Do diário de A. J. Pinto Basto, na sua viagem de circumnavegação a bordo do Cruzador S. Gabriel (1)
“ Com muito bem tempo largámos de Hong Kong (2) para Macau pelas 8 h da manhã do dia 2 de setembro. Ao passar pelos navios de guerra estrangeiros, tocaram as suas bandas o hymno portuguez, e foi-nos feito o signal de boa viagem. Seguimos para Macau coma velocidade de 13 milhas por hora, fundeando na rada pelas 10h 45m. O governador organizou em nossa honra um passeio a Colovane, no qual tomaram parte as principaes auctoridades e famílias de Macau, talvez mais de duzentas pessoas, que para ali seguiram na lancha Macau e em três outras lanchas a vapor. A nossa visita a Colovane foi interessante, por se verem ali ainda em ruinas muitas casas contra as quaes a lancha Macau teve de fazer fogo no seu ataque aos piratas. Por essa ocasião prestou aquella lancha relevantes serviços. Démos um passeio pelas ruas da povoação e realisaram.se u lunch e uma regata de embarcações chinas.
Tivemos noticias de dois tufões que das Filipinas se dirigiam ara costa da China, o que nos obrigou a demorar a nossa partida para ali. No mez de setembro os tufões são muito frequentes e pouco dias se passa sem que os observatórios anunciem aquelles temporaes. Já foi difícil o regresso a bordo e o dia 26 amanheceu com chuva, vento, e mau aspecto, motivo pelo qual resolvemos deixar a rada para procurar melhor fundeadouro, logo que possível fosse. Vieram para bordo n´uma lancha quatorze presos, entre eles os piratas de Colovane, (3) que a requisição do governador da província devíamos conduzir a Timor e Moçambique. O transbordo da lorcha para o navio fez-se com dificuldade n´uma das nossas embarcações e foi impossível receber-se os volumes pesados. Ás 3h 30m suspendemos e fomos procurar o abrigo na bahia de Castle Peak, ao norte da ilha de Lantao, o melhor fundeadouro próximo, onde ancorámos pelas 6h da tarde em 5 braças de fundo com 45 m de amarra. Na tarde do dia 27 seguimos para Hong Kong, onde amarrámos às 5 horas a uma boia das docas de Kowloon, depois de ter salvado ao almirante americano. Fui agradecer os cumprimentos ao Tamar, navio chefe inglez, e ao New York, americano, a bordo do qual fui convidado a tomar parte n´um tea oferecido pelo comandante Lee Jayne a varias senhoras da colonia americana de Hong Kong.
(1) Ver anteriores referências a este diário em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/cruzador-s-gabriel/
(2) O cruzador «S. Gabriel» de 1 838 toneladas passou por Macau na viagem de circum-navegaçao que estava efectuando sob o comando do Capitão António Aluízio Jervis de Atouguia Ferreira Pinto Basto. Chegou a esta cidade a 7 de Agosto de 1910. Esteve depois estacionado em Hong Kong para proceder às reparações indispensáveis depois de um alonga viagem. Segundo O Capitão Pinto Basto, Hong Kong que estava a meio caminho da sua viagem, oferecia as melhores facilidades para as reparações (“ docas e oficinas e o pequeno custo da mão d´obra”)
(3) “01-08-1910 – A bordo do Cruzador «S. Gabriel», seguem vários indivíduos condenados a degredo, e o antigo farol de rotação da Fortaleza da Guia, que foi destinado ao Museu da Marinha.” (SILVA, Beatriz Basto da BBS Cronologia Vol. 4, 1997)
Os piratas sequestradores de Coloane, foram julgados em Novembro de 1910 e condenados a 20 anos de prisão em degredo.
A. J. Pinto Basto não refere no seu diário o transporte do antigo farol da Fortaleza mas assinala o seguinte:
“ Nos primeiros dias de setembro estive em Macau, a convite do governador, com quem visitei as novas e bem instaladas baterias de 15 cm Krupp, perto do farol da Guia , e o novo aparelho lenticular do mesmo farol illuminado actualmente por um candieiro de quatro torcidas. O farol antigo, o primeiro da costa da China, era também de rotação e movido por um machinismo de madeira muito curioso.”
