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Conferência de Hernâni Anjos, (1) intitulada “Grandeza e Servidões de Macau Moderna”, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 17 de Março de 1952, cujo texto foi posteriormente publicado na revista «Mosaico» (2)

Esta conferência teve a participação, a convite do autor, do poeta Álvaro Leitão (também regressado de Macau) que aceitou ilustrar o trabalho com a recitação dalguns poemas seus sobre Macau e a leitura doutros poemas sobre o mesmo assunto, mas não da sua autoria. E assim ouvido, pela boca de Álvaro Leitão, (3) a declamação dos seus poemas “Romance de ver chegar” que é afinal o “próprio romance da chegada a Macau de todos os refugiados que já por tradição conhecem o seu ilimitado altruísmo” (pp. 91-92), o soneto “Seio da Paz” (p. 93), e “Romance do contrabandista morto” (p. 103).

Álvaro Leitão leu “Visão de Macau, de Sebastião Marques Pinto (p. 97) (3) e “Noite Cadente” de Pimentel Bastos (p. 98) (4)

Um pequeno extracto da conferência: “… É certo que eles (chineses) ainda hoje nos chamam “sai-ièong-quai” (diabos estrangeiros), mas esses pequenos “mimos” não são mais do que inofensivos e ingénuas résteas duma tradição secular, hoje já sem sentido e significado algum. Assim mo garantiu, em termos cuja sinceridade não deixava dúvidas, uma senhora da melhor sociedade chinesa que um dia convidei para dançar. A orquestra tina ensaiado os primeiros acordes do Danúbio Azul. E eu, que muito aprecio a dança e s dançarinas chinesas, que o sabem ser como as melhores, logo convidei a aludida senhora para dançar comigo. Ou por usar a saia da cabaia muito travadinha ou porque não morresse pela valsa, a gentil senhora sorriu, ergueu-se da cadeira onde estava sentada mas, ao encaminhar-se para mim, não pode deixar de virar a cabeça para o lado onde estava uma sua amiga e fazer o seguinte comentário, em chinês é claro, mas sem lhe passar pela cabecinha que eu a estava percebendo: – Estes “sai-ièong-quai” (diabos do ocidente) muito gostam de dançar a valsa! Eu cá não gosto disto!

Eu fiz de conta que não percebera. A senhora tinha-me sido apresentada, momentos antes e, pobre dela, nem sonhara tão pouco como havia sido inconveniente. Começámos então a dançar, mudos, até que ela, cujo forte não era precisamente a valsa me preguntou em inglês: – Então, gosta de viver em Macau? E eu, logo a seguir, mas em chinês: – Muito! Macau é uma terra muito bonita!

Não posso descrever a reacção da senhora, por duas razões: em primeiro lugar porque não estava olhando bem para ela; e em segundo lugar porque, ainda que a estivesse vendo bem de frente, o resultado devia ser o mesmo porque ela, como boa chinesa que era, devia ter ficado fisionomicamente imperturbável. Não responde nada e parecia ter amuado. Mão não. No fundo era uma sentimental, uma criaturinha muito simpática e muito alegre. E no meio de mútua risota e alegria, daí a segundos logo eu declarava que tinha perfeitamente percebido o seu aparte para a sua amiga, com que ela muito riu, mas que só não percebia – acrescentei eu porque é que os chineses ainda nos haviam de chamar “sai-ièong-quai” e “fá-quai” . Foi então que ela me assegurou, o mais seriamente possível, que esse tratamento não passava já modernamente duma simples tradição, um hábito disparatado, sem qualquer significado especial. (…)  (pp. 95-96)

O autor terminou a conferência com a declamação do seu soneto “Gota de Água” que o mesmo escreveu ainda em Macau e com que dela publicamente se despediu aos microfones da Rádio Clube de Macau (p. 107).

