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Carta do irmão Fernão Mendes ao padre Baltasar Dias, reitor da Companhia de Jesus em Goa , datada de 20 de Novembro de 1555.

“…E aos 20 de Julho chegámos a Sanchão, (1) onde o padre saiu em terra e foi dizer missa sobre a cova onde  o  nosso padre bem-aventurado mestre Francisco Xavier fora enterrado, a qual já achámos coberta de muitas ervas, que arrancámos com as mãos, e alguns com muito sentimento e devoção, porque ali parece que dava Nosso Senhor muito a sentir que para que era mais senão acabar ali um homem sua vida e ali ser enterrado. E dali nos embarcámos e viemos ter a 3 dias de Agosto a Lampacau, onde os navios fazem fazenda, donde o padre  mestre Melchior (2) foi duas vezes a Cantão, como lhe lá escreverá…” (3)

MAPA - China Regio Asiae 1589CHINA REGIO ASAE, mapa anónimo possivelmente de origem portuguesa, de meados do  século 16 (4)

“Partidos nós desta ilha de Champeiló, fomos demandar as ilhas de Cantão, e aos cinco dias de nossa viagem, prouve a Nosso Senhor que chegássemos a Sanchão, que era a ilha onde fora enterrado o padre mestre Francisco, como atrás tenho dito. Ao outro dia pela manhã, toda a gente da frota desembarcou em terra e nos fomos todos em procissão ao lugar do jazigo do santo padre, o qual achámos já todo coberto de ervas e de mato, sem aparecer dele mais que só as pontas das cruzes de que estava cercado; porém logo por todos foi limpo e preparado com muita devoção, e após isso fechado com umas grades de pau  fortes, e por fora se fez mais outra estacada, e todo o chão ao redor foi muito limpo e aplainado, e toda esta obra em roda estava cercada de muito bons valos, `enetrada dos quais estava uma cruz muito alta e muito formosa… (…)
Ao outro dia pela manhã nos partimos desta ilha de Sanchão, e ao sol-posto chegámos a outra ilha que está mais adiante seis léguas para o norte, chamada Lampacau, onde naquele tempo os portugueses faziam sua veniaga com os chins, e aí se fez sempre até ao ano de 1557, em que os mandarins de Cantão, a requerimento dos mercadores da terra nos deram este porto de Macau, onde agora se dfaz, no qual sendo antes ilha deserta, fizeram os nossos uma nobre povoação de casas de três a quatro mil cruzados, e com igreja matriz em que há vigário e beneficiados, e tem capitão e ouvidor e oficiais de justiça, e tão confinados e seguros estão nela, com cuidarem que énossa, como se ela estivera situada na mais segura parte de Portugal.” (5)
(1) Ilha de Sanchoão – 上川 (mandarim pinyin: shàng chuān ; dǎo; cantonense jyutping: soeng5 cyun1 dou2). Também denominada Chang-Chuang, Sancian, San-choão
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(2) Padre jesuíta Belchior Nunes Barreto, que esteve nas costas da China, de Agosto de 1555 a 7 de Junho de 1556 e exerceu o seu apostolado entre os 300 portugueses que se encontravam, então em Macau, Fundou uma missão de Cantão.
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(3) CATZ, Rebecca D. – Cartas de Fernão Mendes Pinto e outros documentos. Editorial Presença, 1983
Alguns trabalhos desta investigadora norte-americana (Universidade de Califórnia, Los Angeles) relacionados com Fernão Mendes Pinto:
CATZ, Rebecca D. – Fernão Mendes Pinto, The Travels of Mendes Pinto. ed. & tr. Chicago and London (The University of Chicago Press) 1989, 663 pp., ISBN 0-226-66951-3.
CATZ, Rebecca D.  – A Sátira Social de Fernão Mendes Pinto: análise crítica da Peregrinação. Lisboa, prelo Editora, 1978, 358 p. (tradução de:  Iconoclasm as Literary Technique: A Study of the Satiric Devices used in the Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1972).
CATZ, Rebecca D.  – Fernão Mendes Pinto and His Peregrinação in Hispania. Volume 74, Number 3, September 1991.
http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/hispania–11/html/p0000002.htm
(4) Retiraoa de “Mapas e Iconografias dos Sécs. XVI e XVII” –  Mapa da China in Epitome theatri orteliani, praecipuarum regionum delineationes, minoribus tabulis expressas...; cópia equivalente à da ed. de Antuérpia, Christophorus, 1589, fl. 85r.
http://www.tdx.cat/bitstream/handle/10803/4951/fmpnro4de4.pdf;jsessionid=6E1775B5EBE59AF37C63E385C6F3658A.tdx1?sequence=4
(5) Retirado  das pp. 33-34: Fernão Mendes Pinto  – Peregrinação in SANTOS, Carlos Pinto; NEVES, Orlando – De Longe à China, Tomo I Instituto Cultural de Macau, 1988, p. 383.

