Archives for posts with tag: Fonte da Inveja / 二 龍口

Há ainda no Jardim da Flora a cabeça dum cão, vinda também da Fonte da Inveja. Como a bica desta fonte tinha a forma dum peixe e o fecho do arco do pórtico representava a cabeça dum cão, o público chamou-lhe a Fonte do Peixe-Cão, como remoque ao presidente da Câmara desse tempo, Domingos Clemente Pacheco, apelidado Pachecão.Os chineses davam o nome de I Long Hau (1) – (Garganta de dois Dragões) à Fonte de Inveja, porque os chineses confundiram o peixe e o cão por dois dragões. Este nome,  mais tarde foi atribuído à zona da Fonte da Flora (fonte por detrás do antigo Palácio da Flora. residência de Verão dos Governadores destruída pelo rebentamento do paiol).
A Fonte da Flora é também conhecida por Tai Long Hau (2) (Boca do Grande Dragão).
Uma cabeça  romana proveniente da Fonte da Inveja que derramava água pela boca está no Jardim da Flora.
Esta formosa fonte deu o nome à Rua da Fonte da Inveja, (3) que começa na Avenida Sidónio Pais, entre a Escola infantil «D. José da Costa Nunes» e o  Quartel da Flora, e termina na encosta da Colina da Guia, junto da Fonte da Inveja. (4)

Hospital Miitar Sam JanuárioQuando se construiu o Hospital de S. Januário a água era para lá conduzida da Fonte da Flora numa carroça puxada por um boi.
Após 25 anos de serviço contínuo, sem um dia de descanso nem sequer aos domingos, foi o boi demitido por estar velho, jarreta, trôpego e cansado. Do «Zé do Boi», que durante um quarto de século guiou esse seu amigo desde a Flora até ao Hospital de S. Januário para o abastecer de água, nem o nome se lhe conhece.
Só os amigos do «Zé do Boi» poderiam contar-nos as memórias gloriosas desta figura tão popular do nosso Macau, de há 50 anos.
Depois do boi, apareceu o caminhão do Corpo de Salvação Pública a fazer o mesmo serviço , agora mais rápido e com maior quantidade de água.
Ora em 1938 surgiu a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, que tomou posse de todos os poços públicos e municipais e mandou encerrar muitos outros particulares. Foi ainda proibida a importação da água da Ilha da Lapa e da venda da mesma feita pela Companhia Loc Vó. O Corpo de Salvação Pública continuou a transportar a água da Fonte da Flora para o Hospital e era só esta que os doentes bebiam.
Os interesses feridos resultaram num casus belli: se os doentes não bebiam a água da Companhia Concessionária, era sinal que esta não prestava.
A Loc Vó agitou os cordelinhos e o pânico invadiu a população chinesa. Começou a manifestar-se uma certa reacção contra o consumo dessa água; de início, foi de carácter pacífico, notando-se apenas relutância em beber dessa água. Mas  essa reacção foi gradualmente aumentando a ponto de se chegar ao extremo de se quebrar as tampas dos poços encerrados  e de se fazer uma acintosa campanha de descrédito contra ela.
Então abalaram-se as potestades cá da terra: a Sociedade que fornecia a água, o Leal Senado que lhe concedera o exclusivo do abastecimento, o Corpo de Salvação Pública que levava o caminhão, os Serviços de Saúde e Higiene e o próprio Governo.
Ofícios, reuniões, discussões, um sarilho. Ora o boi, o doce boi, o boi mansinho, esse leão com um coração de passarinho, nunca fizera sarilho nenhum…(…)
TEIXEIRA, P. Manuel –  Toponímia de Macau, Vol I, pp..136, 246 – 247
(1) 二 龍口 – mandarim pinyin:  èr lóng kǒu; cantonense jyutping: ji6 lung4 hau2 -boca de dois dragões
(2) 大龍口 – mandarim pinyin:  dà lóng kǒu; cantonense jyutping: daai6 lung4 hau2 -boca do grande dragão.
(3) Rua da Fonte de Inveja – 二龍喉街
(4) Hoje entrada (topo norte) do túnel do Monte da Guia – 松山隧道

ANUÁRIO de 1927 - Vivendas particularidades da Estrada da VitóriaVivendas particulares na Estrada da Vitória

Eram bem conhecidas, antes de as demolirem aos poucos, as vivendas da Estrada da Vitória com o seu traço característico.
Esta, mesmo à esquina da Estrada com a subida da Calçada da Vitória.

