Dum livro escolar, editado pelos Serviços de Publicações do Comissariado Provincial da Mocidade Portuguesa de Angola, de 1972 (1), retiro este artigo referente a uma personalidade macaense que poucos conhecem e que merece a sua divulgação.
“ Uma firme e serena fisionomia, um comportamento exemplar e simpático, uma modesta e prestável gentileza – eis as marcas que julgam de engrandecer-lhe todos quantos ainda o conheceram.
Macau inteiro ainda recorda na convivência das pessoas e das coisas da governação, na defesa dos interesses da camada simples do povo, donde nascera. Homem curioso e culto, foram mesmo a sua elegância e simplicidade de maneiras que constituíra, na sua curiosa carreira, o valioso suporte de toda a sua acção.
Nasceu de pais chineses, na paróquia de St.º da velha cidade, em 1 de Fevereiro de 1867. Ainda soavam nítidos os ecos da vibrante ousadia de Nicolau de Mesquita ante as injustas pretensões de vizinhos dos meados do século.
Choi Anock teve a sorte de receber dos pais e dos missionários de sua comunidade uma boa iniciação cristã. Depois de seus primeiros estudos, em que não lhe foi difícil aprender a língua do seu País, alistou-se, de rapaz, no serviço da marinha. Criado de bordo, primeiro em navios portugueses que escalavam o porto de Macau, empregou-se depois como despenseiro numa canhoneira da nossa Marinha de Guerra. Todos o conheciam e consideravam pela sua arte de culinária, pela sua obediência e zelo de ofício. Todos: oficiais e camaradas, chineses e portugueses.
Coisa curiosa! Certos amores o foram prender, nas suas idas e vindas à capital do Reino, a uma senhora de Lisboa, de quem teve dois filhos.
Mas Choi Anock, que continuou ao serviço do Estado, voltou depois à sua terra oriental, constituiu família legal, educou e formou os seus filhos no mais genuíno amor nacional, no mais estrito acatamento das leis cristãs e portuguesas.
Vários governadores, dentre os quais salienta o macaense Artur Barbosa, julgaram-no indispensável no palácio. Precisando dos seus serviços, nomearam-no fiel o do Palácio, onde «a sua presença – como lemos em registo biográfico do «Noticias de Macau» – se notava pelo seu porte, pela disciplina que impunha a todos os seus serventuários, pela forma como dirigia um banquete, desde o arranjo da mesa até ao serviço dos criados, que o estimavam e cumpriam todas as suas indicações».
No seu despacho, no seu esmero, nas providências que tomava para chás, banquetes, recepções, de dia ou da noite, descansavam as senhoras do palácio. O fiel Choi Anock ganhou de todos, grandes e pequenos, o mais distinto e justo conceito.
Vivia já a sua meia idade quando, sentindo-se com aptidões superiores às de simples fiel, pediu que o dispensassem para se dedicar ao comércio particular. E sorrindo-lhe a sorte dos seus negócios, não se fechou egoisticamente no gozo dos seus bens. Bondoso e acessível, nunca ninguém da mais modesta condição dele se retirou sem o óbolo preciso.
Sincero na sua fé, Choi Anock activou a administração e direcção de diversas organizações católicas, cívicas ou humanitárias. Eis porque algumas delas guardam, em lugar de honra, o seu retrato, eis porque se orgulham de ter-lhe confiado a presidência de Beneficência «Tong Sing Tong», a Associação Católica Chinesa, a Associação de Beneficência do Hospital «Keang Wu», as confrarias de S. Vicente e de S. Lázaro.
A geral aceitação e competência deste homem simples do povo foi coroada quando enfim, o Governo de Macau o escolheu como representante da Comunidade Chinesa, para vogal do Conselho do Governo… (…)
Gasto, enfim, por uma vida trabalhosa, sem que jamais perdesse a serenidade e firmeza que lhe timbrou o ser, uma doença grave o vitimou para sempre, em 22 de Agosto de 1945. Tinha 78 anos.” (1)
(1) Texto não assinado in SIMÕES, Antero – Nós … Somos Nós (“Antologia Portugalidade”), III Tomo. Edição dos Serviços de Publicações do Comissariado Provincial M. P., Luanda, 1972, 498 p.
NOTA POSTERIOR: este texto contém erros e merece correcções:
1 – A figura biografada é JOEL JOSÉ CHOI ANOK e não «José Choi “Anock“»; este é o nome do primeiro filho, que teve da governanta do ex-governador Custódio Miguel Borja que o levou para a Marinha em Portugal, filho nem sequer reconhecido imediatamente, dado que foi baptizado como filho de pai incógnito.
2 – Joel José Choi Anok nasceu a 17-03-1867 e não a 1-02-1867.
3 – Da “senhora de Lisboa” teve só um filho, José Choi Anok.
3 – Creio que não chegou a ser Presidente da Associação Católica Chinesa; foi só conselheiro.
4- Não havia “as confrarias de S. Vicente e de S. Lázaro” mas sim Confraria ou Sociedade de S. Vicente de Paulo da freguesia de S. Lázaro.
Quanto às sete condecorações que se vêem na foto, tirando a de Cavaleiro da Ordem de Cristo, as outras medalhas devem ser devido a distinções pela ficha exemplar na Marinha e pelos serviços prestados à Cruz Vermelha.
Agradeço a RBC as informações inseridas nesta nota.