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Duas notícias publicadas no mesmo dia, (uma datada de 4 de Outubro de 1872, de Madrid) ambas publicadas no «Diário Illustrado» de 5 de Outubro de 1872,, (1) anunciavam o seguinte:
“O Visconde de Paiva, filho do antigo ministro de Portugal em Paris, primeiro marido da condessa prussiana Hendel-Donnermark, suicidou.se hontem Foi levado morimbundo para o hospital”
1:º Notíca:
2.ª Notícia:
Trata-se da notícia do suicídio do macaense Albino Francisco da Paiva Araújo (2) em «Ile de France», Paris. As fontes consultadas não coincidem com a data da morte (mesmo na postagem anterior, citei: 08.11.1872) mas com esta notícia publicada no dia 5 de Outubro de 1872 (2) conclui-se que a morte tenha sido a 3 de Outubro de 1872.
Não era “um mancebo de 30 e tantos anos apenas” (como vem publicado) mas tinha 48 anos quando se suicidou.
No entanto, Albino de Araújo de Paiva, que se auto intitulava marquês ou visconde, em Paris, não era aristocrata nem possuía qualquer título nobiliário e não é filho de Francisco José da Paiva Pereira (3),1.º Visconde de Paiva “cavalheiro muito estimado tanto em Portugal como no estrangeiro, por largos anos amigo de Napoleão II” que foi embaixador português em Paris na década de 50 (séc. XIX). Talvez por ser “Paiva”, Albino Francisco da Paiva Araújo assumiu-se ser parente de Francisco José da Paiva Pereira, daí a notícia errada.
(1) O «Diário Illustrado» (1872-1911), n.º 97 – Sábado 5 de Outubro de 1872.
(2) Albino Francisco Araújo de Paiva, nasceu em Macau 18.05.1824, filho de Albino José Gonçalves de Araújo (1797 – 1832) (negociante abastado em Macau, relacionado com o comércio do ópio) e de Mariana Vicência de Paiva (22.07.1802). Casou em Paris (Ile de France) em 05.06.1851 com Pauline Thérèse Blanche Lachmann (nascida Esther Lachmann)  (07.05.1819 -21.01.1884) Não houve descendência deste casamento.
Pauline Thérese Blanche Laschmann que em Paris ficaria conhecida como “La Paiva” obteve anulamento do seu casamento com Albino Paiva Araújo em 16-08-1871 e em 28.10.1871 casaria com Guido Georg Friedrich Erdmann Heinrich Adalbert, Conde Henckel von Donnersmark.
Albino Paiva Araújo é sobrinho de Francisco José de Paiva, referenciado anteriormente em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/francisco-jose-de-paiva/
Ver anteriores referências a este boémio ”visconde” bem como o de sua família e a “ Senhora La Paiva” em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/albino-f-paiva-araujo/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/mariana-vivencia-de-paiva/
https://en.wikipedia.org/wiki/La_Pa%C3%AFva
NOTA: sobre a vida deste malogrado “visconde” aconselho ainda a leitura do artigo de José Simões Morais em:
https://hojemacau.com.mo/2017/03/10/o-macaense-albino-de-paiva-de-araujo-na-europa/
e outras referências:
https://issuu.com/hojemacau/docs/hm-17-3-17/14
https://www.sabado.pt/social/internacional/detalhe/a-prostituta-que-casou-com-o-marques-de-paiva
(3) Francisco José da Paiva Pereira (12.11.1819 – 25.12.1868) – 1.º Barão (1853) e depois 1.º Visconde de Paiva (1858). Foi ministro de Portugal em Paris e depois em Berlim. Este embaixador que casou com Carlota de Oliveira Maia em 19.12.1838,  teve  descendente Adolfo de Paiva Pereira ( 9.10.1839 – ????), 2.º visconde de Paiva, que adido da legação Portuguesa em Bruxelas. Em 1872, Adolfo de Paiva Pereira tinha 33 anos, daí a notícia “um mancebo de 30 e tantos anos apenas”
Francisco José da Paiva Pereira suicidou-se em “Ile de France,” (Paris) a 25.12.1868; daí a notícia final incorrecta: “Tanto o pae como o filho suicidaram-se! Notável coincidencia esta!”