A propósito do temporal / ciclone que se abateu sobre Macau no dia 12 de Julho de 1883, (1) mais três relatórios datados de 14 de Julho de 1883, publicados no «Boletim da Província de Macau e Timor», no suplemento n.º 28 (Vol. XXIX), de 19-07-1883, respectivamente do Administrador (substituto) do Concelho de Macau, F. C. Lobo, do Director das Obras Públicas, Constantino José de Brito, (2) do administrador do Concelho da Taipa e Colovane, tenente José Correa de Lemos, (3) bem como uma tabela de “Observações meteorológicas feitas no porto interior a bordo da canhoneira Tâmega” durante o cyclone” assinada pelo comandante A. J. Pinto Basto. (4)
(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2018/07/12/noticia-de-12-de-julho-de-1883-temporal-ciclone-sobre-macau-i/
(2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/constantino-jose-de-brito/
(3) https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/jose-correia-de-lemos/
(4) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/08/06/leitura-cruzador-s-gabriel-viagem-de-circumna-vegacao/
Nos primeiros dias de Setembro de 1910, diário/relato do Capitão de fragata A. J. Ferreira Pinto Basto, comandante do cruzador S. Gabriel: (1)
“Estivemos nos jardins da Gruta de Camões, agora pertencentes ao Estado, bem cuidados e differentes de quando os visitamos pela primeira vez em 1882. (2)
Estava então o busto de Camões dentro de uma especie de nicho de mau gosto e um official do Africa escreveu no muro o seguinte:
Quem da Gruta de Camões
Fez um nicho tão nojento
Merecia que lhe dessem
Dois coices de jumento”
(1) BASTO, A. J. Pinto – Cruzador S. Gabriel Viagem de Circumnavegação, 1912. Ver em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/08/06/leitura-cruzador-s-gabriel-viagem-de-circumna-vegacao/
(2) Em 1885, o Governador Tomás de Souza Rosa telegrafou ao Ministro da Marinha Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas e, devidamente autorizado, antecipou-se aos franceses (os Padres das Missões Estrangeiras de Paris pretendiam comprar o jardim de Luís de Camões para aí instalarem um sanatório) comprando a propriedade à família Marques.
Anteriores referências: https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/gruta-de-camoes/
Notícia do dia 7 de Agosto de 1910 : “O cruzador S Gabriel de 1.838 toneladas chegou a Macau, na viagem de circum-navegação que estava efectuando sob o comando do Capitão António Aluízio Jervis de Atouguia Ferreira Pinto Basto“ (1)
Do relato desta viagem de circum-navegação feito pelo comandante do cruzador, reproduzo parte do capítulo (XXVI) dedicado a Macau (pp. 267 a 282): (2)
CAP. XXVI: De Fuchau a Macau e Hong Kong:
“Na manhã do dia 5 de agosto saímos de Fuchau e continuámos ao longo da costa da China com mar plano e monção fraca. (…)
Ao amanhecer do dia 7 passámos o semaphorico de Waglan, para onde içámos o signal do nome do navio, e continuando entre as ilhas fundeámos em Macau, pelas 10h da manhã.
Vieram cumprimentar-nos o ajudante do governador, e o comandante da canhoneira Patria, capitão-tenente Salazar Moscoso, e visitei o governador Eduardo Marques, o Bispo e o Patria.. No dia seguinte assistimos a um jantar offerecido pelo governador aos officiaes do S. Gabriel, onde concorreram as principaes auctoridades civis e militares, e quinze officiaes e guardas-marinhas do cruzador, ao todo umas cincoenta pessoas. Pelo telegrapho sem fios informámos para Hong Kong que chegaríamos no dia seguinte pelas 9h30m.
Em Hong Kong não ha estação publica de telegraphia sem fios, mas o nosso despacho foi recebido pelo paquete americano Manchuria, ali amarrado, cujo comandante muito amavelmente o mandou communicar ao cruzador Rainha D. Amélia.
Pelas 6 horas da manhã do dia 10 suspendemos da rada e seguindo pelo sul de Lantao, amarrámos em Hong Kong pelas 9h30m à boia n.º4, depois de pedir licença ao navio chefe Vasco da Gama e de salvar à terra com 21 tiros e ao commodoro inglez a bordo do Tamar com 11.”
(1) GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954.
(2) BASTO, A. J. Pinto – Cruzador S. Gabriel. Viagem de Circumnavegação. Lisboa, Livraria Ferreira, 1912 , 444 p.
NOTA: Os desenhos são do autor do livro, A. J.Pinto Basto
Ver anterior referência em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2015/08/06/leitura-cruzador-s-gabriel-viagem-de-circumna-vegacao/
Capa e lombada duras, com sinais de manuseamento, de 20,5 cm x 15 cm x 5 cm de dimensões.
Relato /diário do Comandante A. J. Pinto Basto (1) da viagem de circumnavegação efectuada pelo Cruzador S. Gabriel que passou por Macau e Hong Kong (onde esteve ancorado) de 7 de Agosto a 25 de Setembro de 1910.
Na Introdução e dirigido aos leitores, o autor refere:
“Foi o S. Gabriel não só o primeiro navio de guerra portuguez que realizou uma viagem de circumnavegação, mas o primeiro navio portuguez que passou pelo estreito de Magalhães e Canaes da Patagonia, e entrou nos portos do Chile, Peru, Panama, Mexico, California e ilha de Hawai…(…)
Em 1900 entraram no Tejo os cruzadores D. Carlos, construído pela casa Armstrong, e o S. Gabriel e S. Rafael, pelas Forge e Chantiers no Havre, mandados adquirir pelo ministro da marinha Jacinto Candido. A permanência d´estes navios nas colonias era desnecessária e dispendiosa. Com o telegrapho e o augmento da velocidade e do raio de acção dos navios de guerra tornava-se facil mandar um ou mas navios a qualquer parte das nossas colonias. A inacção dos navios nas Estaçoes Navaes era prejudicial à sua conservação, e a demora prolongada em maus climas arruinava a saude das guarnições que frequentemente era forçoso substituir, o que, junto ao custo elevado do combustível, sobressalentes e mantimentos, obrigava a grandes sacrificios o pequeno orçamento da marinha. Foi attendendo a estas circumstancias e com applauso de toda a corporação da Armada, que o ministro da marinha Terra Vianna determinou que, em vez de fazerem arte das Estações Navaes os nossos cruzadores fizessem circulatorias percorrendo as colonias.”
O livro além de fotografias, mapa desdobrável, contém muitos desenhos feitos pelo autor, A. J. Pinto Basto, ilustrativos dos locais e peripécias vividas nessa viagem, comentados assim pelo autor:
“Os desenhos que acompanham o texto, apenas teem o valor de serem originaes”
Primeira página com uma assinatura (ilegível) de posse.
O «S. Gabriel» era um cruzador de aço, protegido por uma coberta couraçada de 35 milímetros, com 1:850 toneladas de deslocamento, 75 metros de comprido, 10 ,8 m de boca e 4,35 m de imersão a ré. Foi construído pelas Forges et Chantiers, no Havre, em 1900. Estava armado com duas peças de 15 c. Schneider-Canet uma no castelo e a outra no tombadilho, com quatro peças de 12 c. às amuradas e oito de 7,5 c. Tinha à proa um tubo lança-torpedos.
Tinha três mastros, mas antes da partida para a viagem de circum-navegação tirou-se o mastro da mezena e deslocou-se o grande afim de instalar o telégrafo sem fios.
Competia ao S. Gabriel fazer a primeira viagem circulatoria pelas colonias, de acordo com o decerto de 16 de Setembro de 1909.
Partiu na tarde do dia 11 de Dezembro de 1909 da barra de Lisboa, em direcção da Madeira (e depois América do Sul) e conclui a sua viagem entrando na mesma barra em frente ao Arsenal na tarde do dia 19 de Abril de 1911. Durou 16 meses e 9 dias percorrendo 41 981 milhas (quase duas voltas ao globo pelo equador) fazendo escala por 72 portos (alguns deles mais de uma vez).
“Apesar de ter havido por vezes mau tempo e ter passado a 40 milhas do centro dum tufão no mar da China, nunca sofreu avaria importante, quer no casco quer nas máquinas, e algumas pequenas avarias foram reparadas a bordo. Não se deu óbito algum a bordo, não houve doença alguma doença grave ou contagiosa, não houve qualquer desastre pessoal. Em todas as Colónias Portuguezas, desde Macau e Timor até Cabo Verde, prestou-se serviços sempre de acordo com os respectivos governadores.” (1)
“O custo total da viagem foi de 174.556$817 réis, isto é, uma média mensal de 10.709$007. A principal despesa foi em combustível. Nos diferentes portos despenderam-se 81.720$768 réis, a maior despesa foi em Hong Kong, 11.593$231 réis, onde a demora foi maior, e o navio entrou na doca.” (1)
Comandava o cruzador, o Capitão de fragata António A. J. Pinto Basto (autor do livro) (2), 28 oficiais, 24 do estado menor, num total da guarnição de 255 pessoas.
(1) BASTO, A. J. Pinto – Cruzador S. Gabriel. Viagem de Circumnavegação. Lisboa, Livraria Ferreira, 1912 , 444 p., 20,5 cm x 15 cm x 5cm.
(2) António Aluísio Jervis de Atouguia Ferreira Pinto Basto (1862- 1946), oficial da armada, amigo de infância do rei D. Carlos I (aprendendo a pintar com o mesmo mestre, o pintor aguarelista espanhol Enrique Casanova), foi depois ajudante em campo deste rei e do seu sucessor, D. Manuel I. Terceiro visconde de Atouguia. Monárquico que “apanhou” a república em Outubro de 1910, enquanto navegava no cruzador S. Gabriel. Como “bom” militar arvorou no cruzador a bandeira republicana mas ao chegar a Portugal pediu a demissão da marinha. Foi depois nomeado para a Empresa Nacional da Navegação (em 1918 passou a denominar-se Companhia Nacional de Navegação ) até à reforma.
NOTA : Sobre este autor e leitura do capítulo dedicado a Hawaii (em inglês) sugiro leitura de “The Voyage of the S. Gabriel, Portuguese Naval Vessel, to Hawaii in 19102, em:
https://evols.library.manoa.hawaii.edu/bitstream/handle/10524/319/JL21089.pdf?sequence=2