NOTA: os autores citados (tenente Hernâni Anjos, alferes Sebastião Marques Pinto, tenente Álvaro Leitão e capitão Manuel Maria Pimentel Bastos)  foram militares oficiais (expedicionários) que estiveram em Macau nos princípios da década de 50 e sócios fundadores da revista «Mosaico» (6),

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hernani-anjos/

(2) «Mosaico», V-27/28, Novembro/Dezembro de 1952, pp.85-107

(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/alvaro-leitao/

(4) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/sebastiao-marques-pinto/

(5) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/manuel-m-pimentel-bastos/

(6) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/01/29/leitura-revista-mosaico-primeiro-numero-em-setembro-de-1950/

Extraído de BGC XXVI-305, 1950

Realizou o «Círculo Cultural de Macau», (1) no dia 16 de Setembro de 1950, no Teatro D. Pedro V, uma conferência-recital, integrada no seu plano de conferência para a 1.ª temporada.

Um aspecto da assistência

Dado que se tratava do primeiro espectáculo apresentado pelo Círculo, Pimentel Bastos, Vice-Presidente deste organismo disse algumas palavras de introdução sobre os artistas que actuaram nessa noite referindo-se em traços rápidos às actividades culturais do Círculo e aos principais acontecimentos da sua fundação.

Hernâni Anjos lendo a sua conferência

Hernâni Anjos iniciou, seguidamente, a leitura da sua conferência, versando o tema “Afinidades Transitórias: do Simbolismo Português – Camilo Pessanha – ao Romantismo Alemão, Henrique Heine (Estudo Retrospectivo)”

Álvaro Leitão declamando poesias de Camilo Pessanha

Álvaro Leitão declamou alguns sonetos de Camilo Pessanha.

Maria Gomes interpretando “lieder” de Schumann

Fechando o programa, a cantora D. Maria Margarida Gomes interpretou alguns “lieder” de Schumann com letra de H. Heine.
Informações retiradas de «MOSAICO» VOL I- n.º 2 Outubro de 1950.
Fotos de Chun Kwong

O conhecido pintor chinês, Pao Sio Lao, promoveu no Hotel Riviera , de 28 a 31 de Outubro de 1950, uma exposição dos seus quadros, cuja inauguração foi feita pelo governador, Comandante Albano de Oliveira.
O renome deste artista, fundador e director do Colégio das Belas Artes de Hong Kong, foi atractivo bastante para a exposição, que esteve largamente concorrida, sobretudo por nela se encontrarem trabalhos de arte chinesa e europeia. – H. A.” (1)
(1) Extraído do artigo de Hernâni Anjos e fotos de Chun Kwong publicados em «MOSAICO», I-3, 1950.

Na noite de 11 de Outubro de 1950, no Teatro D. Pedro V, incluído no Ciclo de Concertos da cantora macaense Maria Margarida Gomes, (1) o Círculo Cultural de Macau (C. C. M.) organizou o segundo recital, (2) este dedicado a Schubert. (3) Colaborou neste concerto a pianista Maria Amália de Carvalho e Rego (4) que, pela primeira vez tomou parte de um programa do Círculo Cultural de Macau.
O programa foi dividido em 4 grupos de 3 “lieder”, sendo estes escolhidos com a intenção de mostrar a evolução sentimental do Autor, desde a época das ingénuas composições de sabor lírico até ao tempo das obras dramáticas, revelando as suas desilusões e o seu sentido da proximidade do fim.
No intervalo de cada um dos grupos de “lieder”, Luís Gonzaga Gomes, chefe da secção musical do C. C. M. proferiu alguns comentários técnicos e biográficos sobre Schubert e a sua obra, que revelaram profundos conhecimentos de musicista e uma facilidade de expressão digna de relevo.” (5)
Este acontecimento cultural foi também noticiado no «Boletim Geral das Colónias» (6) acompanhado com duas fotos.
(1) Maria Margarida de Alacqoque Gomes, irmã de Luis Gonzaga Gomes, estudou canto e piano no «Trinity College» de Londres e é autora do livro «A Cozinha Macaense» (7)
(2) O primeiro recital foi realizado no dia 16 de Setembro de 1950 aquando da primeira apresentação pública do Circulo Cultural de Macau (após a tomada de posse no dia 1 de Setembro dos Corpos Gerentes dos fundadores do Círculo Cultural). Nesta apresentação também realizada no Teatro D. Pedro V, constava de uma conferência de Hernâni Anjos sob o tema: “Afinidades Transitórias: do simbolismo português – Camilo Pessanha – ao Romantismo alemão – Henrique Heine (estudo retrospectivo” e de um recital dedicado a “Schumann” cantada por Maria Gomes.
(3) Franz Schubert por Wilhelm August Rieder,
Óleo pintura, após aguarela em 1875.
Franz Peter Schuber (1797-1828) , compositor austríaco do fim da era clássica, escreveu cerca de seiscentas canções (o “lied” alemão) bem como óperas, sinfonias, e sonatas.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Schubert
(4)Maria Amália de Carvalho e Rego, “pianista sobejamente conhecida e apreciada pelo público de Macau e Hong Kong, onde tem actuado várias vezes, sempre com geral agrado “ (segundo a mesma revista) (5), é filha de Francisco Ernesto Palmeira de Carvalho e Rego, já citado em anteriores postagens (8)
(5) Extraído de «Mosaico», I-3, 1950.
(6) Extraído de «BGC» XXVI–306, 1950.
(7) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/maria-margarida-gomes/
(8) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/francisco-de-carvalho-e-rego/