Foi aprovada, por Decreto Régio de 12 de Março de 1847  e publicado no Boletim do Governo da Província de Macau, Timor e Solor de 10 de Dezembro de 1847,  a criação do Batalhão Provisório de Macau, em 17 de Outubro de 1846, pelo Governador João Maria Ferreira de Amaral,  destinado a auxiliar a Força de 1.ª linha.
Este batalhão foi criado pelo Governador Ferreira de Amaral  (e organizado com os moradores), após a revolta dos faitiões de 8 de Outubro desse ano, (1) para reforçar a força armada da Colónia que então o governador reconheceu ser insuficiente para defender a Colónia de possíveis ataques futuros.(2)(3)
A criação deste Batalhão não foi do agrado do Leal Senado que contrariava a política do Governador Amaral mas este proclamava em 22 de Dezembro de 1847 “ha de conservar-se o Batalhão Provisorio no pé em que está, porque o mui disciplinado batalhão d´Artilharia apenas pode suprir para o serviço ordinario, e só serão punidos os Cidadãos, que ou por mandrice, ou por pouco respeito à lei faltarem às reuniões.” (2)
O seu primeiro Major-comandante foi o macaense Francisco José de Paiva, que comandou o Batalhão até 13 de Dezembro de 1849, data do seu falecimento, aos 48 anos de idade. (4) O Batalhão ficou aquartelado no extinto Convento de S. Domingos.
A Relação dos Oficiais do batalhão que era composta por 4 Companhias, todos elas chefiadas por um Capitão,foi aprovado por Decreto de 13 de Dezembro de 1847.

O Estado Maior era formado por:
Major Comandante: Francisco José da Paiva
Tenente  Ajudante: Pedro Marques
Cirurgião-Mór: Joaquim C. da S. Telles
Alferes Porta bandeira: Luiz João da Silva

O Batalhão Provisório de 2.ª linha foi depois reorganizado em Dezembro de 1857 e passou designar-se Batalhão Nacional. Este Batalhão foi extinto em 1876, tendo os militares passado para o Regimento de Infantaria do Ultramar que se manteve até à sua extinção 1893.(5)
Francisco José da Paiva, nascido a 4 de Janeiro de 1801, na freguesia de S. Lourenço era filho de Francisco José de Paiva (natural de Vila do Mato, freguesia de Milhões, do Bispado de Coimbra) (6) e de Inácia Vicência Marques.
Joaquim José de Paiva, avô de Francisco, também natural de Vila do Mato viera de Portugal para Macau no século XVII tornando-se em breve um dos mais ricos comerciantes desta cidade, vindo a família Paiva a ser uma das mais poderosas de Macau. Estava casado com Maria Nunes também natural da Vila do Mato.
Francisco José da Paiva, foi nomeado Juiz ordinário de Senado em 1831, e Encarregado dos Negócios Sínicos, em 1836.(7)
Francisco José de Paiva andou envolvido nas lutas que se travaram em Macau entre constitucionais e absolutistas. Recebida em Macau a nova da revolução de 24 de Agosto de 1820, que proclamara a Constituição em Lisboa, apressaram-se alguns elementos a jurar aqui a Constituição, o que se realizou em 15 de Fevereiro de 1822.
Em 19 de Agosto de 1822, é eleita pelos constitucionais a nova Câmara, sendo escolhido Francisco José da Paiva para Procurador com 87 votos; esta Câmara cessou em 23 de Setembro de 1823 dia em que tomaram posse do Governo de Macau,  o Bispo Fr. Francisco de N. Sra. da Luz Chacim, o Major João Cabral de Estefique e o vereador do senado Inácio Baptista Cortela.
Francisco José de Paiva  foi nomeado em 1846,  o primeiro Cônsul de Portugal em Hong Kong. Foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo.
Fora das suas actividades como grande Homem Público, Francisco José de Paiva tomou parte importante na fundação da antiga «Casa de Seguros de Macau» de que foi, entre as pessoas particulares, o segundo maior accionista. (8)
Francisco José de Paiva casou com Aurélia Pereira (neta paterna do conselheiro Manuel Pereira) e tiveram 3 filhos: Francisco José de Plácido de Paiva (1836) Carolina Maria de Paiva (1839) e António Aurélio de Paiva (1843).

