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Três fotografias antigas de Macau, provavelmente do princípio do século XX, extraídas do “Boletim de Geografia de Lisboa” (1)

Porta do Cerco em Macau, s.d.
Jogadores de Fantan em Macau, s.d.
Antigo palácio do governador de Macau, c. 1908

(1) http://www.socgeografialisboa.pt/wp/wp-content/uploads/2017/11/SGL-Boletim-133-Ano-2015.pdf 

No dia 1 de Fevereiro de 1849, o Governador João Maria Ferreira do Amaral ordenou a aplicação duma multa de dois taeis (1) a todo o chinês que fosse encontrado a jogar, nas ruas da cidade quer como jogador ambulante quer com banca fixa.
Foi nesse ano (data aproximada) que o mesmo governador concedeu a 1.ª licença para a criação do jogo de Fantan (2) em Macau.
Teoricamente o jogo era proibido em Macau pelas autoridades chinesas (3)
A concessão do jogo foi depois introduzida pelo governo de Isidoro Francisco Guimarães (1951-1863) (4)
(1) Os chineses não tinham moeda corrente (existiam as moedas de cobre para uso diário, as chamadas sapecas, com um buraco quadrado no meio), usavam a prata como moeda. A unidade de prata usada como moeda era o tael de prata ou liang – 兩 ( mandarin  pīnyīn: liǎng; cantonense jyutping: loeng5).
Um tael equivaleria a uma onça de prata – 37, 72 gramas.
A unidade monetária chinesa – tael – foi adoptada posteriormente  como moeda oficial da China de 1889 a 1912.
O tael subdividia-se em 10 mazes (ou fzyns), 100 condorins, 1000 sapecas.
dicionario-das-moedas-tael-idicionario-das-moedas-1793-tael-iidicionario-das-moedas-1793-tael-iiiDo livro “Diccionario universal das moedas, assim metálicas, como fictícias, imaginarias, ou de conta” de 1793.
https://books.google.pt/books?id=C01OAAAAYAAJ&pg=PA205&lpg=PA205&dq=tael+moeda+chinesa&source
(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/11/26/leitura-fan-tan/
(3) “20-11-1829 – O Mandarim da Casa Branca, por apelido Kou chama, por edital a atenção para o facto de jogo ser proibido” – GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954.
(4) Ver em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/isidoro-francisco-guimaraes/

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres TÍTULO

O pirata das nossas imaginações românticas não é um sonho na China. Elle existe e por vezez tão poderoso, que se torna o terror d´aquellas aguas azues onde faz o assalto e enriquece para vir de temporada em temporada gastar em Macau o producto das suas rapinas no jogo do fantan. N´essa noite do anno novo china as casas de jogo estão atulhadas. Por uma deferência para com os chinezes o proprio governador de a província as vae abrir. Sae do palácio na sua cadeirinha de gala ou no seu rinkchow de ricas molas e entra com os ajudantes e os funccionarios  na casa onde se dissipam fortunas.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Cadeirinhas do GovernadorPraia Grande – as cadeirinhas do governador

É geralmente uma sala que uma grande mesa occupa; sobre esta, abre-se  no tecto um vão que se alarga até à altura de dois andares. Em volta da mesa ficam os jogadores mais acirrados; lá em cima os ricos mercadores e alguns mandarins, com as suas vestes de luxo, vão tomando chá perfumado, engulindo doces ou comendo gravemente pevides d´abobora, tendo suspensos do gradeamento a que se encostam uns cestinhos leves onde põem o dinheiro das suas apostas e que sobem e descem a cada partida do jogo. As luzes coloridas illuminam aquillo, tingem os rostos excitados e anciosos dos jogadores. O jogo está sobre a mesa n´uns quadrados de papelão onde ha quatro numeros, um moço vae tilintando porções de sapecas que à força de mexidas teem a linda côr viva do ouro.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Jogo do FantanO jogo do fantan

