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No dia 26 de Maio de 1955, realizou-se no Salão Nobre do Leal Senado a 5.ª e última sessão cultural, promovida pelo Círculo Cultural de Macau, sob o alto patrocínio e orientação do Governador, Almirante Joaquim Marques Esparteiro. (1)

Foi conferente o oficial superior do Exército, Major Acácio Cabreira Henriques (2) que proferiu uma conferencia subordinada ao tema «Monumentos Nacionais existentes na Província de Macau»

Referente ao tema da sua conferência, na sua primeira parte: I- Monumentos Religiosos referiu o seguinte:

Postal da colecção “Ruínas de S. Paulo” (3)

“Nestes monumentos se encontram as melhores relíquias legadas pelos nossos antepassados e que são o verdadeiro testemunho dum povo que sempre tem vivido da crença e tradição religiosa”. Em primeiro lugar à maior e mais veneranda relíquia desta cidade do «Nome de Deus», as «Ruínas da Igreja da Madre de Deus (vulgo S. Paulo)», cuja história se encontra ligada à da Companhia de Jesus. Os primeiros jesuítas que aqui se estabeleceram foram os padres Francisco Peres e Manuel Teixeira que, acompanhados do irmão André Pinto, chegaram a Macau em 26 de Julho de 1562, os quais, ao que parece, foram encarregados se erigir o primeiro hospício e igreja fundados em 1565, junto da Ermida de Santo António, mas que um incêndio destruiu em 1594. Pensou.se então em construir uma nova igreja segundo um projecto de que foi autor um jesuíta genovês, o Beato Carlos Spínola, martirizado no Japão, em 10 de Setembro de 1623, sendo o projecto executado pelos cristãos japoneses refugiados em Macau. O projecto não incluía a fachada, pois esta foi baseada, talvez na fachada da igreja dos jesuítas, na Bélgica, e existente na cidade de Anvers.

Começada provavelmente em 1602, como o atesta uma lápide existente no cunhal da direita da fachada, esta nova igreja, cuja fachada foi completada em 1637, ficou com o título de Imaculada Conceição, conforme decretou em 1646 o Rei D. João IV. Da destruição do incêndio de 26 de Janeiro de 1835, apenas se salvou a fachada que ainda hoje representa o monumento de maior valor artístico da Província.” (4)

Postal da colecção “Ruínas de S. Paulo” (3)

Depois de uma breve descrição arquitectónica das actuais Ruínas, o orador afirmou:

“Pena é que a Igreja da Madre de Deus, um edifício de tanta grandiosidade, não seja reconstruído, dentro das suas primitivas linhas, para que a cidade contemple, de novo, o sumptuoso templo, levantado à honra da sua protectora, testemunho da ardente fé e devoção dos filhos de Macau. Felizmente, porém, a Providência tem servido de sentinela, velando pela conservação da fachada, a mais preciosa jóia da cidade do Nome de Deus», permitindo que há mais de três séculos venha resistindo às inúmeras tempestades, principalmente, aos tufões que têm assolado a cidade” (4)

(1) Esta conferência seria publicada integralmente pelas Edições “Circulo Cultural de Macau”, em 1956. HENRIQUES, Major Acácio Cabreira Henriques – Monumentos Nacionais Existentes na Província de Macau. Edições “Círculo Cultural de Macau”, 1956, 58 p. (23, 5 cm x17,3 cm). Ver em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2019/05/26/noticia-de-26-de-maio-de-1955-iii-ciclo-de-conferencias-culturais-monumentos-nacionais-existentes-na-provincia-de-macau/

(2) Em Macau, foi Comandante do Agrupamento Misto das Forças da Guarnição, chefe da secção de Justiça, Presidente da Comissão de Compras e Presidente do Conselho Administrativo do Comando Militar de Macau. Foi louvado quatro vezes pelos desempenhos das suas funções em Macau, como Chefe da Seção de Justiça, Presidente da Comissão de Compras e Presidente do Conselho Administrativo do Quartel General e ainda, pelas suas qualidades de bom senso, lealdade e camaradagem demonstradas nas inspecções por ele realizadas aos diversos materiais pertencentes ao Comando Militar da Província. https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/acacio-cabreira-henriques/

(3) Uma colecção de 6 postais com a temática “Ruínas de S. Paulo”, uma edição da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau (para publicar em postagens posteriores)

