Archives for posts with tag: Carlos Craveiro Lopes

Em princípios de 1854, andava na costa da China nas imediações da cidade de Neng-Pó (Ningbo-寧波) (1) onde tinha a sua base, um pirata chamado Apak, que gozava de impunidade absoluta pois os mandarins nada podiam (ou não queriam pois toleravam a situação mediante a irresistível peita) fazer perante uma esquadra constituída por um junco Haipó (barco caranguejo) de grandes dimensões, armado com 32 peças (2) e por outras seis velozes taumões (T´au mang – cabeça violenta – barco com 3 mastros para transporte de carga) mais pequenos e tripulados por aguerridos piratas. A esquadra surpreendia desprevenidamente no alto mar e longe da terra os juncos mercantes cumulados de valiosas fazendas ou aqueles como as lorchas mercantes portuguesas de Macau que transportavam carregamentos mais preciosos.
Para evitar os constantes ataques e pilhagens com prejuízos à navegação e ao comércio de Macau, o Governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães mandou a corveta D. João I, (3) partir de Macau, em 14 de Maio de 1854, com destino ao porto de Neng Pó, fazendo escala por Hong Kong e Amoy. Entrou em Hong Kong no dia seguinte e largou a 17 para Amoy.
Fundeou diante da cidade de Neng Pó a 22 de Junho. Dois dias depois da chegada, o comandante e os restantes oficiais envergando uniforme de gala apresentaram cumprimentos ao Tau-tai (mandarim de Neng Pó), visita que foi retribuída, no dia 28 sendo, nessa ocasião, a autoridade chinesa saudada, tanto à entrada como a saída da corveta, com uma salva de três tiros, de conformidade com a pragmática do país.
E quatro dias mais tarde, tiveram início as negociações com as autoridades locais (acompanhava a delegação macaense, o sinólogo macaense João Rodrigues Gonçalves) pois a missão do comandante Craveiro Lopes era exigir das autoridades competentes uma satisfação oficial e se possível uma adequada indemnização pecuniária pelos danos causados ao comércio português, negociações essas que falharam quanto à indemnização pedida.
A 6 de Julho, a corveta fundeou na boca de um afluente do rio Iông (4), entre Neng Pó e Com-Po, onde estavam os barcos dos piratas, alinhados junto à terra. Juntou-se à corveta, dezanove lorchas de Macau que já se encontravam em Neng Po.
Ao amanhecer do dia 10 um taumão tentou evadir-se saindo do rio sendo impedido. Pelas 9.00 hora tendo recebido um oficio do vice-cônsul inglês, que foi informado pelo da decisão portuguesa de responder a qualquer represália,  o comandante da corveta capitão-de-fragata Carlos Craveiro Lopes (5) reuniu o conselho de oficiais, ficando resolvido fazer-se fogo contra os barcos piratas, no caso deles continuarem a não obedecer às suas intimações. Pelas 11 horas silvou uma bala por entre os mastros da corveta, tendo Craveiro Lopes içado a bandeira nacional no tope do mastro da gata da corveta – sinal combinado com as 19 lorchas para romper o fogo – e consequentemente lançaram ferro e fogo sobre os taumões estabelecendo o pânico entre os piratas que abandonaram precipitamente os seus barcos, deixando além dos estragos, os mortos e feridos. As equipagens da corveta e das lorchas devidamente armadas, não perderam tempo em se meterem nos seus escaleres, para se lançarem à abordagem dos taumões que se encontravam sem viva alma mas atestados de riquíssimo despojos – uma enorme quantidade e variedade de armas brancas e de fogo, caixas de bolas de ópio, riquíssimas cabaias de delicadíssimo brocado, muito delas bordadas a primor, figuras de marfim, barro e madeira, charões, vasos, porcelana, (“sendo tudo escaqueirado”, segundo Padre Teixeira). A artilharia foi recolhida a bordo da corveta, excepto aquela que era demasiado grande e pesada, que foi lançado ao mar.
Seis dos juncos dos piratas encontravam-se em mau estado pelo que Craveiro Lopes resolveu mandá-los afundar no próprio local depois de terem sido inutilizadas as peças A este combate puseram os marinheiros portugueses o nome de «combate das cabaias»
As negociações com as autoridades chinesas continuaram até finais de Julho, acabando aquela por satisfazer toas as exigências incluindo o pagamento de uma indeminização de 3 000 pesos. No dia 11 de Agosto foram afixados editais por parte do Governo da China e do Cônsul Português em Neng Po, Francisco Marques, com as declarações que a questão com os portugueses se achava terminada e que entre as duas Nações continuavam a existir as antigas relações de comércio e amizade.
