Archives for posts with tag: Escravatura

Manuel de Saldanha de Albuquerque e Castro, 1.º Conde da Ega.

A 20 de Março de 1758, o Rei de Portugal D. José I, (rei de 1750 a 1777) escreve ao Conde d´Ega, Vice Rei e Governador da Índia (1758-1765):
«Por lei de 19-II-1624, publicada em Goa no mês de Abril de 1625 e logo participada ao Ouvidor de Macau, foi determinado que os chins não podiam nem deviam ser escravos».
No entanto, acharam-se subterfúgios e pretextos, (1) (2) dizendo-se
«que ficariam as crianças expostas ao perigo de as matarem os ladrões  chins que as levam a dita Cidade de Macau para os não apanharem com os furtos nas mãos, no caso de não acharem compradores»; outro é de os pais as matarem eles mesmos para evitar as despesas de as criar;
«como se a culpa alheia e particular dos que cometessem semelhantes barbaridades pudesse bastar escusa de pecado próprio e igualmente bárbaro dos que, debaixo de semelhante pretexto, introduziam e estão sustentando uma escravidão geral, que ainda sendo de 40 anos, como se está praticando e convencionando ao tempo dos baptizados pelo chamado Pai dos Cristãos» (3)
Para arrancar pela raiz este absurdo, o rei determina:
«não haja mais escravidão de chins nem ainda temporal de certos anos; antes, pelo contrário, todos os referidos chins de um ou outro sexo sejam livres»… (…) e «ordenando debaixo de penas que por minha lei se acham estabelecidas contra os que fazem carceres privados e roubam o alheio; que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade ou condição que seja, possa reter os referidos chins como escravos mais de 24 horas, contadas da mesma publicação desta. Anulando e cessando toda a jurisdição temporal, que até agora teve o sobredito intitulado «Pai dos Cristãos» e seus constituídos, para que seja exercida pelos meus Governadores, Ministros Officiais, cada na parte que pelos seus Regimentos lhes pertencem» (4)
(1) 1747– D. Fr. Hilário de Sta Rosa (franciscano, Bispo de Macau 1742 a 1750, segundo C. R. Boxer, foi um dos primeiros e proeminentes a condenar o sistema vicioso) numa representação ao rei D. João V, censura os habitantes de Macau por trazerem «timores furtados, enganados, comprados e trocados por fazendas, fazendo-os escravos …» a gente de Macau (faz o mesmo) com as chinas suas naturais, comprando-as em pequenas por limitado preço (dizem que para as fazer cristãs) e depois de baptizadas e adultas as cativam e reputam suas escravas por 40 anos, sem lei que permita, comprando-as, vendendo-as e dando-lhes (ainda com ferros) como escravas, bárbaros castigos). O prelado e os jesuítas são os campeões da liberdade individual e da libertação dos escravos que, apesar de grandes oposições conseguem alcançar.
(2) Em 1758, O Rei D. José I, proíbe esta escravatura e aboliu o cargo de «pai dos cristãos»; o Senado apressa-se também a lançar pregões para que «nenhuma pessoa de qualquer condição pudesse vender Atais sob pena de perderem os ditos Atais (rapazes escravos domésticos) e Amuis (raparigas escravas domésticas), ou a valia destes e pagarem 100 taeis de pena (e todo o que foi impossibilitado para dita satisfação sera castigado corporalmente como a este Senado lhe parecer), a qual quantia sera aplicada para a reedificação das fortalezas desta cidade» (1)
Na verdade o ministro responsável por este decreto foi o marquês de Pombal, que depois expulsaria de Portugal e de todos os seus domínio, os jesuítas.
(3) O “Pai dos Cristãos” era o missionário incumbido dos chineses que se convertiam. Todos os cristãos chineses ficavam debaixo da jurisdição e vigilância deste padre. Como os jesuítas se incumbiam da conversão dos chineses, o «pai dos cristãos» era um jesuíta. A acção do pai dos cristãos exerceu-se, sobretudo, contra a escravatura, que em Macau se começou a praticar logo após a sua fundação. TEIXEIRA, P.e Manuel – Os Macaenses, 1965
(4) Retirado de SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2, 1997.
Ver “Notícia de 30 de Março de 1758. Carta de El Rey D. José I”, acerca do mesmo problema, postado neste blogue em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/03/30/noticia-de-30-de-marco-de-1758-carta-de-el-rey-d-jose-i/

Extraído de «Gazeta de Macau e Timor», I – 27 de 25 de Março de 1873
Extraído de «Gazeta de Macau e Timor», I – 28 de 1 de Abril de 1873

