Na 5.ª Parte do Boletim Sanitário da Província de Macau, ano de 1922, mês de Janeiro, referente a “RELATÓRIOS E ESTUDOS MÉDICOS”, encontrei este relatório efectuado pelo Dr. António do Nascimento Leitão (capitão, médico de 1.ª classe), (1) relativo às inspecções sanitárias aos estábulos, vacarias, visitas domiciliárias e via pública.
A) – ESTÁBULOS E VACARIAS
Todos estão obedecendo às instruções que lhes tem sido dadas. Apenas o estábulo da firma Yun-Hop, em Sa-Kong, tem uma parte do reboco da parede caído. Prometeu que em breve dias estaria reparado e de novo caiado a branco
B) – VISITAS DOMICILIÁRIAS
SAN-KUONG (ARMAZÉNS) – AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO – Tem bons urinóis providos de água sob pressão. As retretes é que são do tipo insalubre (celhas de madeira no terraço do telhado). De bom grado poderão ser substituídas pelas de autoclismo, distribuídas pelos três andares do edifício, para uso não só dos seus 50 empregados, mas também dos seus freguezes. Precisa, porém, de saber para onde tem de dirigir os respectivos tubos de descarga, se para o colector da Avenida, se para o da rua das trazeiras, ou se para o da Travessa do Paralelo, que lhe fica ao lado.
AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO, N.º 67 – CULAO – Muitos sujos os pavimentos do 1.º e 2.º andares. Tem muitos escarradores, mas todos por baixo das mesas. Indiquei os lugares próprios para estes, lavagens frequentes dos soalhos e escadas, e a afixação de desticos proibindo que se escarre no chão.
AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO, N.º 64 – CASA DE PENHORES – Tem as retretes de celhas no telhado, a transportar – recomendei o tipo das de caixa, limpas diariamente.
AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO, N.º 74 – CAMBISTA – CASA DE PENHORES. – Casa asseada. as suas retretes e urinóis, de autoclismos, poderão servir de modêlo às outras casas da Avenida.
AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO, N.º 76 – CULAO – No rez-do-chão, a cozinha muito negra, e a porta de grade que lhe dá acesso para a Avenida muito suja de fuligem. Nos andares superiores, os pavimentos muito sujos e as paredes muito escarradas; escarradores em abundância, aos grupos mesmo, mas todos por debaixo das mesas. No telhado, retretes (celhas) com as feses a transbordar – Recomendei as retretes de caixa, limpas diariamente; os escarradores mais espalhados e acessíveis; os soalhos lavados frequentemente; as paredes caiadas e com mais frequência a da cosinha, e sempre limpa e pintada a porta desta para a Avenida.
AVENIDA ALMEIDA RIBEIRO – Encontrei em sofrível estado de asseio os prémios números 80, 84, 86, 88, 90, 92 e 94.
C) – VIA PÚBLICA
Continuam a ser lançadas a urina e as matérias fecais para os sifões das sargetas de algumas ruas. A Travessa do Abreu, a Rua Nova (Bazarinho), a Calçada da Feitoria, para não citar outras todas as manhãs atestam o que afirmo. Está num estado imundo o pateo do n.º85 (antiga numeração) da Rua das Pontes e dejecta para a via pública um cano com despejos entúpido, que desce do 1.º andar do prédio n.º 24 da Rua da Senhora do Amparo.
Continuam as ruas a ser varridas a sêco, com os graves inconvenientes para a saúde pública.
Pelas 13 1/2 horas dos dias sêcos e ventosos começam as nuvens de poeira a ser levantadas em frente dêste Pôsto Médico, como que a demonstrarem-lhe como é inútil insistir mais sôbre êste ponto de higiene pública.