Todos os membros da guarnição na corveta tiveram direito ao seguinte averbamento nas suas notas de assentamento «Ataque e aprisionamento pela corveta D. João I das forças navais do pirata Apak, no rio Yung-Kiong, em 10 de Julho de 1854»
(1) Neng Pó ou Ning Pó actual Ningbo (寧波) (Meng-Tchau como era conhecida na dinastia Meng) e o Porto de Neng Po, (Port of Ningbo-Zhoushan 宁波舟山港) ficam na Província de Zhejiang (Chekiam / Tchit-Kóng), no norte da China. Para o norte, a baía de Hangzhou separa Ningbo de Xangai; a leste fica Zhoushan no Mar da China Oriental; no oeste e no sul, Ningbo faz fronteira com Shaoxing e Taizhou, respectivamente.
A cidade de Ningpo foi identificada, erradamente, como a famosa Liampó citada por Fernão Mendes Pinto e João de Barros No entanto, hoje, segundo investigadores, identifica Liampó com a actual Zhenhai (鎮海 – Tchân-Hói), na embocadura do rio Iông (Yung) – um distrito municipal em Ningpo.
Ver:
https://en.wikipedia.org/wiki/Ningbo
https://en.wikipedia.org/wiki/Zhenhai_District
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/11/04/noticia-de-4-de-novembro-de-1843-conferencia-luso-chinesa-em-cantao/
(2) Algumas das peças faziam parte do armamento da malograda fragata D. Maria II, que no dia 19 de Outubro de 1850, teve uma explosão na Ilha da Taipa.
Ver anteriores referências em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/fragata-d-maria-ii/
(3) A corveta D. João I largou de Lisboa a 6 de Outubro de 1853 sob o comando do capitão-de-fragata Carlos Craveiro Lopes para a segunda comissão na estação naval de Macau, fazendo escala pelo Cabo de Boa Esperança e Timor. Veio como imediato do navio o 1.º tenente Joaquim de Fraga Pery de Linde e faziam quartos os tenentes Zeferino Teixeira, João António da Silva Costa, José Maria da Fonseca e João Eduardo Scarnichia. O médico era Faustino José Cabral.
Ver anterior referência em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2018/04/20/leitura-a-corveta-d-joao-i-e-o-ultramar-portugues/
4) Rio Yong – 甬江, um dos principais rios da China localizado em Ningbo. Formado pela convergência de dois rios rio Fenghua e rio Yao.
(5) Carlos Craveiro Lopes (1807 – 1865) militar português.. Ver biografia em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Craveiro_Lopes
Informações recolhidas de
GOMES, Luís Gonzaga – Páginas da História de Macau, 2010.
MONTEIRO, Saturnino – Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, Vol VIII (1808-1975), 1997, pp 109-110.
TEIXEIRA, Mons. Manuel – Marinheiros Ilustres Relacionados com Macau, 1988, p.91.

Deste livro, (1) transcrevo os dados históricos da corveta «D. João I» relacionados com as comissões em Macau; alguns dados não são condicentes com o publicado nas minhas postagens anteriores (2), dados esses que na altura recolhi do Arquivo Histórico da Marinha (3)
Pelo seu armamento em Goa, assumiu o comando o capitão de mar e guerra José António Marcelino Pereira e entrou pela primeira vez no porto de Lisboa, ido de Goa em 1831. O Governo francês, nas lutas entre liberais e miguelistas, tomou conta de vários navios de guerra portuguesa, entre eles, a corveta «D. João I» que enviou para Brest em 11 de Julho de 1831.
Após negociações ao fim de três anos, foi resgatada em 1834, tendo uma guarnição portuguesa chefiada pelo capitão-tenente João Maria Ferreira do Amaral partido e trazido de Brest com partida a 25 de Julho e chegada ao Tejo a 30 de Julho de 1834.

http://portalbarcosdobrasil.com.br/bitstream/handle/01/643/003101.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Na sua oitava comissão (a primeira em direcção a Macau), saiu a 23 de Outubro de 1849, sob o comando do capitão-tenente Isidoro Francisco Guimarães, para a estação naval da América do Sul e dali para a de Macau em viagem sem escalas. Chegou ao seu destino, depois de 105 dias de viagem, isto é, a 25 de Abril de 1851. O comandante Guimarães deixou o comando ao oficial imediato, capitão-tenente Domingos Roberto de Aguiar, em 19 de Novembro por ter sido nomeado Governador de Macau.
A corveta partiu de regresso a Portugal a 27 de Dezembro e chegou a Lisboa em 18 de Agosto de 1852.
Na sua décima comissão, a missão de corveta era exigir das autoridades chinesas uma satisfação oficial e pecuniária pelas depredações e injúrias feitas ao comércio marítimo português pelo famoso pirata Apack que na altura havia atacado e roubado diferentes lorchas macaístas. Largou a 6 e Outubro de 1853 sob o comando do capitão-de-fragata Carlos Craveiro Lopes para a Estação Naval de Macau com escala pelo Cabo de Boa Esperança e Timor.  
