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25-08-1710 – Neste dia se alterarão fortemente os Chinas desta Cidade, na qual entrou hum Mandarim com seus soldados da Caza Branca, pela noticia que tiverão de que hum Português chamado Manoel Ayres de Oliveira (ou Manuel Álvares de Oliveira) Condestavel de hum Navio e cazado nesta cidade mattara hum China o qual depois de morto metteo em hum sacco ou Gune de Bangalla e o deitou ao mar, sem advertir que o dito sacco levava a sua marca. Forão taes as perturbações que os Chinas fiserão que depois de achar morto o Corpo do China no dito Sacco, que dellas resultou haver bastantes pancadas, que huns levarão, outros derão, não havendo mais remedio para se acabar esta tão grande história, do que prender o Ouvidor (Ouvidor Gaspar Martins) ao mattador no tronco, para se faser justiça nelle, porque as provas são verdadeiras de que elle fora o aggressor. Enviou-se para o  Baluarte de Bom Parto, (1)  e ahi se fes nelle a execução da morte, e para esta ter effeito tres veses quebrou o garrotte primeiro que morresse.  Assistirão a este acto de execução os P.es José d´Almeida e João Pereira, ambos da Companhia de Jesus, e tambem a mulher, e parentes do China morto e Ouvidor que era o Vereador mais velho Gaspar Martins.” (2)
NOTA: Nesse ano de  1710, a cidade de Macau vivia sobressaltada quer pela morte do Cardeal Patriarca Carlos Tomás Maillard de Tournon (a 8 de Junho) quer pelo permanente  conflito entre o Senado (com o apoio dos jesuítas) e o Governador Diogo de Pinho Teixeira (posse a 5-10-1706, com a residência na Fortaleza do Monte). Houve uma acalmia com a posse do novo governo de Francisco de Melo e Castro (em 28-07-1710) embora passado um ano depois, este fosse também desapossado pelo seu procedimento despótico (SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2)

Carte de lentrée de la Reviére de Canton 1750“Carte de l´Entrée de la Riviere de Canton”  c. 1750
A “Isle de Macao” com a península “de Macau” ao sul.

(1) A Fortaleza de Nossa Senhora do Bom Parto que se supõe ser amais antiga fortaleza de Macau, estava concluída em 1622. Desmantelada em 1892 e destruída posteriormente, quase por completo, com a construção da Avenida da República.
(2) BRAGA, Jack –  A Voz do Passado. 1964

Pelas 10 horas de manhãa mandou o Governador Diogo Teixeira de Pinho(1) correr bando pelas ruas da Cidade para que na tarde deste dia se achassem todos em sua Caza assim Cidadãos como os mais filhos da terra, sem excepção de pessoa alguma que não tivesse justo impedimento e fasendo pôr sentinelas na porta da rua, fes assignar a todos com ameaças o termo da nova Eleição que pretendia faser dos Ministros e Officiaes do Senado que havião de servir dali em diante, e tendo se feito tudo quanto elle Governador  queria sem embargo de ser tudo nullo, houve de sahir António de Sousa Gaio por Vereador, e também José da Cunha, e João da Cunha Lobo por Juis, Escrivão Francisco de Mendonça e Procurador Thomás Garcias de Coutto. Depois de ser feita por esta forma a Eleição nova, mandou o Governador huma Carta aos Padres da denominada Companhia que largassem os homens que estavão no Seminario porque já não eram Ministros do Senado, e que o povo tinha feito novamente outros para Governarem a Cidade e como os Padres zombarão de semilhante rezolução, mandou o Governador cercar todo o Convento até a mesma porta que deita para o campo e tambem a porta travessa do Seminario, que por tudo forão seis sentinellas em roda, tudo isto succedeo no dia 17 de Maio. Aos 19 do mesmo mez se auzentou João da Cunha Lobo que tinha sahido por Juis da nova Eleição antecedente o qual foi homeziar no Seminário referido levando em sua Comp.ª os seus tres filhos. Outra vez se ajuntarão os homens bons na Cidade para faserem outro juis na falta daquelle que se tinha homeziado e fiserão então a Manoel Gomes cunhado de Manoel Pereira digo Manoel Peres, e este novo Juis se recolheo no mesmo Seminario. Neste dia sempre o Governador fes deligencias para entrar no Seminario por força o Ouvidor para tirar os mesmo que la estavão. Dias digo dois dias continuados se pôs huma meza no Pateo ou Adro da Igreja de S.m Paulo, em que assestia o Ouvidor Geral e o Provincial da denominada Comp.ª e tambem o Advogado do Ouvidor Manoel de Abreu Preto, a qual deligencia chamavão imùnidade, aqui se disputou este negocio apresentando os Padres os seus pevilegios, e acharão razões para não entrarem por força no seu Convento. Deixarão o Governador e seus Conselheiros desta deligencia, e dahi a poucos dias mandou elle Governador levar hua pessa de Artilheria do Navio de António da Cruz para arrazar a parede e portas do Seminário, mas não achou a peça capas para este desempenho, o que visto mandou o Condestavel logo para a Fortaleza do Monte embocar a Artilheira para arrazar o Colégio como também o Seminario. Foi obrigado o Sr. Bispo ir pedir-lhe que deixasse destas couzas para a quietação da terra. Não quis elle Governador ceder aos rogos do Bispo o qual tomou a rezolução de ir para a Se e mandar expor o Santíssimo Sacramento onze dias a fio athe o primeiro de Junho que recolheo o Sacramento” (2)

                   Seminário S. José J. Braga A Voz do Passado A Igreja do Seminário de S. José num esboço de George Chinnery (viveu em Macau 1825 a 1852)

NOTA: Esta disputa de “poderes”- conflito entre o Senado e o Governador Diogo de Pinho Teixeira e em que tomaram parte principal os jesuítas e outros regulares, prolongou-se até Julho desse ano, terminando somente com a posse do novo Governador e Capitão Geral, Francisco de Mello e Castro a 28 de Julho. Este veria também a ser desapossado, um ano depois, pelo seu procedimento despótico.

(1) Sobre este Governador, Diogo de Pinho Teixeira, ver anterior “post”:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/07/19/noticia-de-19-de-julho-de-1707/
(2) BRAGA, Jack M. A Voz do Passado. Instituto Cultural de Macau, 1987, 78 p.

“Neste dia por ordem do Governador desta Cidade Diogo Ferreira de Pinho (1) se pregou a mão do sargento António Rodrigues na porta da rua da sua mesma Caza, por ter forçado hua moça Timora no Campo” (2)

(1) O nome correcto do Governador era Diogo de Pinho Teixeira, nomeado em 5 de Agosto de 1706 e governou até 28 de Julho de 1710 (data da tomada de posse de Francisco de Melo e Castro). Foi durante o governo de Diogo de Pinho Teixeira que se agudizaram os conflitos entre o Senado e o Governador, chegando ao ponto, deste ter ordenado fogo (dois tiros)  da Fortaleza do Monte onde residia contra a casa da Câmara (arrombou o portão matando o porteiro). As desavenças entre Governadores e o Senado de Macau eram permanentes pelo que o Governador Francisco de Melo e Castro, em carta a D. João V, solicitava que uma das duas instituições deveria ser extinta. Francisco de Melo e Castro foi desapossado um ano depois, pelo seu procedimento despótico (3).
(2) BRAGA, Jack M. – A Voz do Passado. Instituto Cultural de Macau, 1987, 78 p.
(3) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Século XVIII, Volume 2. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª edição, Macau, 1997, 217 p. , ISBN-972-8091-09-5