A propósito da notícia “O Centro Hospitalar Conde S. Januário celebrou o 140º aniversário” (1), recupero a leitura do Relatório do “ESTUDO DA ACTUALIZAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO HOSPITAL CENTRAL CONDE DE SÃO JANUÁRIO DE MACAU, de 1951, apresentado em 19-02-2012 no:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/02/19/hospital-central-conde-s-januario-i/
Este relatório da autoria de José dos Santos Baptista (Chefe de repartição Técnica das Obras Públicas) e Dr. Abel de Carvalho (Médico-radiologista do quadro Complementar de Cirurgiões e Especialistas da Província de Macau) focava o estado degradante da estrutura e dos serviços do velho Hospital Militar de Sam Januário (2), inaugurado em 1874. Apesar das alterações e ampliações ao longo do tempo, a limitação dos espaços inadequados para uma boa assistência hospitalar levaram a que neste Relatório, os autores propusessem a sua demolição (que aconteceu em 1952) e construção do novo Hospital (o primeiro bloco do novo edifício foi inaugurado a 10 de Junho de 1953).
PLANTA DO 1.º PAVIMENTO (rés-do-chão) do HOSPITAL MILITAR (3)
Transcrevo as conclusões da primeira Parte (4) em que relata o Estado actual do edificio:
“1 – Localização e orientação:
– O hospital Central Conde de S. Januário pela sua situação e orientação do edifício principal de hospitalização, está idealmente situado. Fronteiro ao mar, isolado, e ao mesmo tempo com acessos rápidos de qualquer ponto da cidade por intermédio de várias artérias que limitem ou terminem no Hospital
2 – Distribuição dos serviços:
A distribuição dos serviços por pavilhões dispersos pela área do recinto hospitalar tem sempre inconviniente vários e graves, mormente quando o número de médicos e do pessoal de enfermagem é pequeno.
As cotas diferentes em que estão implantados os pavilhões de isolamento, separam-se por completo do resto do Hospital durante os períodos de tufão este que coloca 108 doentes sem possibilidade de quaisquer socorros urgentes que possam necessitar durante esse período
3 – Aspecto geral:
O Hospital Central Conde de S. Januário, o único dos três hospitais existentes em Macau, administrado directamente pelo Governo, foi inaugurado em 6 de janeiro de 1874 como Hospital Militar, de planta inspirada, conforme confesse o autor do projecto, “na do afamado Hospital de S. Rafael, na Bélgica” com um corpo principal e que perpendicularmente iam ligar-se as várias enfermarias gerais, cada uma com a lotação de 20 camas. Além destas enfermarias havia ainda uma enfermaria para subalternos, uma enfermaria e quartos-prisão, uma secção de pequenos isolamentos e quatro quartos para oficiais, num total de 100 camas.
Brevemente se verificou que a solução era incompleta, donde sucessivas alterações ou ampliações, a alterar a unidade e o equilíbrio do conjunto.
Enveredou-se pelas soluções de momento, sem orientação, a merce de critérios isolados, flagrantes quando hoje olhamos plantas antigas e vemos o Gabinete do Director do Laboratório Bacteriológico transformado em Capela, o Laboratório Bacteriológico em Maternidade, os Serviços administrativos em Enfermaria para mulheres, o Arquivo em quarto de 2.ª classe …
PLANTA DO 2.º PAVIMENTO (1.º andar) do HOSPITAL MILITAR (3)
Esta contradança de utilizações se demonstra um certo desnorteamento, afirma também a falat de carácter do traçado original. É certo que não podemos exigir a face do conceito moderno do Hospital, que o traçado fosse hoje aproveitável, tanto mudaram nestes últimos 77 anos os fins, as intenções, os processos de assistência hospitalar.
Também o seu aspecto exterior não pode inspirar confiança à comunidade que serve. Sem estilo definido, sem um detalhe que o caracterize como hospital, só com umas ameias e justificar a palavra “Militar” na placa “Hospital Militar” que ainda hoje ostente na fachada principal, pela mesma teoria que obriga qualquer praça de toiros a ter pelo menos as portas em estilo mourisco.

Já a nota crítica publicada então no boletim da Real Sociedade de Arquitectura e Arqueologia de Lisboa dizia “ muito embora as fachadas lembrem estilos orientais e ao mesmo tempo apresentem reminiscências de edificações britânicas, talvez por estarem naquelas regiões” a anotar delicadamente aquilo que o senhor Secretário do Governo, orador oficial no acto da inauguração, afirmou entusiasmado: –
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“O viajante que há um ano tivesse deixado estas hospitaleiras praias, ao regressar comtemplaria hoje, estupefacto, este esplêndido edifício.
Julgar-se-ia transportado a um palco cénico, em que os bosques, os palácios, as cavernas e as praias se sucedem vertiginosamente”(5)
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O Senhor Secretário do Governo, disse honestamente o que lhe sugeria o edifício que olhava. Tudo, menos um hospital.
Em 1951, também não lhe podemos chamar um hospital.
O confronto com o Hospital de S. Rafael, a cargo da Santa Casa da Misericórdia e o Hospital Kiang Wu sustentado pela comunidade chinesa, é desfavorável ao Hospital do Governpo como também é conhecido o Hospital Central Conde de São Januário.
Nega gritantemente a realidade da nossa cultura, o impulso humano dos nossos conceitos morais.
Urge transformar o Hospital Central Conde de São Januário, elevá-lo como padrão animado de sentido social a afirmar o que somos, irmão gémeo daqueles que espalhamos generosamente pelas praias do Mundo a dizer o que éramos e ao que vínhamos.”
(1) «Hospital Público quer “melhorar” serviços» in Jornal Tribuna de Macau, 7 de Janeiro de 2014 ( www.jtm.com.mo)
(2) O Hospital Militar de S. Januário, delineado pelo ilustre macaense António Alexandrino de melo, Barão do Cercal, foi benzido pelo Governador do Bispado P. António Luís de Carvalho e solenemente inaugurado no dia 6-1-1874, pelo Governador Visconde S- Januário. Até essa data, o Hospital funcionava no Covento de Santo Agostinho.
GOMES, Luís Gonzaga – Efemérides da História de Macau. Notícias de Macau, 1954,267 p.
HOSPITAL CENTRAL CONDE S. JANUÁRIO (década de 60)
A ideia inicial do nome era invocar o Santo São Januário (século III; Bispo da cidade de Benevento, mártir por ordem de Diocleciano, o último imperador que perseguiu os cristãos). Só posteriormente, as sucessivas denominações se referiam ao Governador que o inaugurou: Hospital Geral Visconde de S. Januário, Hospital Geral do Governo, Hospital Conde de S. Januário, e finalmente Hospital Central Conde S. Januário. A substituição deste último, passou a ser, Centro Hospitalar Conde S. Januário
(3) Estas são duas reproduções fotográficas que se fizeram da planta do “velho” hospital. Os negativos das fotografias encontram-se anexas ao relatório.
(4) O relatório está dividido em duas partes, a I Parte refere-se ao estado actual do Hospital Militar; a II Parte apresenta o projecto do novo hospital.
(5) Conforme está no Relatório: letras dactilografadas a vermelho