Livro de Henrique Manuel Vizeu Pinheiro com o título “INSPIRAÇÕES”, de 1950
Pequeno opúsculo (83 páginas) contendo pequenas reflexões, pensamentos, meditações, breves crónicas, apontamentos, etc., num total de 43 escritos, colectados desde “Patriotismo” (escrito a bordo do “Empress of Canada”) de Abril de 1923, até “Envelhecido” de Agosto de 1950.
O prefácio é de Hernâni Anjos: (2)
“… O autor não o diz nem talvez espera que lho digam mês, decerto, compreenderá que eu lho observe: o seu opúsculo, mais do que uma colectânea de breves crónicas, surge-me, a princípio, como um aliciante salão, vazio de materialismo mas repleto de profunda espiritualidade, em cujas alvas paredes o autor tivesse ido pendurando, pela vida fora, os quadros pessoais, muito pessoais, que dessa mesma vida e através dela foi pintando…..”

MEDITANDO

Quando ao nosso redor deparamos com objectos que foram pertença de entes queridos que já não podem voltar, avivamos, na retina, essas imagens que o Tempo tende a apagar! Mas o Tempo, contrariado na sua acção demolidora, longe de perdoar … leva-nos também, para junto desses queridos que já dormem no Além!
São aqueles pequenos nadas da vida, que, por vezes, a levam de fugida!

Macau, Junho de 1950

NOTA: A única referência que consegui obter referente a este autor, além da apontada em (2) , é a seguinte:
15-08-1917 – Processo n.º 508 – Série P – Indemnização concedida ao 1.º oficial de Fazenda, Henrique Manuel Vizeu Pinheiro, da quantia de esc. 17$12, relativa à diferença entre o custo da passagem, via terrestre, de Barcelona a Lisboa e a quantia que lhe fora abonada para a compra da referida passagem”. Boletim do Arquivo Histórico de Macau, Tomo I – Jan/Jun 1985.
(1) PINHEIRO, H. M. Vizeu – Inspirações. Impresso na Imprensa Nacional, Macau em 1950, 83 p., 19 cm x 14,5 cm.
(2) Hernâni Anjos dedicou na revista «Mosaico» de 1951, o soneto “Rossio” a Henrique M. Vizeu Pinheiro. Ver em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/07/27/salve-macau-seis-sonetos-de-hernani-anjos-vi/ 

NOTA: A Direcção do «Rádio Clube de Macau, nesse ano de 1950, era presidido pelo Primeiro-tenente António Eduardo Lopes Marques.
Outros membros da Direcção:
Vice-presidente – Dr. Cassiano Carlos de Castro Fonseca
Secretário – António Ferreira Batalha
Tesoureiro – Mário de Barros Pereira
Vogais – Francisco Xavier Freire Garcia e Ho Yin
Membros da Assembleia Geral:
Presidente – Padre António Maria de Morais Sarmento
Vice-presidente – Dr. Alberto Pacheco Jorge
Vogais – Loc Tin Meng e José Maria Braga.
Membros do Conselho Fiscal:
Presidente – Francisco Xavier Monteiro
Vogais – Tenente Hernâni Anjos e José Maria de Sena Fernandes.
Extraído de BGC, XXVI – 297, Março de 1950.