A Estrada da Vitória – 得勝馬路 – começa na Calçada do Gaio, em frente da rua Nova à Guia, e termina na R. da Fonte da Inveja, entre a Avenida de Sidónio Pais e a Fonte da Inveja.
Esta artéria já figurava no relatório elaborado pela comissão nomeada pelo governador António Sérgio de Sousa a 16 de Junho de 1869 e vem referida no “Cadastro das Vias Públicas de Macau”, publicado em 1905. Seria posteriormente prolongada com mudança de direcção, mas em 1925, já o seu traçado era idêntico ao actual. (1)
É chamada “da Vitória” porque a estrada inicial passava no local onde outrora era conhecido por Campo dos Arrependidos passando depois a chamar-se Campo da Vitória, após a colocação da primeira pedra (23 de Junho de 1870) e onde já havia uma pilastra de pedra comemorativa da vitória de 24 de Junho de 1622.
Ver anteriores referências a este monumento em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/monumento-da-vitoria/
(1) https://macaostreets.iacm.gov.mo/p/parish5/detail.aspx?id=99755006-3388-4ade-bd2b-ae96ecaea1b6
得勝馬路mandarim pinyin: dé shèng  mǎ  lù; cantonense jyutping: dak1 sing1 maa5 lou6

Na sequência da publicação da fotografia do 1.º reservatório de águas de Macau (1) encontrei outras duas fotos, também do ano de 1927, referentes a outros reservatórios que existiram em Macau.
O coronel engenheiro Adriano Augusto Trigo, em 1919, quando foi nomeado Director dos Serviços de Obras Públicas, comprometeu-se resolver o problema da falta crónica do abastecimento de água potável, aproveitando  somente os recursos hidrográficos de Macau. Traçou um plano  que abarcava duas áreas. Uma referente a águas fluviais, com os projectos (todos concluídos em 1925) de construção de um reservatório na Colina de Guia  e outro na Flora, para aproveitamento das águas da Colina da Guia (2) e implementação de sete fontenários na cidade, para a sua distribuição.  Para as águas subterrâneas recomendou pesquisas no vale de Mong Há. (3)
Em 2 de Abril de 1923, foi aberto um concurso para «Distribuição de água potável explorada na Colina da Guia » com arrematação em hasta pública nesta data. (4)
ANUÁRIO de 1927 - Reservatório da FloraMas o primeiro reservatório (1) foi logo abandonado devido ao seu pequeno tamanho e capacidade armazenamento de água  para um regular abastecimento ao público.
ANUÁRIO de 1927 - Reservatório da Colina da GuiaAssim foi logo construído um segundo reservatório na Colina da Guia mais acima, a meio da encosta onde hoje (desde 1997)  é um “anfiteatro”/campos de jogos de actividades de lazer, entre a “Estrada das 33 curvas” projectada em 1924 pelo mesmo engenheiro António Augusto Trigo, em baixo e o circuito de manutenção, em cima.

