Em 24 de Julho de 1901 foi declarada a utilidade pública para expropriação dos prédios existentes nas várzeas de Mong-Há entre a Estrada da Flora (hoje, Avenida Sidónio Pais), Estrada Adolfo Loureiro, Estrada Coelho de Amaral ( o troço desta estrada que vai desde a Avenida de Horta e Costa até à Avenida do Coronel Mesquita teve a designação de Estrada de Mong-Há) e a povoação de Mong Há, no total de cerca de 350 000 m3 para construção de ruas, largos e avenidas do novo bairro que ali vai ser edificado. (1)
“Nos anos da minha infância era uma planura recortada de hortas e várzeas de arrozal, com um lago de água límpida e quadros de vida rural chineses, apenas chamuscada por humildes povoações e esparsas casas de campo. Respirava-se ali o céu aberto, a planura varrida, sem oposição, pela nortada siberiana no pino do inverno ou torriscante, praticamente sem sombra , nos meses prolongados da canícula. Na primavera revestia-se de flores silvestres, no outono carpia toda a melancolia dos ocasos.
Em tempo mais remoto caçavam-se nas várzeas a rola, a narceja, os passarinhos ou pardais do arrozal, os rice-birds que a cozinha do Restaurante Fat Sio Lau tornava saborosíssimos e se comiam assados com oleoso pão torrado em forma triangular e pulverizados por uma pimenta especial. O meu pai falava ainda de almoçaradas de arroz-de-passarinhos amanteigado, um prato hoje inteiramente defunto da gastronomia ou mesa macaenses.
Fora de portas e bucólica, Mong-Há enchia-se de gente de cidade quando se anunciava o circo que nos visitava diversas vezes, instalando-se sempre no mesmo terreno baldio. Então eram dias fora de comum. Embascava-se com os elefantes, os cavalos, os macaquinhos e os papagaios, tolhido de respeito diante das feras enjauladas, os tigres e leões, toda uma fauna nunca vista. Havia depois a parada dos trapezistas, acrobatas, contorcionistas, moças loiras equilibristas e palhaços que, nos entanto, me metiam medo, com as máscaras deformadas pela pintura, vestimenta burlesca sapatos descomunais. Em destaque, o destemido domador das feras, com o seu chicote flagelante.
Certo terreno baldio, que não consegui localizar, servia de teatro para outro entretimento. O futebol. Nessa altura, não havia campo desportivo para modalidade ainda incipiente e abaixo em importância do hóquei em campo. Foi, porém, ali naquele terreno improvisado que se desenvolveu o gosto pela prática desse desporto, com os primeiros encontros entre dois grupos rivais, o Argonauta e o Tenebroso, rivalidade feroz e emocionante que s estendeu até a Guerra do Pacífico. A “cidade cristã” dividiu-se em duas facções, os aficcionados mais exaltados em intermináveis discussões que, amiúde, acabavam em corte de relações e até vias de facto.” (2)
(1) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 4, 1997.
(2) FERNANDES, Henrique de Senna – Mong-Há, 1998.
Anteriores referências a Mong-Há em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/mong-ha/
No dia 10 de Março de 1865, o Comendador Lourenço Marques, em nome dos cidadãos portugueses residentes em Xangai (Shanghai), ofereceu ao Governador José Rodrigues Coelho do Amaral (1) um bastão feito na Inglaterra, para comemorar a sua passagem por esta cidade em Junho de 1864. (2)
Foi um governador com grande iniciativa e de extraordinário dinamismo.
“ … Foi Isidoro Francisco Guimarães que pela sua grande obra que em Macau realizou (agraciado com o título de visconde de Praia Grande) vertebrando a economia de Macau com sólidas e oportunas medidas, que proporcionou ao seu sucessor, o conselheiro José Rodrigues Coelho do Amaral os meios necessários para as notáveis obras de fomento que este realizou em Macau, pelo que o seu nome se encontra perpetuado na estrada que mandou abrir, distinguindo-o a edilidade com o título de Cidadão Benemérito.
…. Aproveitando bem o numerário que o seu antecessor lhe havia deixado nos cofres públicos, e os rendimentos já superiores que então recebia a fazenda, fez desapparecer as portas da cidade; ligou por bons caminhos o bairro christão com o china e os diferentes bairros entre si; alargou os limites da cidade; alterou todo o systema de viação; construiu pontes; abriu novas ruas; e, começando a rua «Marginal», que deixou adiantada, estabeleceu uma das principais artérias de circulação da cidade.” (3)
Em 24 de Junho de 1866, seria o corpo de Voluntários de Hong Kong a oferecer em Macau uma espada ao mesmo governador Coelho do Amaral como sinal de reconhecimento, pela cordial recepção que teve nesta cidade, na sua visita, em 19 de Novembro de 1864. (4)
Em vésperas de regresso à Metrópole, foi alvo duma imponente manifestação de despedida, oferecendo-lhe a província de Macau um brilhante baile nas salas do Teatro D. Pedro V, em 15 de Outubro de 1866, ao qual assistiu o enérgico e insigne Governador de Hong Kong, sir Richard Graves Macdonell (e esposa) que no seu extenso e eloquente brinde, se referiu à «amizade de bom irmão» vindo assistir (4)
Tem uma Estrada, uma Rua e uma Travessa com o seu nome: Coelho do Amaral.
A Estrada de Coelho do Amaral começa na Estrada do Repouso, em frente da Rua Coelho do Amaral, e termina na Av. do Coronel Mesquita, entre os prédios n.ºs 73 e 75.O troço desta estrada que vai desde a Avenida de Horta e Costa até à Avenida do Coronel Mesquita teve, primitivamente a designação de Estrada de Mong Há.
O Governador José Rodrigues Coelho do Amaral com o bastão
(Galeria dos Retratos do Leal Senado)
(1) José Rodrigues Coelho do Amaral (1808-1878) assentou praça na Armada com 17 anos de idade e passou depois para o exército (Corpo de Engenharia) em 1834. Foi um dos primeiros professores da Escola do Exército em 1837. Governador de Macau, nomeado a 7 de Abril de 1863, tomou posse a 22 de Junho; era simultaneamente ministro plenipotenciário de Portugal nos reinos de China, Japão e Sião. Governou Macau até 26 de Outubro de 1866). Em 17 de Julho de 1865, o coronel de engenharia José Rodrigues Coelho do Amaral, Governador de Macau foi promovido ao posto de general de brigada. (4)
Foi posteriormente, ministro da Marinha (1868), Governador de Angola, Moçambique (1870) onde faleceu em 1878 estando sepultado na ilha de Moçambique.
(2) Revista «Mosaico». n.º 7, indica a data de 09-03-1865, mas o próprio Luís G. Gomes na sua “ Efemérides da História de Macau” corrige e refere 10 de Março de 1865.
(3) GOMES, Luís G. – Notícias de Macau, em 19-09-1965.
(4)(GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau).