetas de Macau
Não há outra mais Leal, 1991

Tem dois poemas incluídos na Antologia de Poetas de Macau – selecção  e org. Jorge Arrimar e Yao Jungming. Macau: Instituto Camões, Instituto Cultural de Macau, Instituto Português do Oriente, 1999, 313 p. ISBN 977-566-201-6 (IC)
Na pousada de Mong-Há: p. 97 (versão chinesa na p. 96) e
No templo de A-Má: pp 99 e 101 (versão chinesa nas pp. 98 e 100)

NOTA: este poema foi retirado da revista «NAM VAN» n.º 24, 1 de Maio de 1986. Edição do Gabinete de Comunicação Social do Governo de Macau, p.57
Sobre este autor recomenda-se a leitura de:
http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/documentos/vo_dossier_couto_viana_c.pdf
 
(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Manuel_Couto_Viana

Tens a alma cheia de ipomeas
E de acácias rubras
E de chagas de melancolia nos muros velhos

Teus longos braços novos de betão e vidro
Rompem a bruma matinal
Por sobre os restos da antiga beleza

                                  Fernanda Dias (1)

NOTA: Fernanda Dias residiu em Macau de 1986 até 2005 (2). Publicou os seguintes livros de poesia: “Horas de Papel” (1992), “Rio de Ehru” (1999), “Chá Verde” (2002) e “Poemas de uma Monografia de Macau” (2004) (3)

(1)  ARRIMAR. Jorge; YAO Jingming. Antologia de Poetas de Macau. Instituto Camões/Instituto Cultural de Macau/Instituto Português do Oriente, 1999, 313 p. ISBN 977-566-201-6 (IC)
(2)   Segundo entrevista à ” Macau Art”, terá regressado a Portugal em 2005
(3)   http://www.macauart.net/News/ContentP.asp?id=10131&region=L