Em 7 de Abril de 1541 sai a primeira expedição jesuíta de Lisboa (1) para a Índia e Extremo Oriente,  chefiada por Francisco Xavier (2) (que fazia nesse dia 35 anos) na nau “Santiago”, iniciando assim os 200 anos  de missionação que se seguiriam para essa direcção. Segundo cartas datadas de Fernão Mendes Pinto e do Pe. jesuíta Belchior Nunes Barreto, a presença dos primeiros missionários jesuítas na Índia foi a partir de 1542 e em  Macau, a partir de 1555 (3)
 
Um jesuítaOs padres estrangeiros não pertencem a uma só classe. Os frades de S. Paulo rapam o cabelo e usam um barrete verde parecido com uma mitra. O superintendente da religião chama-se fât-uóng (soberano das leis, ou seja, o Bispo). até o próprio Governador, que vem de Portugal, não tem poderes como ele. Se ocorrer qualquer caso importante ou, por suspeita, se aprisione, o Governo e o Procurador de Senado não podem resolver. pedem então (ao Bispo) uma ordem. passada a ordem, recebem-na, acatando-a, respeitosamente. Quando o Bispo sai ou entra, é protegido por um grande pálio e rodeado de padrezinhos. Os homens e as mulheres, quando o vêem, avançam, apressadamente, ajoelham-se, segurando-lhe respeitosamente os pés, esperando pela sua passagem e, só depois, é que se levantam. Se o Bispo afagar as suas cabeças, isto é considerado como uma grande felicidade. As mulheres são as que têm mais fé nele.” …
As regras do Convento de S. Paulo são mais severas... (4) 

(1) Inácio de Loyola, de origem nobre, em 15 de Agosto de 1534 e seis outros estudantes encontraram-se na Capela dos Mártires, na colina de Montmartre e fundaram a Companhia de Jesus para “desenvolver trabalho de acompanhamento hospitalar e missionário em Jerusalém ou para ir aonde o papa nos enviar, sem questionar”. Nessa data, fizeram os votos de pobreza e castidade. A Companhia de Jesus é uma organização rigidamente disciplinada de absoluta abnegação e a obediência ao papa e aos superiores hierárquicos (“perinde ac cadaver“, “disciplinado como um cadáver“). O lema dos jesuítas é “Ad maiorem Dei gloriam” (“Para a maior glória de Deus“). Salienta-se a importância dos jesuítas na expansão portuguesa principalmente no Oriente e a sua grande influência em Macau.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesus
(2) S. Francisco Xavier faleceu no dia 27 de  Novembro de 1552 (segundo outros autores, 3 de Dezembro de 1552), na Ilha de Sanchoão.
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/11/27/noticias-27-de-novembro-de-1552/
(3) SILVA, Beatriz Basto da Silva. Cronologia da História de Macau, Séculos XVI-XVII, Volume 1. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª edição, Macau, 1997, 198 p., ISBN 972-8091-08-7
(4) OU-MUN KEI-LÉOK Monografia de Macau por Tcheong-U-Lam e Ian-Kuong-Iâm. Tradução do chinês por Luís G. Gomes. Editada pela Repartição Central dos Serviços Económicos- Secção de Publicidade e Turismo, Macau. Imprensa Nacional, 1950, 252 p.