(4) Informações do «MBI», ANO II, n.º 47, pp. 6-7

A igreja principal é a Sám-Pá (São Paulo), que fica a nordeste  de Macau, encostada a uma montanha e tendo de altura vários tch`ân (2,64 metros). Na parte lateral do edifício, abrem-se portas feitas com estreitas e compridas pedras esculpidas e incrustadas com ouro azulado, que brilham fulgurantes. A parte superior parece-se com um docel voltado. Os lados são rendilhados, encontrando-se espalhados neles admiráveis jaspes. Aquela que dizem ser a Mãe do Céu chama-se Maria. A sua figura é de uma jovem abraçando uma criancinha que se chama Jesus Senhor do Céu. O fato não é cosido e cobre todo o corpo que, desde a cabeça, é revestido duma simples pintura e dum véu esmaltado. Em se olhando para ela, dir-se-ia que foi moldada. Ao lado, encontram-se trinta figuras. A sua mão esquerda segura a esfera armilar. Os quatros dedos da direita fazem lembrar o gesto de quem discursa. Os cabelo e as sobrancelhas são hirtos como se estivesse zangada. As orelhas são caracterizadas por pesados lóbulos; o nariz alto; os olhos  como se estivessem a contemplar qualquer cousa distante; a boca, com a atitude de quem quer falar.
Na parte superior do templo há uma casa onde guardam os instrumentos musicais. Tem uma torre de marcação de tempo com um enorme sino. Génios voadores (anjos), instalados nos cantos da torre vão de encontro ao sino, sendo movidos por um maquinismo, e, conforme a hora, fazem soá-lo” (1)

As ruínas da Igreja de S. Paulo, 1870 (2)

Recorda-se que o incêndio da Igreja construída em 1602, contígua ao Colégio jesuíta de S. Paulo ocorreu a 26 de Janeiro de 1835. A igreja era feita de taipa e madeira estava ricamente decorada e mobilada, de acordo com os relatos de viajantes da época. 
Padre Manuel Teixeira na sua obra: “A Educação em Macau” (3) descreve:
Tinham soado as 18 h. quando o fogo começou de atear-se no Colégio de S. Paulo e no primeiro quarto depois das 20 h., aquela  grandiosa fábrica -igreja e colégio – não era mais que u montão de cinzas. Ficou apenas de pé a imponente fachada e os paredões laterais.
O ministro protestante George Smith informa ” Durante os primeiros anos da minha residência em Cantão, foi infelizmente tudo destruído pelo fogo, excepto a fachada, descrita pelos visitantes da Índia como a mais imponente e bela de todas as igrejas do Oriente, sem exceptuar as de Goa, capital da Índia Portuguesa. A fachada (4) ainda está de pé mui pouco danificada. A catedral (aliás Igreja) erguia-se num alto à sombra das paredes da fortaleza do Monte e levavam a ela 130 degraus de granito duma largura de 20 a 80 pés, e estes estão como antes.”
A igreja media 160 palmos de comprimento e 84 de largura, e as paredes 50 palmos de altura, sendo construída sobre o modelo de S. Paulo  de Goa.
Existe uma inscrição da pedra da esquina ocidental da fachada mostra que a igreja era dedicada a Madre de Deus.
Veneravam-se na igreja de S. Paulo as seguintes relíquias:
 – O úmero do braço de S. F. Xavier, que hoje está na igreja de S. Francisco Xavier em Coloane,
 – Um crucifixo de prata com relíquias de S. lenho, da túnica do Senhor e da lança,
 – Uma cruz de cristal com o santo lenho e a assinatura de S. Inácio,
 – O relicário e cálix de S. F. Xavier.
Todas, excepto o primeiro, arderam no incêndio.
Havia ainda 15 caixões de relíquias dos que deram a vida pela fé no Japão, China e Cochinchina, incluindo André, proto-mártir da Cochinchina; estas conservaram-se em 18 caixas na Sé Catedral, sendo a 5-10-1974, transferidos para a igreja de S. Francisco Xavier em Coloane (5)”

Ruínas de S. Paulo, 1955 (?) (6)

Sobe-se hoje à imponente Fachada por uma escadaria de 8,10 m, com um total de 68 degraus. A Fachada mede 18,30 m de altura; acrescentando 1.74 da cruz com a sua base, que encima o tímpano, temos um total de 20, 40 m; de largura mede 19.30m” (3)
 (1) OU-MUN KEI-LÉOK Monografia de Macau por Tcheong-U-Lam e Ian-Kuong-Iâm. Tradução do chinês por Luís G. Gomes. Editada pela Repartição Central dos Serviços Económicos- Secção de Publicidade e Turismo, Macau. Imprensa Nacional, 1950, 252 p.
NOTA :  Mais informações do livro OU-MUN KEI-LEOK, ver anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/08/09/leitura-ou-mun-kei-leok-monografia-de-macau/
(2) Foto de John Thomson (1837-1921), retirada de Wellcome Collection:
http://catalogue.wellcome.ac.uk/search/a?SEARCH=thomson%2C+j+john&searchscope=5&submit.x=29&submit.y=12
(3) TEIXEIRA, Padre Manuel – A Educação em Macau. Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, 422 p + |10|
(4) A fachada de pedra trabalhada foi construída entre 1620-27 por cristãos japoneses expulsos do Japão e artistas locais sob a orientação do jesuíta italiano Carlo Spinola.
(5) Posteriormente algumas dessas relíquias (ossos dos mártires do Japão e Vietname) foram transferidas para o Japão e o restante, foram transferidos para o Museu de Arte Sacra e Cripta-capela construída no espaço outrora  ocupado pela capela-mor da igreja e localizada actualmente no recinto interior da ruínas de S. Paulo, aberto ao público em 1997. Esses ossos encontram-se em relicários abertos  nas paredes laterais.
(6) Foto retirado do livro “”Macau, terra de lendas“; ver anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/03/17/leitura-macau-terra-de-lendas/