Reservatório da Colina da Guia 2015ASPECTO ACTUAL DO TOPO DO ANTIGO RESERVATÓRIO (ABRIL DE 2015)

Um novo reservatório surgiria após a constituição, no dia 13 de Julho de 1935, por escritura pública, da Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, Limitada (SAAM), uma empresa inglesa, também conhecida por “The Macao Water Supply Company, Limited.” Assinou contrato do exclusivo do abastecimento de água à cidade, com o Leal Senado, dois dias depois, por um prazo de 60 anos. De acordo com o contrato, o gerente geral da sociedade era Frederick Johnson Gellion, também gerente da “The Macao Electric Lighting Company, Limited.” (MELCO)
A sociedade com um novo plano para o abastecimento de água potável a Macau captando a água no estuário junto à Ilha Verde. decidiu construir o novo reservatório principal num terreno baldio conquistado ao mar, situado no Porto Exterior.  A construção de uma estação de tratamento na Ilha Verde, de uma estação elevatória e do referido reservatório no Porto Exterior, ficaram concluídos em 1936. (5)

O Reservatório do Porto Exterior 2015O RESERVATÓRIO DO PORTO EXTERIOR (ABRIL DE 2015)

“… Logo de começo ainda antes de elaborar o anteprojecto de Obras do Porto Exterior, foi, planeado por esta Direcção uma captação vulgar de aguas pluviais, na Colina Este da Guia, que na parte considerada podia produzir cêrca de 20.000 m3 por ano para o porto e bem assim o aproveitamento da Fonte da Solidão que tem sido praticamente desaproveitada, ficando a agua com bastante carga para ser distribuída em elevação e podendo a obra ser feita a expensas do Conselho de Administração das Obras dos Portos; mas com a resolução atraz dita, cabia esse trabalho á Direcção de Obras Publicas e esta intendeu por melhor estender ali o sistema que estava empregando na face Oeste da Guia, isto é de provocar maior infiltração por meio de canais horizontais permeáveis, e quanto ás aguas da Fonte de Solidão decidiu canalisal-as para a cidade pelo tunel que foi aberto; tendo então sido prometido que o volume de 20.000 m3 seria fornecido pelo grande manancial que fôra descoberto em camada profunda do subsólo na baixa de Monghá; mas vê-se agora que as esperanças neste manancial não eram tão bem fundadas pelo menos quanto ao processo de captação propriamente dito e o abastecimento de agua ao terreno do porto ficou assim de alguma forma prejudicado.”
LACERDA, Hugo Carvalho de – Obras dos Portos de Macau, Memórias e Principais Documentos desde 1924, 1925.

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/12/02/postal-de-1927-o-primeiro-reservatorio-de-macau-e-o-paiol-da-solidao/
(2) “03-06-1922Importante acta de uma sessão do Conselho Técnico das Obras Públicas, a 5.ª, de 11 de Maio p.p. é publicada no B.O. n.º 22 desta data. Intervêm duas figuras que deixaram obra em Macau. O director das Obras Públicas (Eng Adriano  Trigo) e o Chefe dos Serviços de Saúde, Dr. Morais Palha. Intervêm também o Director das Obras dos Portos (Eng. Hugo de Lacerda Castelo Branco), o vogal deste Conselho Técnico (Eng. Duarte Abecassis) ao serviço da Direcção das Obras dos Portos. Fala-se de sondagens geológicas, de obras na Praza Luís de Camões, da descoberta de abundantes águas no sopé da Guia, etc ” (4)
(3) A ribeira de Patane (em chinês a zona é conhecida por “Soi Hang Mei” – 水坑尾) era um braço de rio que se bifurcava e chegava perto da Aldeia de Mong Há. A água era, naturalmente salobra, mas ali ia desaguar uma verdadeira ribeira de boa água, com nascente no Monte da Guia, ribeira que, depois, ficou reduzida ao antigo charco que veio a dar a Fonte da Inveja, próximo do Jardim da Flora (AMARO, Ana Maria – Das Cabanas de Palha às Torres de Betão, 1998, p.72)
水坑尾mandarim pinyin: shuǐ kēng wěi; cantonense jyutping:  seoi2 haang1 mei5
(4) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 4, 1997.
(5) CRUZ, Patrícia – A longa luta de Macau pela água potável , em:
http://www.revistamacau.com/2015/06/29/a-longa-luta-de-macau-pela-agua-potavel/