NOTA: Thomas de Villa Nova Ferrari (1814 – 1873) – curso de Matemática da Real Academia de Marinha em 1931, guarda-marinha em 1833, 2.º tenente em 1843 ,em 1846 – Governador das Ilhas de Cabo Delgado, 1.º tenente em 1850, Capitão Tenente em 1859, atingiu posto máximo de Capitão-de-fragata em 1859. Embarcou em várias corvetas (entre elas, a sua última missão a Macau no «Duque de Palmela»), (1) escunas, brigues e fragatas. Maçon, iniciação antes de 1869. (2)
Anteriores referências à corveta «Duque de Palmela” (1) em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/corveta-duque-de-palmela/
(1) D. Pedro de Sousa Holstein (1781–1850), conde (1812), 1.º Marquês de Palmela (1823) e 1.º Duque do Faial (1833),  depois 1.º Duque de Palmela, concedido em vida (1833) e depois, em 1850, foi tornado de juro e herdade. Foi militar, político, diplomata e herói das Guerras Liberais. O Duque de Palmela foi o representante de Portugal na assinatura do tratado com a Inglaterra (Lord Aberdeen) sobre a abolição da escravatura, no dia 3 de Julho de 1842.
(2) VENTURA, António – A Marinha de Guerra Portuguesa e a Maçonaria. Nova Veja, Limitada,  2013, 247 p.

No dia 22 de Abril de 1773, o Senado, em face da fuga de muitos cafres,(1) resolve prendê-los dois a dois com correntes de ferro, e depois, sob a direcção de uma pessoa eleita pelo Senado, seriam forçados a trabalhar «alimpando as ruas desta cidade e suas Fortalezas» dando-se a cada um 25 cates de arroz por mês e 2 condorins de peixe por dia.(2)
(1) Cafre – Palavra que deriva do árabe Kafir, que significa gentio ou infiel. Relativo às populações bantos, não muçulmanas da África Meridional. Habitante da Cafraria, antiga colónia inglesa que abrangia a região da Cidade do Cabo, na República da África do Sul, e algumas regiões adjacentes. Moços de fretes ou criados eram também tratados por cafres ou bichos.(3)(4)
Designação que abrangia negros oriundos da África Oriental. Da costa ocidental do referido continente eram chamados simplesmente de negros.(6)
NOTA: Aconselho a leitura do trabalho académico “Macau: Uma sociedade Esclavagista (sec. XVI – XVIII)?” de Daniel Valenzuela Tavares (5), do qual retiro algumas informações sobre os cafres em Macau:
“ (…) Noutro quadro social, Peter Mundy relata o jogo espanhol de alcanzias que decorria na cidade na Praça de S. Domingos, afirmando que, entre a população, metade eram mouros e a outra metade cristãos, cada um com os seus negros ou cafres envoltos em damascos, e enquanto estes levavam lanças com pendões onde estavam pintadas as armas dos seus senhores, cabia a cada negra servir o seu senhor com uma bola” (p. 260).
“ (…) Destes (escravos) o autor destaca que os homens eram na sua maioria cafres de cabelo encaracolado e as mulheres eram na sua maioria chinesas.” (p. 265).
“ (…) É também possível observar aqui as diferentes etnias que formavam o quadro social escravo de Macau. As etnias presentes neste martírio (refere-se ao martírio da embaixada da cidade de Macau no Japão) eram das mais variadas origens, referindo-se o autor aos escravos “cafres, malavares, chinas, chingalas, malayos, bengallas, macaçares, jaos e d’outras nações“. (p. 264)
Outras referências aos cafres, também se encontram no trabalho académico de Anabela Nunes Monteiro (6) (sugiro a sua leitura)
Zheng-zhi-long com a fortuna herdada, comprou um barco e dedicou-se ao comércio, estabelecendo contactos com o Japão, Manila, Sião, Índia e com os próprios portugueses. Entre os seus homens encontravam.se inúmeros cafres que haviam escapado à escravatura, nas mãos de portugueses e castelhanos. (p.112)
diremos que é provável que os cafres que Bocarro indica sejam da costa oriental africana e que tivessem chegado a Macau, via Goa” (p.144)
Se os escravos chineses eram bem aceites entre a comunidade mercantil de Macau, o mesmo tratamento não devia existir em relação aos cafres, perpetuando-se, mesmo, um certo horror, devido à ferocidade destes em caso de ataque.” (p. 145)
Ver também anteriores referências aos escravos, neste blogue:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/escravos/
(2) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2,1997.
(3) CARMO, Maria Helena do – Os Interesses dos Portugueses em Macau, na Primeira Metade do Século XVIII. Centro de Publicações, Universidade de Macau, 2000, 92 p. + 24 p anexos documentais, ISBN: 972-97842-9-9.
(4) Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: https://dicionario.priberam.org/cafre
(5) TAVARES, Daniel Valensuela — Macau: Uma sociedade esclavagista (séculos XVI-XVIII)?. Omni Tempore. Atas dos Encontros da Primavera 2017. Volume 3 (2018), pp.244-269.
https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/16250.pdf
(6) MONTEIRO. Anabela Nunes – Macau e a presença portuguesa seiscentista no Mar da China. Interesses e estratégias de sobrevivência. Dissertação de Doutoramento em História, 2011.
file:///C:/Users/ASUS/Documents/PARA%20ELIMINAR%20-%20DOWNLOADS/Tese%20de%20Doutoramento_Macau%20e%20a%20Presen%C3%A7a%20Portuguesa%20Seiscentista%20no%20Mar%20da%20China%20_Anabela%20Nunes%20Monteiro.pdf

