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“É uma pequena cidade sem muralhas e sem fortalezas, com umas poucas casas de portugueses, sendo  chamada Cidade do Nome de Deus; e se bem é ilha adjacente, à China, contudo é governada por um Capitão Português que vai lá de Goa todos os anos com patente e provisões reais da Coroa de Portugal, para administrar a justiça aos portugueses que moram ali.

Quer, como prémio por este serviço, quer para o recompensar por outros serviços prestados na Índia, em matéria de guerra, à Majestade Católica, é concedido a esse capitão o privilégio de ele só, e não outros durante aquele ano, aprontar uma nau para ir ao Japão, transportando as mercadorias que os habitantes da cidade lá mandam, as quais são compradas duas vezes ao ano, na cidade de Cantão, onde se fazem as feiras. Estas mercadorias são transportadas à Índia oriental no mês de Setembro e Outubro, e ao Japão no mês de Abril e Maio: estas últimas são principalmente seda crua, da qual se transportam em cada viagem setenta e oitenta mil libras de vinte onças cada uma, que eles chamam «cates». Também transportam para lá grande quantidade de drapejamentos diversos e muito chumbo, valendo três escudos cada cem libras; e ainda prata pura e zarcão e grande quantidade de almíscar com as suas vesículas, tudo o que se consome nestas partes entre estes povos.”

Retirado de “Segundo Arrazoamento da Índia Oriental” (pp. 9-10) in TEIXEIRA, P. Manuel –  Macau através dos séculos. Macau, Imprensa Nacional, 1977, 87p..

Ver anteriores postagens: https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/francesco-carletti/ https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/08/19/noticia-28-de-julho-de-1599-tufao/

“Enquanto estive lá notei um grande eclipse que sucedeu no ano de 1599 aos 6 de Agosto. Vi na quinta-feira de tarde a lua que se obscureceu quase toda, estando já cheia ao aparecer, a qual saiu fora do horizonte, durando cerca de duas horas: apareceu de cor vermelha muito inflamada, e o pouco que ficava claro era da banda do norte. No mesmo ano, no mês de Dezembro, vindo o tempo da partida das naus que da China vão a Goa, pensei embarcar numa delas, levando as mercadorias que tinha comprado nas duas naus que partiam naquele ano: numa das quais embarquei ara ir à Índia, como no seguinte Arrazoamento desta viagem contarei a Vossa Alteza, dando por fim a este, se não mandar o contrário.”

Referências feitas a Macau por Francisco (Francesco) Carletti nos “Arrozoamentos da minha viagem à volta do mundo” de 1598-99 in (TEIXEIRA, M. – Macau através dos séculos, pp 14-15)

Anteriores referências: https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/francesco-carletti/

Francesco Carletti (1573 -1636), mercador florentino, comerciante de escravos e viajante, compilou durante oito anos, as suas impressões da viagem à volta ao mundo que começou em Espanha em 1594 tendo publicado “Ragionamenti di Francesco Carletti Fiorentino sopra le cose da lui vedute ne´ suoi viaggi si dell´ Indie Occidentali, e Orientali Come d´altri Paesi“, cerca 1701 (1) (2)
Os pequenos enxertos que apresento (3) , são de uma tradução feita pelo Prof. Edgar Knowlton Jr. (1890-1978 – professor catedrático jubilado de Línguas Europeias na  Universidade de Hawai).
A. Primeiro arrazoamento da Índia Oriental
…Pois bem, em Outubro do mesmo ano, ou, mais tardar em Março seguinte, encontra-se passagem para a ilha de Macau, terra da China, nas naus dos portugueses, que levam cinco meses ou o máximo dez meses. De Macau, na mesma nau ou noutras, passa-e à Índia oriental no mês de Novembro ou Dezembro, que se segue a Outubro, e chega-se a Goa no mês de Março do outro ano, o que dá outros cinco meses…
Depois de ter estado lá (no Japão) desde o mês de Junho até ao mês de Março do ano de 1598, resolvemos partir e viajar para a China, mas porque naquele ano não veio a nau dos portugueses, que de Macau costuma vir a Nangasáqui, como já referimos para não termos que estear outro ano, embarcámos com os nossos haveres num barco japonês que devia ir ao Reino da Cochinchina, o qual passando pela referida ilha de Macau, nos colocou em terra, de que se dirá no seguinte «Arrazoamento»
   
B. Segundo Arrazoamento da Índia Oriental
Como eu disse a Vossa Alteza Suprema no fim do último arrazoamento, querendo nós partir das ilhas do Japão para ir ao Reino da China e não tendo vindo naquele ano a nau dos portugueses que habitam em Macau, ilha da China, fomos obrigados a embarcar num barco feito à maneira do Japão, se bem que comandado por um capitão, português de nação, mas nascido em Nagasáqui de mãe japonesa. partimos com próspero tempo, soprando o vento norte, aos 3 do mês de Março do ano de 1598, na companhia de alguns religiosos da Companhia de Jesus e doutros comerciantes e passageiros portugueses… (…)
…Ao cabo de doze dias chegámos à ilha de Amacao, situada a 19 graus de norte, perto de cantão, terra firme e cidade da China que dá o  nome a uma daquelas províncias, a setenta milhas pouco mais ou menos. É uma pequena cidade sem muralhas e sem fortalezas, com umas poucas casas de portugueses, sendo  chamada Cidade do Nome de Deus; e se bem é ilha adjacente, à China, contudo é governada por um Capitão Português que vai lá de Goa todos os anos com patente e provisões reais da Coroa de Portugal , para administrar a justiça aos portugueses que moram ali…