Então o banqueiro toma um punhado d´essas moedas, cobre o monte com uma taça voltada enquanto se fazem apostas e depois, com um palito de marfim, separa-as a quatro e quatro rapidamente, tão rapidamente, quanto é vivo e louco o olhar de toda a gente que está de roda esperando vêr quantas restam e que serao o número em que se ganha. Ouvem-se, à medida que tudo aquillo vae decorrendo, murmurios que se escapam; os numeros que julgam ser os do ganho saem n´um grito de felicidade ou núm grunhado de desespero d´aquellas bocas contorcidas, porque o amarello, no jogo, perde a fleugma que nem mesmo o amor o faz.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres Pharol da Guia“Pharol da Guia, o primeiro que foi edificado em águas chinezas”

É então uma subida e descida dos cestinhos com quantias que tilintam, os montes de dinheiro a dividirem-se e as sapecas n´uma montanha luzente sobre a mesa aguardando novamente as mãos tranquillas dos banqueiros, as apostas dos jogadores, a cobiça dos ricos que lá em cima, sorvendo o seu chá, descascando as pevides, engulindo os doces, vão pensando ao mesmo tempo no negocio e nos olhos obliquos da chinezinhas infantis. Ellas, por sua vez, garridas e sonhadoras, atirado-as para as casas de prazer ou par os logares de diversão, guardam sempre a esperança, que a cortezã do occidente jámais nutre: a de vir ainda a casar, de que algum rico mandarim, algum negociante de longes terras ou algum nobre manchu a leve para terceira ou quarta esposa, para lhe dar filhos e gosar na doçura do lar chinez, mysterioso como um tumulo, todas as regalias de que as mulheres legitimas gosam…”
…………………………………………………………………………………..continua

2.ª parte do artigo, não assinado, publicado na “Ilustração Portugueza”, pp. 803-804, 1908.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres TÍTULO

É pela festa do anno novo china que a cidade mostra bem como é uma terra feita para o prazer e como se poderia tornar n´uma estancia onde o oriente rico viria embriagar-se em todas as loucas phantasias, deixando-nos o seu ouro e levantando d´ali o goso mais extranho.
N´esses oito dias e oito noites da festa, sobretudo nas noites, Macau tem a nota phantastica exagerada; é como um enorme pandemonio illuminado das luzes mais vivas, saindo dos balões mais garridas desde a Praia Grande aos bairros aos bairros exoticos em que perpassam leves os rinkchows e as cadeirinhas puxadas pelos coolies de trajos onde predomina o azul e o roxo correndo ligeiros por entre uma multidão excitada.

Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres (I)Vista geral de Macau tirada da Colina da Guia

À esquerda o Hospital Militar de Sam Januário e a colina de S. Jerónimo; mais atrás, a baía de Praia Grande. Em primeiro plano o acesso à colina da Guia

Em todas as portas os balões com as suas aves extranhas, as suas  serpentes sagradas, os seus dragões terriveis coam claridades que são deslumbramentos; nas ruas, n´um rumor de milhares de sapatinhos leves, passa a turba com o seu cheiro especial, o cheiro do amarello em que ha alguma cousa d´acre e d´almiscarado, os panchões estrallejam às portas n´uma atoarda infernal e lá de cima dos bairros sujos, veem claros de fogueiras onde rimas de papel vão ardendo em saudações ao anno que chega e no qual o chinêz vê a felicidade. Toda a gente, desde a mizeravel tanqareira, sem outro lar que o seu barco, até ao grave mandarim, enverga um trajo novo e em todas as algibeiras tilitam as moedas que se vão trocar pelos prazeres faceis para quem disponha tanto d´uma ruma d´ouro como d´uma enfiada de sapecas.

 Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres (II)Rua Central 

À direita uma Casa de Pasto-“Toi-Seng” (?)