Notícia de 7 de Outubro de 1828 – O mandarim tchó-t´ong (1) proibiu as lojas chinesas de vender vinho aos escravos negros e marinheiros, por o Procurador da Cidade ter pedido a prisão dos donos de quatro lojas da Prainha, cujo negócio principal era o de fazer embarcar mouros e marinheiros criminosos, em navios que os levavam para fora de Macau, a troco dos furtos com que estes pagavam a sua liberdade.
GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954

(1) Tchó-t’óng ou Tso-tang ou Zuotang – Além da constante intervenção  política do Mandarim da Casa Branca (Qianshan) do Distrito de Xiangshan e do Mandarim do Hopu (alfândega Chinesa), em 1736, as autoridades chinesas impuseram um mandarim local, Zuotang, residente a norte da Península de Macau, que passou a exercer plena autoridade, a partir de 1797. No século XIX, com o governador português, João Ferreira do Amaral, este poder dos mandarins foi drasticamente reduzido.

Além dos escravos, os portugueses tinham as suas escravas; os primeiros eram os moços cafres, as segundas, as «bichas» chinesas; e estas eram de vida fácil  e fecunda. Dava-se-lhes o nome de «criação»; recebiam no baptismo os apelidos dos seus donos e realmente criavam muitos filhos próprios e alheios.
Exagero ?
Ora vejamos. O comandante da fragata N. Sra. da Penha de França, Nicolau Fernandes da Fonseca, que veio de Lisboa a Macau e fez o relatório da sua viagem, escrevia acerca das mulheres de Macau, em Janeiro de 1776:
«Quanto às mulheres as mais principais, são bastantemente recatadas e quando saem fora é dentro de seus palanquins. O seu trajo é ridículo, à excepção de algumas que se vestem à europeia com saia e manto. A sua condição é de serem soberbas e preguiçosas, porque, além dos filhos, nada mais fazem.
…As ordinárias que são chinas resgatadas ou filhas de escravas, como não têm estímulo de honra e também as domina a preguiça, são prontas a se facilitarem, principalmente com os estrangeiros, em razão do dinheiro e fatos que lhes dão...» (1)
O Dr. Soares (2) que cita isso, continua:
«Sobretudo a peculiaridade do lar não podia ser, de facto, condição de importância menor. A par dos escravos para os serviços grosseiros e pesados – «os moços cafres» sinónimo de africanos, de portas a dentro havia sempre inúmeras criadas – umas, escravas indianas ou principalmente malaias – «bem dispostas, proporcionadas e pela  maior parte formosas – outras, as «bichas», raparigas chinesas, tidas como resgatadas, pelo eufemismo de primeiro as baptizarem, todo este pessoal a aumentar, à medida que os filhos do casal nasciam, tudo englobado no termo genérico de «criação»
(1) TEIXEIRA, P.e Manuel – Os Macaenses. Centro de Informação e Turismo, 1965, 99 p.
(2) SOARES, José Caetano – Macau e a Assistência. Edição da Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1950, 544 p.

“Durante o século XVIII, os criados eram escravos trazidos da África e de Timor, criaturas geralmente dóceis e cuja lealdade e valentia constituíam a salva-guarda das casas portuguesas na ausência dos donos.
Em algumas casas havia por vezes mais de trinta, entre homens e mulheres, casados entre si.
Geralmente eram bem tratados e alguns houve que, receberam ricos legados.
Os padres eram caridosos para com os escravos negros, chegando êstes a ter expostos à sua veneração, na igreja de S. Francisco (1), imagens de santos negros.
Além destes escravos, havia chineses vendidos aos portugueses, desde a infância. Esta escravidão foi proibida por D. José.” (2)
              MAPA DA CIDADE DE MACAU 1796 POR B. BAKER (3)

(1) Igreja de S. Francisco foi demolida em 1861 (Convento e Igreja, construídos por franciscanos) para ser construída o Quartel de S. Francisco (1864-1866).
(2) COLOMBAN, Eudore – Resumo da História de Macau. Macau, 1927, 149 p.
 (3) De Rise & Fall of the Canton Trade System Gallery: Places
http://ocw.mit.edu/ans7870/21f/21f.027/rise_fall_canton_04/cw_gal_01_thumb.html
NOTA: Embora referenciado no site anterior como de B. Baker, este foi o “gravador”. O mapa estava incluído no Atlas do “Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China” de George Leonard Staunton.  Este acompanhou a primeira embaixada britânica à China entre 1792-1794, sob o comando do embaixador Earl George Macartney (1737-1806)
http://www.elke-rehder.de/Antiquariat/Staunton-China-Art.htm