“Faleceu o jesuíta Francisco Xavier (1), o grande Apóstolo da Ásia, na ilha de Sanchoão (2) segundo testemunho do jovem chinês António de Santa Fé, por ele baptizado. Fernão Mendes Pinto diz que este acontecimento ocorreu, em 2 de Dezembro de 1552, data geralmente aceite e baseada, numa carta escrita pelo Pe. Belchior Nunes Barreto, Provincial dos Jesuítas na Índia, em 1554, que colheu esta informação, numa carta escrita em Lisboa, em 23 de Dezembro do mesmo ano, pelo Pe. António Brandão” (3)

A data geralmente aceite como a do falecimento deste Santo é 3 de Dezembro de 1552, dia em que  Igreja comemora-o como Patrono Universal das Missões.

 Igreja de S. Francisco Xavier, em Sanchoão (4). A fachada está a data da sua construção 1869.
 Interior da Igreja de S. Francisco Xavier, em Sanchoão (5).

Na Capela da Missão de Coloane, dedicada a S. Francisco de Xavier, encontra-se uma das três relíquias, as únicas actualmente existentes, de S. Francisco Xavier. Trata-se de parte do úmero direito (as outras duas relíquias são o seu corpo incorrupto em Goa e o antebraço direito em Roma) que se encontra na sala «Sacrarium» da capela. Este pedaço de osso esteve na Igreja da Madre de Deus (S. Paulo). Depois do incêndio de 1835, a relíquia esteve em vários sítios acabando por ser colocado na ilha de Coloane (5) (6)

Sala «Sacrarium» da capela de S. Francisco (5)
  Parte do úmero direito
  Interior da Capela da Missão, em Coloane, 1985 (6)

(1) S. Francisco Xavier (1506 – 1552), nascido Francisco de Jasso y Azpilicueta em Navarra (Espanha), discípulo de Inácio de Loyola, um dos sete jesuítas, de Monmartre em 1534, chega a Lisboa em fins de 1540, para embarcar a 7 de Abril de 1541 para o Oriente.(7)  Em 17 de Abril de 1552, aos 46 anos de idade, parte de Goa com o grande objectivo de entrar na China. Chega à ilha de Sanchoão, via Malaca, nos princípios de Setembro e enquanto aguardava uma oportunidade para  entrar na China, adoece gravemente. Canonizado, juntamente com Inácio de Loyola, pelo Papa Gregório XV no dia 12 de Março de 1622.
(2)  “A ilha de Sanchoão é chamado pelos chineses «Sêung Ch´uen T´ou – ilha a montante da foz do rio do oeste, para distinguir de Há Ch´uen T´ou, a que fica a juzante.”  (4)
上川pinyin Shàngchuāndǎo. Também denominada Chang-Chuang, Sancian, Sanchão ou ilha de S. João
Nesta ilha existe um parque, onde está a igreja, um cenotáfio e uma estátua em memória do Santo.
(3) GOMES, Luís Gonzaga – Efemérides da História de Macau. Notícias de Macau, 1954, 267 p.
(4) AIDO, Paulo – Cumprir o sonho de Xavier. Macau, n.º 27, 1990
(5) CARMO. António – Sanchoão (A antepenúltima morada). Macau, n. º20, 1990
(6) ORTET, Luís – Na ilha de Coloane está guardada uma das três relíquias de S. Francisco Xavier. Nam Van, n. 8, 1985.
(7) “Sai a primeira expedição jesuíta de Lisboa para a Índia e Extremo Oriente, chefiada por Francisco Xavier (que fazia nesse dia 35 anos), na nau Santiago. Com ele seguem Micer Paulo (ou Paulo Camerte), Francisco Mansilhas e Diogo Rodrigues (noviço)”
SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Séculos XVI-XVII, Volume 1. Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª Edição, Macau, 1997, 198 p (ISBN 972-8091-08-7)

…………. Faz hoje, 457 anos.