 Uns vão comprar o amor das pequeninas chinezas de doze a treze annos, nas casas de diversão, onde ellas com as suas vestes de côres discretas, n´uma doçura de sêdas, tocam e dançam aquella meigas melopeas orientaes, as tranças presas no alto, os braços mimosos sahindo das largas mangas, os labios pintados abertos em risos, as sobrancelhas arqueadas que mais lhes obliquam os olhos negros e vivazes, mal sustidas sobre os ésitos minusculos que lhes põem no andar o balanceo rythmico de bailadeiras. Outros, os mais pobres, enchem-se n´essas noites de manjares raros e queridos, os cãesinhos de língua preta em guisados, as cascas de melancia em calda, as sopas preciosas de barbatanas de tubarão e o arroz tradicional dos antepassados. E a cada canto, em cada rua, à beira de cada volta, no angulo de cada esquina lá estão os vendilhões com as suas taboletas, onde ha dizeres em caracteres pintados a vermelho e a negro, saudando, com essa hypocrisia oriental, o comprador das fructas e dos doces, dos guisados extranhos e os jogadores pobres dos mil fantans que n´esse dia pejam a cidade, onde o jogo é um provento enorme e onde toda a gente joga, até mesmo o europeu, apesar da prohibição de o fazer. E assim, no estalar forte dos panchões  n ´aquelle rumor da multidão, se recordam as festas em que já teem passado milhares de chinezes com os seus palanquins nos hombros, onde levam com os leitões gordos, as gallinhas cozinhadas, os doces raros, as serpentes de papelão e os dragões feios, que ondulam assim conduzidos como coisas sagradas, em visões fabulosas, por muitas dezenas de homens que se divertem, entre bandeiras enormes e bastas, onde ha dizeres e que esvoaçam na doçura da aragem.

 Ilustração Portugueza1908 Macau Cidade de Prazeres (III)Uma lorcha, embarcação de pesca

Teem vindo de longe as lorchas e os juncos, despejando gente que chega attrahida pela ancia do goso; os ricos mandarins com a sua tunica bordada, com o seu peitilho onde rabeiam os dragões nacionaes, com os seus casabeques azues abotoados ao lado, as suas fachas franjadas e os seus chapeus onde os botões de côres marcam os seus graus; teem vindo tambem os mercadores e os servos; as suas cargas oscillando suspensas de flexiveis hastes de bambu. À medida que a noite decorre, tudo aquillo se vae animando mais a mais, e quem sahir da cidade christã para as barreiras longinquas achará o mesmo rumor de festa nas casas fétidas onde os cães, os porcos, as gallinhas e os chinos vivem na promiscuidsade vil, mas a cujas portas as fogueiras ardem e os panchões estalam, onde ad creanças rolam soltando gritinhos de goso, já enlambuzadas, mettidas na lama pegajosa d´esse solo onde ha de todos os restos. Cá em baixo, nas águas, os barcos com os seus arcos de balões exoticos estão também em festa e as tanqareiras, em volta do seu guisado, cantam docemente alguma canção guttural e vaga, mais recitada do que cantado, em que ha piratas valorosos que levaram para longe alguma donzella linda.

1.ª parte do artigo, não assinado, publicado na “Ilustração Portugueza”, pp. 801-803, 1908.

Em Setembro de 1929, foi feita a entrega solene de trezentas casas de alvenaria e tijolo, construídas nos terrenos do norte da Ilha Verde (Macau), destinadas aos sinistrados chineses que, no grande incêndio ali ocorrido em 1928 (1), perderam totalmente a habitação e haveres e cujos efeitos desde logo o governador Tamagnini Barbosa (2), procurou atenuar, com a cedência do terreno e a quantia de $ 35.000,00 patacas. Para isso também contribuíram donativos de Macau e Hong Kong (cada casa custou cerca de $ 240.00 patacas).

