O mesmo acontecimento foi publicado por outro jornal do território
A paixão pelo cinema desde miúdo levou-me a ver, quando era possível e o dinheiro chegava, todo o tipo de cinematografia. E da minha avó herdei o gosto pelos “filmes de Hong Kong” predominantemente cantonense das décadas de 50 e 60 que passavam principalmente nos teatros que frequentava, “Oriental” e “Cheng Peng” (menos o “Alegria”).
E sem dúvida um dos ídolos deste cinema é (era) o actor LAM KA SING
Lembrei-me dele ao ter encontrado este recorte no meu dicionário escolar.
林家聲 – Lam Ka-Sing (aliás Lam Kar-Sing, Lam Ga-Sing)
Actor/cantor de ópera chinesa (cantonense, em Macau conhecido como “Auto China“)), Lam Ka-Sing nasceu em Hong Kong, em 1933 (nome de nascimento Lam Man Shun) e faleceu em Hong Kong a 5 de Agosto de 2015. Com a família foi para Guangzhou (Cantão) durante a ocupação japonesa de Hong Kong, na II Guerra Mundial. Aí estudou ópera cantonense (canto e representação). (1) Após a Guerra, regressou a Hong Kong continuando a aperfeiçoar-se. Iniciou a carreira de actor em cinema no filme “Prostituting to Raise the Orphan”, em 1947. Fez cerca de 301 (o último em 1967). Actuou em numerosas peças teatrais (formou a sua própria companhia de ópera cantonense – a última «tournée» em Hong Kong e Estados Unidos foi em 1993, tenho fixado a sua residência em Canadá após esta data). Regressou a Hong Kong em 2009. Em 2010 foi agraciado como Doutor Honorário pela «Hong Kong Academy for Performing Arts» e em 2012 recebeu a «Silver Bauhinia Star» (2)
Alguns actores/actrizes deste tipo de ópera chinesa, de Hong Kong, eram muito populares em Macau por isso actuavam neste território, em espectáculos no Teatro Cheng Peng ou (muitas vezes) em palcos improvisados e montados para as festas por exemplo (por mim presenciados) nas comemorações anuais do Templo de Deus da Terra (na Horta da Mitra – Cheok Chai In) (3) ou em espectáculos para angariação de fundos para associações ou auxílios aos pobres. (4)
O exemplo é esta fotografia tirada no Teatro Cheng Peng e publicada no Boletim Geral do Ultramar, em 1956, onde a «estrela» Hung Sin Nói (5) e o «galã» Iam Kim Fai (6) (actriz que fazia quase sempre o papel masculino, aliás muito vulgar na ópera cantonense) estavam em Macau, numa das suas digressões que as companhias de ópera chinesa (algumas exclusivamente de actrizes) faziam à China, e outros países com comunidades cantonenses.
(1) Ópera Cantonense (粵劇) é uma da óperas chinesas originária do Sudeste da China, na província de Guangdong , muito popular nesta província e em Guangxi nas comunidades chinesas de Hong Kong (onde tem uma escola superior desta arte), Macau e no sudeste asiático. É uma arte tradicional chinesa bastante complexa envolvendo música, canto, artes marciais, acrobacia e representação. Existe dois géneros principais da ópera cantonense: a MOU (武, “artes marciais”) focando os aspectos da guerra, com personagens guerreiras (generais e soldados), e envolvendo cenas/acções da guerra com armamento e armaduras; a MAN (文, mais clássica), envolvendo a cultura chinesa – poesia, literatura.
粵劇 – mandarim pīnyīn: yuè jù; cantonense jyutping: jyut6 kek6
(2) http://www.scmp.com/news/hong-kong/education-community/article/1846733/cantonese-opera-master-lam-ka-sing-dies-hong-kong
A Filmografia deste actor de 1947 a 1967 (301 filmes) em:
http://hkmdb.com/db/people/view.mhtml?id=1332&display_set=eng
(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/02/27/noticia-de-27-de-fevereiro-de-2017-tou-tei-o-deus-da-familia/
(4) Há descrições de palcos improvisados para a ópera chinesa por exemplo um que se “montou” nos terrenos das corridas de cavalos (actual, canídromo) entre 1935-1942 e que colapsou ao fim de 5 dias. O Teatro chinês “Cheng Peng” (7) durante a guerra no Pacífico tinha frequentemente ópera chinesa com os artistas de Hong Kong e Guangdong fugidos da ocupação japonesa. Consta-se que os melhores cantores eram bem pagos (para aquele período) e a mais conhecida Tam Lan Hing –譚蘭卿 (8) que chegou a Macau em 1942 (e diziam as más línguas de Macau que “engordou” no período da guerra) ganhava “um tael de ouro por um dia de actuação”
https://en.wikipedia.org/wiki/Yam_Kim-fai
Hung Sin Nui em 1956 no filme “The Peach-Blossoms Are Still in Bloom”
(5) Hung Sin Nui 紅線女 (1924-2013) aliás Hong Sin-loi, Hong Xian-nu – uma das grandes estrelas da ópera cantonense e actriz de cinema na China e Hong Kong (106 filmes)
Filmografia e biografia em
http://www.hkmdb.com/db/people/view.mhtml?id=1365&display_set=eng
(6) Yam Kim Fai 任劍輝 – Ren Jianhui (1913-1989) actriz /cantora da chamada nova ópera cantonense. Filmes desde 1937 a 1968 num total de 300 filmes onde na maioria actuou em papéis masculinos.