O último dos seis sonetos que Hernâni Anjos  publicou na revista «Mosaico», n.º 6, de 1951. (1) Este soneto com o tema “Rossio” é dedicado a Henrique Manuel Vizeu Pinheiro e José Afonso.
MOSAICO I-6 FEV 1951 SALVE MACAU (VI José Afonso(1) Ver anteriores sonetos em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hernani-anjos/

MOSAICO I-6 FEV 1951 SALVE MACAU (IV) Jaime Robarts

A Jaime Robarts (1)
e
Luís G. Gomes (2)

Ao sol do estio, adusto e irisado,
É vê-las tão soberbas de elegância –
Polícromas cabaias que, à distância,
Sugerem-me um jardim jamais sonhado.

Depois, mais perto, aspira-se a fragrância
Da flor-mulher – oh cândido pecado !
E aí começa. aí esse endoidado
Desejo de a colher, inútil ânsia ….

A flor é esquiva, tímida, mimosa,
Bela, desdenha até a própria rosa,
E entre os lótus reais refulge ainda ….

Flor tornada mulher – obra divina ! –
Mulher tornada flor, áurea neblina
Que doira os céus do amor e é sempre linda!

Hernâni Anjos

Ver anteriores sonetos em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hernani-anjos/

(1) Jaime Robarts  entrou para a Imprensa Nacional como compositor de terceira classe do Quadro a 19 de Julho de 1922, subindo na carreira até chegar a Administrador em 1954, aquando da inauguração do novo edifício a 28 de Janeiro de 1954.
Ver em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/01/28/noticias-de-28-de-janeiro-de-1954-inuagura-cao-do-edificio-da-imprensa-nacional/)
(2) Referências anteriores a Luís Gonzaga Gomes em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/luis-gonzaga-gomes/ 

MOSAICO I-6 FEV 1951 SALVE MACAU (IV) José Silveira MachadoA José Silveira Machado
e
José dos Santos Ferreira

Junto ao palácio dum chinês ricaço
O miserável cule e o jerinxá (1)
O rico vai tomar o iâm-chá (2)
Graças ao pobre de potente braço.

Chegam ao restaurante em tempo escasso
Que o animal é forte e espera já
O câm-sé (3) que o senhor não deixará
De lhe dar, como prémio ao seu bom passo. (4)

E enquanto o pobre fica a avaliar
O óbulo de há tanto ambicionado
O rico pede o chá que pouco tarda …

… Mas o cule também quer petiscar:
Entra e senta-se então na mesa ao lado,
Toma o jornal, pede os a-cau (5) e aguarda …
                                                                      Hernâni Anjos

As referências seguintes são notas do próprio autor:
(1) Pequeno carro de duas rodas e dois varais, de tracção humana
(2) Deliciosa e curta refeição chinesa
(3) Gorjeta
(4) “Passo” tem aqui acepção de “andamento”
(5) Aperitivo feitos a base de camarão
Ver anteriores sonetos em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hernani-anjos/
Referências anteriores a José Silveira Machado e José dos Santos Ferreira em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jose-silveira-machado/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jose-dos-santos-ferreira/

MOSAICO I-6 FEV 1951 SALVE MACAU (III) - Ao Manuel BastosA Manuel Pimentel Bastos (1)
e
Sebastião Marques Pinto  (2)

Deixai falar em Paz quem só na Guerra
Cogita e crê: – a Paz é o seu mito,
O seu pretexto ignóbil e precito
Que nada mais do que torpeza encerra.

A paz está aqui, na calma terra
Que Portugal, numa ânsia de Infinito,
Veio habitar neste Paiz bendito,
Hoje amaldiçoado pela guerra!

E eu quero ver onde há, no tempo hodierno,
Virtude igual à que em Macau contemplo:
Um microcosmo em paz no meio do inferno …

Se o mundo a inveja, o mundo que a observe,
E tome p´ra si mesmo o seu exemplo,
Pois se el´ lhe não servir, nada lhe serve!
                                                   Hernâni Anjos

NOTA: Foto não assinada mas provavelmente de José Neves Catela.
(1) Capitão Manuel Pimentel Bastos, Vice Presidente da 1.ª Direcção do Círculo Cultural de Macau. (1950)
(2) Alferes Sebastião Marques Pinto , Vogal da 1.ª Direcção do Círculo Cultural de Macau. (1950)
Ver anteriores sonetos e informações em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/hernani-anjos/