No acto oficial da entrega, o capitalista chinês sr. Kou Ho Neng (3) pronunciou um discurso (4) em que transcrevo uma parte:
S. Ex.ª o Governador, antes da partida, (5) receando que esmorecêssemos nas obras de construção das ditas casas, recomendou à comissão encarregada de vigiar pela sua construção – a minha humilde pessoa, Chôi Nôk Chi, Vong Su, Mak Meng, Lou, Ch´ui Iôk, Lai Chan Vá e Ung Fat  – que não largássemos a obra a meio de caminho e que tivéssemos pela sua construção o mesmo carinho que tivemos no início.
Foi em virtude desta recomendação queimámos papel amarelo e fizemos um juramento, prometendo trabalhar com ardor e com honestidade até ao fim da obra.
Aproveito a ocasião para agradecer ao sr. Director das Obras Públicas que nos forneceu os fiscais Ló Sá Liu e Ki Li Lu Fi Nan Ti (6) que nos consentiu tirar pedras da colina de Mong Há, de Lin Fong e nos permitiu tomar saibro na colina da Ilha Verde; ao sr. Comissário de Polícia que pôs um polícia secreta para guardar o recinto das obras, dia e noite; à Companhia da Luz Eléctrica pela instalação da luz eléctrica; à Repartição dos Telefones pela instalação de um aparelho telefónico; à Companhia de Navegação «T´ông On», que transportou, gratuitamente o madeiramento pelos seus vapores «Seng Cheong» e «Hang Cheong», cujo frete seria de $ 1.846,00 (se tivéssemos de pagar); aos vapores «Chun Chao» e « Chun Li» que transportaram gratuitamente, 800 sacos de cimento e 190 vigas de pinho; à Vong Chiu que emprestou alguns reservatórios de peixe, para servir de depósitos de água; a Chu Ch´ôn Teng que ofereceu 15 barricas para encher com óleo; a Ló U pela dádiva de algumas tábuas grosseiras; ao Hotel Presidente que, no tempo da seca forneceu um dos dois carros de água por dia, por espaço de mais de dois meses; aos membros da comissão que gastaram algum dinheiro para as despesas de rick-shaw. (riquexó)
Também aproveito a ocasião para declarar que, receando que não tivesse quem quisesse tomar a responsabilidade da fiscalização das obras, incumbi Ung Fat para estar, desde a manhã até à tarde, a vigiar as obras, pelo que o gratifiquei, do meu bolso, com a quantia de $100,00 mensais, por espaço de cinco meses. Cumpre-me, outro-sim, declarar que Ung fat se recusou terminantemente a receber a gratificação que lhe quis dar e só aceitou depois de muito instado por mim, pois que eu não queria que êle arcasse com tão grande responsabilidade sem receber uma compensação.
Devo também declarar que um amigo meu, Li Io Sam, que foi por duas vezes comprar tijolos e telhas, fê-lo sem receber dinheiro para as despesas da viagem.”

(1) “8 de Outubro de 1928 – Pavoroso incêndio que vitimou a população chinesa que ocupava a aldeia junto à Porta do Cerco, sendo necessário dar alojamento a mais de 2 000 pessoas.
10 de Outubro de 1928 – Construção de 490 barracas para as vítimas do incêndio que devastou a aldeia da Porta do Cerco.”
SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Século XX, Volume 4. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª Edição, Macau, 1997, 454 p . (ISBN 972-8091-11-7)
(2) 2.º mandato como Governador: Artur Tamaginini de Sousa Barbosa de 8-12-1926 a 1-02-1931
(3) Gao Kening (Kou Ho Neng) (1878-1955), conhecido como o «rei do jogo» pois dirigia as casas do jogo e também as do ópio. Em 1911, obteve uma licença para exploração do jogo “fan-tan” (7) na Rua da Caldeira. Em 1937 com Fu Lou Iong, (também conhecido como Fu Tak Iam) fundou a «Tai Hing Company» que viria a obter o exclusivo da exploração do jogo em Macau, por uma soma de 1.8 milhões de patacas por ano e assim continuaria por mais de 20 anos. Também conhecido em Hong Kong e Macau como «Rei das Casas de Penhores” por ter estabelecido muitas dessas “lojas” sobretudo nas cercanias dos estabelecimentos de jogos. (http://www3.icm.gov.mo/gate/gb/www.archives.gov.mo/en/featured/detail.aspx?id=61)
Foi condecorado pelo presidente da República General Craveiro Lopes (1951-1958) e receberia a condecoração a 28-06-1952, aquando da visita do Ministro do Ultramar a Macau. Em 1916 mandou construir uma mansão na Rua do Campo, hoje classificada como Património.
Tem uma rua em Macau, com o seu nome “Rua do Comendador Kou Ho Neng”, na Penha.
(4) Tradução do sr. António Maria da Silva, sub-chefe da Repartição do Expediente Sínico da Colónia.
(5) Em Abril de 1929, o Governador Tamagnini Barbosa partiu para Portugal para conferenciar com o Ministro das Colónias.
(6) Possivelmente Rosário e Guerreiro Fernandes
(7) Sobre o “fan-tan” ver
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/11/26/leitura-fan-tan/