Em 20 de Novembro de 1555, Fernão Mendes Pinto, então noviço da Companhia de Jesus, escreveu de Lampacau, uma carta, na qual descreveu a sua chegada a Sanchoão, neste ano, e a sua viagem a Lampacau, na companhia do Pe. Belchior Nunes.(1)  Esta carta dirigida ao Pe. Baltasar Dias, Reitor do Colégio de Goa, é o primeiro documento conhecido em que aparece o nome de Macau, sob a designação de Amaquao ou Ama Cuao.” (2) (3)

(1) “Em 23-11-1555, o padre jesuíta Belchior Nunes Barreto, que esteve nas costas da China, de Agosto de 1555 a 7 de Junho de 1556 e exerceu o seu apostolado entre os 300 portugueses que se encontravam, então em Macau, escreveu para o Colégio de Goa,
                               “Deste Machoam porto da China….”
dando conta dos usos, costumes, governo etc, da China, particularmente de Cantão, para onde teve de efectuar duas viagens, a fim de negociar a libertação de Mateus Brito, que ali se encontrava preso, há seis anos, com mais dois portugueses e três nativos cristãos, mediante o resgate de 1.000 taes, por cabeça. Tanto esta sua carta como a de Fernão Mendes Pinto, de 20 de Novembro de 1955 são datadas de Macau, sendo nestes dois documentos que se menciona pela primeira vez o nome de Macau.” (3)
(2) Embora alguns críticos afirmam ser engano do copista, Amaquao deveria ser Lampacao (4), Fernão Mendes Pinto na carta é claro quando diz «Amaquao, distante seis  léguas de Lampacau que é o porto onde estamos…»
(3) GOMES, Luís Gonzaga – Efemérides da História de Macau. Notícias de Macau, 1954, 267 p.
(4) Segundo Albert Kamerer (citado por Beatriz Basto da Silva ) (5), ” …mas a crítica afirma ser engano do copista, por Lampacao”
(5) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau Séculos XVI-XVII, Volume 1, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 2.ª Edição, Macau, 1997,198 p (ISBN 972-8091-08-7)

NOTA:  AMAQUAO – um dos possíveis nomes de Macau: Diz a lenda que a Deusa Neang Ma, patrona dos marinheiros de Fukien, (*) salvou a tripulação de um junco. Em sinal de gratidão, eles construíram um altar na praia em honra da Deusa, dando-lhe o diminutivo de A-Ma(**); o lugar passou a ser chamado de A- Ma-Kao (porto de A-Ma). Os portugueses, a partir de 1557 passaram a chamar-lhe Povoação do Nome de Deus de Amacao na China (5).
Até meados da dinastia Ming (***) , não existia o nome de Macau (****). A parte norte da península chamava-se Wangxia (MongHa) (*****)  e a parte sul tinha o nome de Haojing. O mar era rico  de ostras (ostras em chinês pronuncia-se “hao”) . Tinha duas baías nesta parte do sul que eram redondas como espelhos ( em chinês “jing”) Daí o nome de Haojing (******) (espelho de ostras)  (6)

Theodor de Bry (1528-1598) – circa 1598
Observa-se estrangeiros sendo transportados in palaquins acompanhados de criados com chapéus.
O porto Interior concorrido com navios estrangeiros. (7)

 (*) Fujian ( 福建) romanizado como Fukien ou Foukien é uma província do sudeste da China, a norte da província de Guangdong.
(**) Templo de Á-Má – 媽閣廟 mandarin Pinyin: Māgé miào; cantonense Jyutping: maa1 Gok3 Miu6
(***) Dinastia  Ming (1368-1644):  明朝 mandarin Pinyin; Ming cháo; cantonense Jyutping:  ming4 ziu1
(****) Macau  澳門 mandarin Pinyin: Àomén; cantonense Jyutping: Ou3 Mun4
(*****) Mong Ha 望廈 mandarim Pinyin wàng xià; cantonense jyutping mong6 haa6. (olhar/avistar a mansão)
(******) Haojing 濠鏡  cantonense jyutping hou4 geng3 (espelho de ostras)  ou Jinghai 鏡海cantonense jyutping geng3 hoi2 (espelho de mar)
(6) FEI Chengkang – Macao 400 Years. The Publishing House of Shanghai Academy of Social Sciences, 1996, 360 p. ISBN 7-80618-266-7
(7) http://ocw.mit.edu/ans7870/21f/21f.027/rise_fall_canton_04/gallery_places/pages/cwM_1598_AH8121_Amacao_sc.htm
Segundo Beatriz Basto da Silva (5), trata-se de Macau no final do século XVI, segundo gravura em cobre (c. 1598) do artista Teodore de Bry. Foi copiado por Meinsner c. 1625 (Dervent Collection)
VER: https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/tufoes