«Visões da China» (1) é uma colectânea de artigos escritos por Jaime do Inso para jornais portugueses, brasileiros e macaenses entre 1926 e 1932 (2).
O aparecimento deste livro deve-se, em grande parte, a Wenceslau de Morais conforte consta do prefácio do autor (p.5):
“O aparecimento dêste livro deve-se, em grande parte, a Wenceslau de Morais.
O livro é, por assim dizer, uma continuação, um complemento do outro livro anterior – “O Caminho do Oriente” – e ambos pretendem constituir como um cenário de quadros reais, onde se procura desenhar o ambiente tão típico e único da nossa vida colonial, como é o de Macau.
No “Caminho do Oriente”, (3) começa-se a tomar contacto com o Oriente, particularmente com a China; neste livro, a convivência alarga-se, torna-se mais vasta e íntima, sem ser menos tentadora, talvez, mas nunca tão completa que esgote a matéria, porque à medida que as profundamos, mais cresce o abismo que nos rodeia. Quantos volumes eu pudesse escrever, não chegariam para o devassar: – «Duas mil páginas, dois milhões de páginas, também nada diriam, porque o assunto é enorme! … » …”
O livro tem cerca de 100 páginas (pp. 305 a 406) consagradas a Wenceslau de Morais, com o título de “O Exilado de Tokushima” e onde vêm transcritas algumas cartas suas (pp-361- 406).
As últimas 4 páginas são algumas apreciações surgidas na imprensa portuguesa (crítica literária) ao anterior livro do autor “O Caminho do Oriente”
XVI (pp. 265-267)
MA-KOK- MIU
“NAN-NING!
Ano Novo!
Estamos no Porto Interior de Macau.
Bandeiras desfraldadas, pendões vermelhos de caracteres indecifráveis, ondulam nos mastros, antenas e popas das lorchas que vêm recolhendo aos centos.
Ligeiras, bolinando que é uma maravilha, manobram airosas como garças, de popas altas, às dezenas, em espaços apertados, correndo a buscar o fundeadouro onde se alinham formando florestas arruadas, por onde circulam os vendilhões.
Os «tan-tans» soam estrídulos, roucos, contando ao vento, enquanto os «panchões» queimados espalham fumo e ruído de alegria no céu.
As mulheres acorrem, também, à manobra, os filhitos – os «sai-kós» – às costas, presos com panos vermelhos e bordados, como vermelhas são as bordas que topam os delgados mastaréus.
A paisagem, sob aqueles tons da China, com o vento a refrescar, todos os traços estranhos dêste quadro de um espantoso exotismo naval, são completados pelo recorte artístico e grave do templo famoso subindo em lanços pela encosta verdejante, que é o Pagode da Barra, ou «Ma-Kok-Miu».
Lá dentro, e por entre a ramaria, moram estranhas divindades mas, de todas elas, a mais querida pela gente do mar, é a deusa A-Ma que rem uma poética lenda.
Em tempos idos, um espírito bom precisou de vir à terra completar a purificação, e encarnou-se numa mulher que, um dia, pedia passagem a bordo de uns barcos a sair de Fo-Kien: – todos lha negaram excepto um, o mais pobre, que lha concedeu.
Sobreveio enorme temporal, e enquanto os outros todos naufragaram, aquele viu as rochas abrirem-se nas aguas para lhe darem passagem até que, livre de todos os perigos, abordou numa praia bonançosa onde a passageira indigente logo salta, e do cimo de umas pedras, com grande espanto da tripulação, é vista subir ao céu.
Fôra milagre!
No sítio onde ela abandonou este mundo de provações, lhe ergueram um templo onde a deusa se venera, – este templo é «Ma-Kok-Miu».
Por isso, ainda hoje, aquela gente simples como é a gente do mar, festeja ruidosamente, pelo ano novo china, a passagem dos barcos pelo Pagode da Barra.”
CONTRA-CAPA
Depositário: Livraria J. Rodrigues & C.ª 186-Rua Áurea-188, Lisboa
Referências anteriores a Jaime do Inso em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jaime-do-inso/
(1) INSO, Jaime do (Capitão-Tenente) – Visões da China. Edição do autor. Capa de Júlio Alves, 1933, 406 p. +1 p – erratas+ índice 4 p., 18,5 cm x 12 cm. Encardenação da época de lombada de pele e papel.
(2) O livro foi começado a compor em 17 de Dezembro de 1932 e terminou a impressão em 18 de Abril de 1933.
(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/02/17/leitura-o-caminho-do-oriente/