Macau cidade pitoresca II

Mais fotografias (mantive as legendas “originais”) do artigo de Manuel Antunes Amor, publicado na “Ilustração Portugueza”, n.º 896, 1923,  pp. 495-497 e já referido no meu anterior post (1)

Macau cidade pitoresca IX1 – Edifício do Leal Senado

 Macau cidade pitoresca X2 – Avenida Almeida Ribeiro

No lado esquerdo o “placard” da “Garage Macau” que era umas das concorrentes das outras duas por mim citado em (2). À direita o “Cinematógrafo Vitória” – sobre este cinema, ver meu anterior post (3)

Macau cidade pitoresca XI3 – Palácio do Governo

Macau cidade pitoresca XII 4 – Um recanto de Macau antigo

Macau cidade pitoresca XIII 5 – Carrinho indigena para transporte de passageiros

 Macau cidade pitoresca XIV6 – Uma loja de chá

 Macau cidade pitoresca XV7 – Chineza, leitora da buena-dicha

buena-dicha” (espanhol) – boa sorte. Refere-se aos que lêem a sina, fortuna ou sorte

 Macau cidade pitoresca XVI8 – Uma rua do Bazar ( bairro comercio chinez)

Macau cidade pitoresca XVII9 – Uma loja de tabacos e cambios

Macau cidade pitoresca XVIII 10 –  Um quarteirão do Bazar

 Macau cidade pitoresca XIX11 –  Jogadores de fan-tan

(1)  https://nenotavaiconta.wordpress.com/2013/04/19/leitura-macau-a-cidade-mais-pitoresca-do-nosso-dominio-ultramari-no-i/

(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jornal-de-macau/

(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2011/12/28/cinemas-de-macau-i/

Uma novela (melhor dizendo uma “novelização” dum guião cinematográfico incompleto) de aventuras nos inícios do século XX precisamente em1927. Tem como protagonista um pirata, aventureiro, , Anatole “Annie” Doultry, capitão  de navio, de meia idade , excêntrico, temido pirata nos mares entre as Filipinas e Xangai, nascido em Edimburgo no ano de 1876, a cumprir uma pena de seis meses nas prisões de Hong Kong (Cadeia Victoria ???). Partilha o catre, por cima do seu, com um português, de nome Lorenzo e entre as corridas de baratas organizadas por si para passar o tempo, salva a vida dum prisioneiro, por piedade ou misericórdia  Após a liberdade descobre que esta sua acção, é agradecido pela patroa do prisioneiro, a famosa pirata Lai Choi San (viúva chinesa de origem tanká ou  melhor euro-asiática como veio a descobrir o aventureiro), bela, cruel e perspicaz, …mas educada na escola missionária Colégio do Sagrado Coração de Macau!!! que o convida a participar num assalto a um barco britânico Chow Fa , carregado de prata. Anatole seduzido pelos encantos da mulher, aceita…..
Não revelo o final mas acrescento que o livro tinha tudo para um bom filme: batalhas navais, tufões sedução, traição, emoção e luxuria.