Filmografia e biografia em:
http://www.hkmdb.com/db/people/view.mhtml?id=499&display_set=eng
(7) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2011/12/28/cinemas-de-macau-i/
(8) 譚蘭卿 Tam Lan Hing aliás Tam Shui-Fan (1908 – 1981)
Filmografia (1935-1969 – 187 filmes) e biografia em:
http://hkmdb.com/db/people/view.mhtml?id=133&display_set=eng
“Muitos dos sítios de Macau já não são conhecidos pelos seus nomes primitivos pois desusaram-se com a transformação da sua fisionomia original, outros, não obstante as alterações impostas, por não se sabe quão voluntariosos edis, capricham em reter, pelo menos, em chinês, as designações por que primitivamente foram baptizados pelo vulgo.
Assim, há um trecho da cidade que ainda é conhecido pelos chineses com o nome de Tchèok-Tchâi-Un (雀子園) (1), um local hoje dos mais populosos e sobrecarregado de casas encostadas uma às outras e separadas por uma apertada rede de ruas. Entre nós, é este sítio conhecido por Horta da Mitra e abrangia todo o terreno que ia desde a antiga rua de Pák-T´âu- Kâi (白頭街)(2) (Rua Nova dos Cabeças-Brancas, isto é, dos Parses), actualmente denominada de Rua Nova-à-Guia, até ao Ho-Lán-Un (荷蘭園) (3) (Jardim dos Holandeses), ou seja o bairro Uó-Lông ( 和隆) (4), sendo limitado ao norte pela Calçada do Gaio, na altura por onde passava a muralha que noutros tempos cercava a antiga cidade. Todo este terreno foi outrora ocupado por uma extensa e densa mata e, como há trezentos anos a cidade era ainda pouco povoada, no intuito de se fomentar o seu desenvolvimento populacional, foi permitido a um grupo de emigrantes chineses de apelidos Mâk (麥) (5), Tch´iu (招) (6)e Léong (梁) (7) estabelecerem-se ali. Este minúsculo núcleo inicial conseguiu transformar, com o tempo, o local numa aldeiazinha e os seus componentes viviam da venda da lenha que podavam na mata e cujas altas e frondosa árvores que a cercavam estavam sempre cobertas de pássaros que alegravam o bosquete com a chilreada, dando ao sítio um aspecto de parque. Foi pois este motivo que os chineses deram ao local o nome de Tchèok-Tchâi-Un que quer dizer “Jardim de Passarinhos” .(8)
(1) 雀子園 – pinyin: qué zi yuán; cantonense jyutping: zoek 3 zi2 jyun4
(2) 白頭街 – pinyin: hé lán yuán; cantonense jyutping: ho4 laan4 jyun4
(3) 荷蘭園 – pinyin: hé lán yuán; cantonense jyutping: ho4 laan4 jyun4
(4) 和隆 – pinyin: huó lóng; cantonense jyutping: wo4 lung4
(5) 麥 – pinyin: mài; cantonense jyutping: maak6
(6) 招 – pinyin: zhao; cantonense jyutping: ziu1
(7) 梁 – pinyin: liáng; cantonense jyutping: loeng4
(8) GOMES, Luís Gonzaga – Curiosidades de Macau Antiga. Instituto Cultural de Macau, 2.ª edição, 1996, 184 p., ISBN-972-35-0220-8
NOTA: Sobre a muralha que noutros tempos cercava a antiga cidade, pode-se ver, actualmente parte dela protegida, após abertura de uma entrada para Colégio de Santa Rosa de Lima, pela Rua Nova à Guia.