(1) http://it.wikipedia.org/wiki/Francesco_Carletti.
 (2) Este livro, encontra-se à venda, em inglês: My Voyage Around The World: The Chronicles of a 16th Century , Pantheon Books, 1964, 270 p. nos:
http://www.amazon.com/voyage-around-world-Francesco-Carletti/dp/B0007DTSFS
http://books.google.pt/books/about/My_voyage_around_the_world.html?id=Hf5_AAAAMAAJ&redir_esc=y
(3) Retirado de  TEIXEIRA, P. Manuel – Macau através dos séculos. Macau, Imprensa Nacional, 1977, 87p., 22,3 cm x 15,7 cm
NOTAS:
1. Arrazoamento: acto de defender ou expor, alegando razões (Dicionário da Língua Portuguesa Cândido de Figueiredo)
2. O mapa de Macau de 1632 segundo Jack M Braga foi tirada do «Livro do Estado da Índia Oriental», de António Bocarro mas segundo Padre Manuel Teixeira, é de uma gravura do «Livro do estado da Índia Oriental» de Pedro Barreto de Resende existente no Bristish Museum.
3. Pode-se ler digitalizado, em italiano, “Ragionamenti di Francesco Carletti Fiorentino sopra le cose da lui vedute ne´ suoi viaggi si dell´ Indie Occidentali, e Orientali Come d´altri Paesi“” em
http://books.google.pt/booksid=8jtznvBSR6oC&printsec=frontcover&hl=ptBR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false

No anterior post: “NOTÍCIA – 27 DE JULHO DE 1862 – TUFÃO” (1) referi que a primeira descrição conhecida de um tufão neste território datava de 5 de Setembro de 1738.
Enganei-me, pois encontrei outra descrição mais antiga, precisamente de 28 de Julho de 1599.
Trata-se de uma descrição de Francesco Carletti nos “Arrazoamentos da minha viagem à volta do mundo” (2) (3)
“No ano de 1599, aos 28 do mês de Julho quando eu estava na cidade de Macau, vi mais de 10 ou 12 casas arruinadas pela água e pela força do tufão que nas ilhas Filipinas é chamado pelos castelhados «huracán». As casas são feitas de terra misturada com cal viva; são fortificações de tantas a tantas braças com tabiques de pedra murados a cal, sendo as aredes estucadas com cal por dentro e por fora, e cobertas de telhas em tudo ao modo da Espanha. Depois de ter soprado com tanta fúria, que não se podia andar pelas ruas nem sequer mostrar lá a cara, o vento parou, tendo passado por todos os rumos da rosa dos ventos, e continuou durante dois dias. além de muitos danos, e naus que fez desviar por toda a costa e portos de China, fez também perder no porto de Amacao uma nau que tinha vindo do Reino do Sião, carregada de lenha chamada comummente pau brasil, que eles neste país chamam «sapan»; da qual nau conseguiram com muita dificuldade escapar-se os marinheiros siameses com as suas mulheres, que segundo o seu costume levam consigo quando fazem longas viagens… “

Amacao 1598 (4)

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/07/27/noticia-27-de-julho-de-1862-tufao/
(2) Francesco Carletti (1573 -1636), mercador florentino, comerciante de escravos e viajante, compilou durante oito anos, as suas impressões da  viagem à volta ao mundo que começou em Espanha em 1594, tendo publicado “Ragionamenti di Francesco Carletti Fiorentino sopra le cose da lui vedute ne´ suoi viaggi si dell´ Indie Occidentali, e Orientali Come d´altri Paesi“, cerca 1701
http://it.wikipedia.org/wiki/Francesco_Carletti
(3) Tradução feita pelo Prof. Edgar Knowlton Jr (1890-1978 – professor catedrático jubilado de Línguas Europeias na  Universidade de Hawai) e citada em TEIXEIRA, P. Manuel – Macau através dos séculos. Macau, Imprensa Nacional, 1977, 87p., 22,3 cm x 15,7 cm
(4) Retirado de Rise & Fall of the Canton Trade System Gallery
http://ocw.mit.edu/ans7870/21f/21f.027/rise_fall_canton_04/cw_gal_01_thumb.html
NOTA : Segundo Beatriz Basto da Silva, trata-se de Macau no final do século XVI, segundo gravura em cobre (c. 1598) do artista Teodore de Bry. Foi copiado por Meinsner c. 1625 (Dervent Collection)
SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Séculos XVI-XVII, Volume 1, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª Edição, Macau, 1997,198 p (ISBN 972-8091-08-7)