Da descrição de Macau, tudo mau: casinos clandestinos (“A Casa dos Sonhos Estranhos”), jogo (Fan-Tan) prostituição, piratas, subornos e contrabando de armas.
As maior parte das críticas disponíveis na net são desfavoráveis (2)

Para alguns, a história como o livro surgiu nas bancas é mais interessante.  Marlon Brando criou a personagem baseado em si: gordo, de idade média,  50 anos, excêntrico e apaixonado por mulheres asiáticas. Pediu a colaboração de Donald Cammel (realizador de «Performance» com Mick Jagger – e quese suicidou em 1986 apos da estreia de «The Wild Side», aos 62 anos de idade ) para elaborar um guião cinematográfico tendo este passado 8 meses em Tetiaroa, a ilha que Brando possuía (e vivia) no Taiti. No entanto, o actor que estava desencantado com Hollywood, negou apresentar o guião aos estúdios apesar de em 1982, a Sonny Mehta ter proposto 100 000 dólares por ele. Com a morte de Brando em  1 de Julho de 2004 (aos 80 anos),  China Kong , mulher de Cammell, encontrou “uma versão incompleta do livro terminado entre 1982 e 1983” e resolveu vendê-lo . David Thomson, critico cinematográfico, foi encarregado de estruturar a narrativa, “romanceá-la” e escrever o ultimo capítulo (só havida algumas notas deixadas por Cammell) e no livro acrescentou um posfácio («O Mistério da Colaboração»).

(1) BRANDO, Marlon; CAMMEL, Donald – Fan-Tan. Civilização Editora, 2006, 257 p., ISBN 972-26-2366-4
(2) Críticas, em inglês:
http://intellectualmediocrity.blogspot.pt/2011/09/fan-tan-marlon-brando-donald-cammell.html
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/08/25/AR2005082501466.html

NOTA:番攤 ( pinyin: fāntān; cantonense jyutping: faan1 taan1) é o nome de um jogo que poderá ser definido como uma roleta sem a roleta. E com apenas quatro números! Surgido na China há vários séculos, ele ainda hoje é praticado na Ásia e nas comunidades chinesas espalhadas por todo o mundo. Trata-se de um  jogo de apostas onde o banqueiro – aquele que as recebe e paga – recolhe um punhado de grãos de cereal de um recipiente e o deposita no centro da mesa. Em seguida, com o auxílio de uma varinha, ele vai separando os grãos em grupos de quatro. O último grupo, que pode consistir em um, dois, três ou quatro grãos, indicará o número vencedor. As apostas são feitas tradicionalmente nos quatro cantos da mesa, cada um deles correspondendo a um dos números.
Para quem estiver interessado neste jogo, poderá consultar:
PAULÉS, Xavier – Le fantan, une étude préliminaire /Fantan: A preliminary study
http://www.reseau-asie.com/cgi bin/prog/gateway.cgi?langue=fr&password=&email=&dir=myfile_colloque&type=
jhg54gfd98gfd4fgd4gfdg&id=421&telecharge_now=1&file=a37paules_xavier.pdf

Faleceu no passado dia 2 (noticiado no dia 4 de Novembro) na Suíça onde residia, a escritora Han Suyin (nome de nascimento: Elizabeth Kuanghu Comber)