Era imediato do navio o 1.º tenente Joaquim de Fraga Pery de Linde e faziam quartos os tenentes Zeferino Teixeira, Silva Costa Fonseca e João Eduardo Scarnichia.
O médico era Faustino José Cabral. Seguiam embarcados 10 guarda marinhas (entre estes Carlos Eugénio Correia da Silva (mais tarde conde de Paço d´Arcos)
Em 1 de Fevereiro de 1854 navegava no arquipélago de Sonda com mar de vaga larga, vento oesnoroeste fresco e céu limpo. Sucederam-se calmas, ventos variáveis e trovoadas que cansaram extraordinariamente a guarnição, pelas repetidas manobras que teve de fazer.
Seguia como intérprete o hábil e honesto João Rodrigues, de Macau. Uma parte da esquadra do pirata encontrava-se entre Ning-Pó e Compó, na força de 6 táo-maus ou juncos e 1 haipó, de 32 peças de artilharia. Parte desta artilharia havia sido da fragata D. Maria II, destruída em Macau pela explosão do seu paiol da pólvora.
Em Macau, cedeu à canhoneira «Camões», 12 carabinas pelo que ficou reduzida a 54 visto terem-se inutilizado as restantes.
Em 14 de Maio de 1854 largou a corveta de Macau com destino a Ning-Pó- Fu, fazendo escala por Hong Kong e Amoy. Entrou em Hong Kong no dia seguinte e largou a 17 para Amoy.
Fundeou diante da cidade de Ning-Pó-Fu a 22 de Junho. (4)
A corveta, em 1856 largou para Portugal e a 18 de Janeiro do ano seguinte entrava o Tejo. Em 1 de Agosto de 1859 tendo terminado as reparações, armou, assumindo o comando o capitão de fragata Feliciano António Marques Pereira.
A Décima primeira Comissão, novamente rumo a Macau (missão: viagem diplomática ao Japão) saiu em 28 de Agosto de 1859, sob o comando do capitão de fragata Feliciano António Marques Pereira, fazendo escala por Luanda, para onde levava passageiros e dinheiro, e por Dili. Apanhou uma tempestade próximo do cabo de Boa Esperança, passou por Batávia (autoridade holandesa) onde esteve 13 dias no porto e de onde saiu em 17 de Janeiro de 1860 em direcção a Dili que alcançou a 24 do mesmo mês – passado 6 dias largou para Macau onde só conseguiu ancorar em 15 de Março, devido a ventos banançosos e contrários.
Em Macau recebeu ordem do Governador para partir para Xangai fazendo escala por Hong Kong. Largou a 27 de Maio, tocou em Hong Kong na madrugada do dia seguinte, e saiu para o norte a 5 de Junho.
No dia 23 fundeou em frente de Wussung, um dos afluentes do Yang-Tsé, e a 29 foi embarcar na corveta o Governador de Macau, capitão-de-mar-e-guerra Isidoro Francisco Guimarães que seguia para o Japão na qualidade de ministro plenipotenciário a negociar um tratado de paz e comércio com os japoneses. A corveta em 5 de Agosto largou para Yokohama a fim de se abastecer e no dia 1 de Setembro subiu o rio Wussung e foi largar âncora em Xangai com a missão de proteger o consulado português (luta na China com os ingleses e franceses) e os mais súbditos portugueses pela maior parte macaístas, que ali se achavam empregados ou estabelecidos.
Em 10 de Outubro por ordem do Governador de Macau, largou para o porto de Amoy a exigir uma indeminização ao governador chino pelos roubos praticados pelos chineses num vapor mercante português. Entrou em Amoy a 14 de Outubro. Por ordem do mesmo governador a corveta largou a 29 para Macau onde entrava a 2 de Novembro para nova missão, em 1861 – segunda viagem diplomática.
A Décima Quinta Comissão foi novamente rumo a Macau, em 1869
A última viagem (décima nona comissão) foi cruzeiro na costa Angolana tendo largado a 22 de Novembro de 1873 e recolheu a Luanda a 10 de Dezembro.
(1) ESPARTEIRO, António Marques (capitão-tenente) – A corveta «D. João I» e o Ultramar Português. Subsídios para a História da Marinha de Guerra XII. Separata n.º 288 do Boletim da Agência das Colónias. 1949.
Este livro está disponível para leitura em:
http://portalbarcosdobrasil.com.br/bitstream/handle/01/643/003101.pdf?equence=1&isAllowed=y
(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/corveta-d-joao-i/
(3) https://arquivohistorico.marinha.pt/details?id=2421)
(4) Sobre este combate publicarei numa próxima postagem.