(1) Nesse ano, o Dr. António do Nascimento Leitão («Homem de cem ofícios» como lhe chamou o Padre Teixeira ), capitão médico colocado no Quadro Sanitário de Macau (desde 1920; seria nomeado major médico em Abril de 1923) era director do Laboratório de Radiologia (nomeado em Janeiro de 1922), director do Laboratório Bacteriológico (funções que desempenhava gratuitamente desde 1922 e era director desde 1912, com interrupções devidas a comissão em Timor). Como responsável do Posto Médico: dava consultas diárias, vacinações, socorros urgentes de dia e noite no Porto ou a domicílio; verificava óbitos na cidade e subúrbios, no mar, no Asilo de Santa Infância e no Hospital chinês; fazia inspecções sanitárias, serviços de estatística e administração, desinfecções e elaboração de relatórios; efectuava serviço clínico do Asilo de Sta Infância, Casa de Beneficência e cadeia civil; exercia sanidade marítima (inspecções de doentes a bordo, verificação de óbitos ocorridos em viagens, pratica as medidas a tomar no caso de doença infeciosa, etc). Era professor da Escola de enfermagem.
António do Nascimento Leitão, nascido a 27-04-1879 (Aveiro – Portugal) tirou o curso na Escola Médico-Cirúrgica do Porto com 18 valores. Incorporado em 1899, promovido a facultativo de 3.ª classe (alferes) em 1907 ficando alferes graduado do Depósito de Praças do Ultramar nesse ano. Chega a Macau em 8 de Julho de 1907, como facultativo de 3.ª classe do Quadro de Saúde de Macau e Timor. Fez parte das operações militares do ano de 1910 contra os piratas na Ilha de Coloane (serviu de hospital de sangue a lancha-canhoneira Macau, dirigido pelo Dr. César Augusto de Andrade, coadjuvado pelo Dr. Nascimento Leitão) Prestou serviço em Timor em 1911 e 1923.
Exerceu as funções de subdirector dos Serviços de Saúde em 1924 e 1926.Tenente coronel Médico em 1926.
Foi professor do Liceu de Macau das disciplinas doa 7.º grupo em 1908 – 1913 e das disciplinas do 6.º grupo de 1917 a 1920.
Além das suas múltiplas actividades exercia também “Clínica médica e cirúrgica” privada como comprova este anúncio de 1922.
Anúncio do consultório do Dr. António Nascimento Leitão, em 1922, na Rua do Padre António 10 – Telefone n.º 6.
Intitulava-se “Com prática nas clínicas e laboratórios da Faculdade de Medicina de Paris (seguiu durante o 2.º semestre do ano escolar 1913-1914, um curso prático de medicina operatória sobre o tubo digestivo e seus anexos no Hospital «Saint Antoine », em Paris), médico radiologista ( seguiu assiduamente as conferências de radiologia, assistiu regularmente aos exames radiográficos e tomou parte activa nos exercícios práticos da radiografia no Hospital «Saint Antoine», assim como radioterapia), e subdelegado de saúde e guarda mor de saúde (substituto de Lisboa em 1916 até regressar a Macau em 6 de Junho de 1917), etc.
As “especialidades” cirúrgicas e radiológicas foram “tiradas” nos quatro meses de licença que lhe foi autorizado em Janeiro de 1914 para ser gozadas em Paris e depois prolongada na situação de licença ilimitada até 31-12-1916.
O horário das consultas: da 1 (13H00) às 2 (14H00) e das 4 (16H00) às 5.30 (17H30).
O Padre Manuel Teixeira (em 1976) elogia este médico ” Foi o Dr. Leitão, neste 400 anos, o único que teve gesto tão simpático“, por ter enviado ao Governador Comandante Albano Rodrigues de Oliveira que foi seu aluno em Macau, a quantia de vinte mil patacas, para ser distribuída pela Casa de Beneficência (Asilo da Santa Infância e Asilo de S. Francisco Xavier), Hospital «Kiang Wu», Leprosaria Ká-Hó, Coloane (para beneficiação das instalações) Liceu Nacional de Macau (prémio para o melhor aluno anualmente), Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (prémio para o melhor aluno anualmente), Seminário S. José (melhor aluno anualmente), Hospital Central Conde De S. Januário (melhor aluno de enfermagem anualmente)
Anteriores referências ao Dr. António de Nascimento Leitão.
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/antonio-de-nascimento-leitao/
TEIXEIRA, P. Manuel – A Medicina em Macau. Vol IV: Os Médicos em Macau no Séc.XX, 1976.