Autora de vários romances e ensaios históricos, mais de 40 obras , muitas delas relacionadas com a China moderna. O seu primeiro livro foi a “A Many-splendoured Thing  / A Colina da Saudade ” (1), publicada em 1952. Foi escrita em Hong Kong entre Setembro de 1950 e Julho de 1951 quando a autora aí vivia. Uma autobiografia/biografia apresentada em forma ficcionada, com início em Maio de 1949; uma história de amor entre pessoas de diferentes culturas numa cidade (Hong Kong, cidade entre dois mundos), narrado no feminino (com o mesmo nome da autora, Han Suyin), em inglês e do ponto de vista não ocidental.
O livro tem um pequeno capítulo com o título “Fim de semana em Macau” (pp 83-90)
“… Que extraordinária colecção de seres humanos se reúne, em Macau, à volta das mesas do fantã… Jovens camponenses, amahs de túnicas brancas e calças pretas bem esticadas, com longas tranças que lhes pendem pelas costas como flácidas serpentes.Coolies cobertos por estranhos chapéus moles, de pés sem meias calçados de chinelos. Jovens ricos de vistosas gravatas, brilhantes  óculos, cabelos e dentes refulgentes. Empregados de escritório e ladrões, banqueiros e rufiões, prostitutas e criadas, funcionários e alcoviteiros, piratas vindos dos juncos e agentes de polícia de licença.Estávamos de uma alegria esfuziante, essa espantosa alegria que se apossava de nós sempre que estávammos juntos. Púnhamos pequenas quantias num e noutro dos quadros traçados sobre as mesas. O banqueiro tinha diante de si uma pilha de fichas brancas de matéria plástica; tirava de cada vez algumas com um ponteiro branco, até que, restando poucas, se sucedia o número que tinha ganho…”

O livro foi adaptado ao cinema por Henry King em 1955, com William Holden  (Mark Elliott) e Jennifer Jones (Dra. Han Suyin), nos principais papéis. O filme ganhou 3 oscares em 1956: melhor figurino colorido, canção original e banda sonora. A canção tema foi um sucesso, original de “The Four Aces“, foi posteriormente gravado por muitos cantores. (2)
Algumas (poucas) cenas foram filmadas em Macau.
Para além do valor artistico, este filme vale por ser um documentário de Hong Kong de 1955. Filmado em cenários naturais de Hong Kong, temos vistas panorâmicas do porto de Hong Kong, a montanha  (The Peak), ruas com o tráfico intenso de pessoas e veículos, lojas, interiores de restaurantes, exteriores e interiores de residências “coloniais” (uma delas que serviu como cenário para o hospital, já foi demolido), vista de Repulse Bay (o “Repulse Bay Hotel” também já foi demolido, em 1982), o aeroporto de Kai Tak (que também já não existe), a vila piscatória de Aberdeen, o restaurante flutuante, etc.
                              A famosa árvore do encontro dos amantes (3)
Sinopse do filme:
Em 1949, a China se torna  comunista e os refugiados não param de chegar a Hong Kong. A médica eurasiana viúva Han Suyn está sobrecarregada com tantos atendimentos no hospital onde  trabalha que resolve tirar um dia de folga e ir a uma festa da sociedade. Lá, ela encontra o correspondente de guerra americano casado Mark Elliott, que pede para fazer uma entrevista com ela. Os dois se apaixonam mas o homem não consegue o divórcio e a doutora começa a sofrer pressões, tanto em seu trabalho quanto da sua família. Quando inicia a Guerra da Coreia, o jornalista parte para acompanhar o conflito e o casal passa a se corresponder por cartas” (4)
(1) O exemplar que possuo é de 1973.
SUYIN, Han – A Colina da Saudade. Círculo dos Leitores, 1973, 355 p.
(2 ) http://pt.wikipedia.org/wiki/Love_is_a_Many-Splendored_Thing
(3) “The tree , located, apparently somewhere up the hill (the Peak) above the Univerity, or perhaps -more accurately- above the Foreign Correspondents Club
BICKEY,  Gillian – The Images of Hong Kong Presented by Han Suyin´s A Many Splendored Thing and Henry´s Film, Adaption: a comparison and contrast” in “Before and After Suzie: Hong Kong in Western Film and Literature“. The Chinese University Press, 2002, 208 p.  ISBN 962-8072-09-9
(4) http://pt.wikipedia.org/wiki/Love_is_a_Many-Splendored_Thing