Seminário S. José 1929Igreja do Seminário 1929

Faleceu a 13 de Dezembro de 1849, sendo sepultado no Cemitério de S. Paulo. A lápide sepulcral  de Francisco José de Paiva foi depois transladada para a igreja do Seminário de S. José, onde está na parede debaixo do coro, à esquerda de quem entra do lado do Evangelho.(2)

Seminário S. José -Lápide de Francisco José PaivaTRADUÇÃO
Cristo, alfa e ómega, i. é. princípio e fim

“Aurélia Pereira de Paiva, viúva, com os seus filhos, Francisco José Plácido de Paiva, da Ordem de S. bento, e Carolina Maria de Paiva, pede, aflita, luz e descanso para Francisco José de Paiva, caritativo para com os pobres de Cristo, o qual nasceu em Macau, em 4 de Janeiro de 1801, e aqui faleceu em 13 de Dezembro de 1849, confortado com os sacramentos da Igreja”.

NOTA: Francisco José de Paiva tem o seu nome na toponímia de Macau: Travessa do Paiva (擺華巷), construída pelo Eng. Abreu Nunes em 1896, que começa entre a Rua Central e a Rua de S. Lourenço e termina na Rua da Praia Grande, ao lado do Palácio do Governo.
(1) “08-10-1846 – O Governador João Maria Ferreira do Amaral sufocou, prontamente a revolta dos faitiões (embarcações chinesas de passageiros e carga) que se tinham revoltado por ter sido lançado o imposto de uma pataca sobre essas embarcações, o qual fora proposto ao governo pelo Procurador da Cidade Manuel Pereira. “(GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954)
(2) TEIXEIRA, P. Manuel – Galeria de Macaenses Ilustres do Século XIX, 1942.
(3) E não tardou muito que os acontecimentos viessem demonstrar a veracidade desta afirmação, pois que, assassinado o Governador Amaral, em 22 de Agosto de 1849, e vendo-se a cidade ameaçada pela invasão china, o batalhão Provisório concorreu bastante para a memorável vitória de 25 de Agosto, segundo se vê, das seguintes palavras do Capitão Ricardo de Melo Sampaio (Boletim do Governo n.º 80 de 5 de Setembro de 1849) : “As forças do batalhão Provisório que me foram enviadas durante a acção concorreram bastante pela sua actividade e disciplina par que o resultado da luta nos fosse favorável, e sem algum acontecimento funesto a não ser um só ferido, não gravemente.(2)
(4) Boletim do Governo da Província de Macau, Timor e Solor, Ano V, n.º 89, de 10 de Janeiro de 1850:

NECROLOGIA

«Um dos golpes mais severos, que tem soffrido ultimamente esta nossa Cidade, é pela voz geral de todos, a falta do nosso mui digno, e mui chorado concidadão o Ilmo. Sr Francisco Jozé de Paiva, Commendador da Ordem de Christo, nomeado por sua Majestade Fidelíssima, Consul Portuguez em Hong Kong, e Commandante do Batalhão Provisório de Macao. – Elle já não é comnosco! No Cemiterio de Sm. Paulo, onde jaz, está esperando, como os outros que alli moram, o dia final dos seculos …(…)
…Alem d´outras prendas estimaveis, que possuia, fallava a sua lingua materna com pureza, e correcção , assim coomo diversas outras d´Europa, não ignorava o latim, sabia a Historia, e a Geographia, amava e cultivava a Musica e a literatura nacional e estrangeira, de que tinha bom conhecimento. Sua enfermidade foi longa; mas supportada com paciencia…
(5) CAÇÃO, Armando António Azenha – Unidades Militares de Macau, 1999.
(6) Francisco José de Paiva (pai do biografado, com o mesmo nome) nascido em 1758, em Midões,  faleceu em Macau (27-11-1822) sendo sepultado na Igreja do Convento de S. Francisco. Casado com Inácia Vicência Marques (faleceu a 2 -11-1848) que era proprietária do mato/monte do Bom-Jesus onde estava instalado o Carmelo de Bom Jesus. Tiveram  oito filhos.
Uma das filhas Maria Vivência da Paiva (irmã do biografado, Francisco José de Paiva que era o terceiro na linhagem mas varão) nascida em Macau a 22 de Julho de 1802.
casou com Albino Gonçalves de araújo proprietário do navio Conde de Rio Pardo de quem teve um filho, Albino Francisco de Araújo que nasceu em Macau na freguesia de S. Lourenço a 19-05-1824 e se suicidou em paris em 1873 com 51 anos de idade. este episódio relatei em:
“OUTRAS LEITURAS – 365 Dias com histórias da HISTÓRIA DE PORTUGAL (I)”
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/05/02/outras-leituras-365-dias-com-historias-da-historia-de-portugal-i/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/albino-f-paiva-araujo/
(7) “07-10-1836 -O Procurador Francisco José da Paiva escreve ao Mandarim da Casa Branca, pedindo para autorizar o restauro da Fortaleza da Barra, destruída com o último tufão e chuvas, alegando ser obra pública de grande necessidade.” (SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 3, 1995)
(8) “29-11-1817 -Foi instalada a Casa de Seguros de Macau que devido ao seu poderio, era conhecido por Casa Forte. A sua primeira direcção, nomeada a 23 de Dezembro de 1817 ficou  assim constituída: Presidente, o Barão de São José de Porto Alegre; Vogais, Francisco José da Paiva e João de Deus Castro ....” (SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Volume 3, 1995)

Falecimento de Francisco José de Paiva (irmão de Mariana Vicência de Paiva) (1)   (nascido a  04-01-1801). Nomeado em 1846, Cônsul de Portugal em Hong Kong, foi o primeiro cônsul português nessa colónia britânica. Foi ele que deu o nome à Travessa do Paiva, que começa entre a Rua Central e a Rua de S. Lourenço e termina na Avenida Praia Grande, ao lado do Palácio do Governo (2)

NOTA: em 1846, num dos primeiros recenseamentos publicados em Hong Kong, são indicados cerca de 50 portugueses com actividade profissional, um terço dos quais funcionários do governo. A maioria, no entanto desempenhava tarefas de escriturário ou de contabilista em companhias de comércio, em bancos, em agências de navegação, registando-se desde logo uma tendência para um número significativo de portugueses abraçar o sector gráfico e de impressão (3)

(1) Mariana Vicência de Paiva foi mãe de Albino Francisco de Paiva Araújo, referido em “OUTRAS LEITURAS – 365 Dias com histórias da HISTÓRIA DE PORTUGAL (I)”
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/albino-f-paiva-araujo/
(2) TEIXEIRA, Monsenhor M. – A tragédia de Albino Gonçalves de Araújo, boémio macaense in NAM VAN n.º 16, 1989, pp. 47-51
(3) , Luís Andrade de – The Boys From Macau/Portugueses em Hong Kong. Fundação Oriente/Instituto Cultural de Macau, 1999, 202 p., ISBN 972-9440-93-X

Ofereceram-me e estou a lê-lo (1), uma história por dia (às vezes, duas ou três!) seguindo a indicação do autor na “Introdução”:
“A ideia é que o leitor tome uma delas por dia, como remédio para a alegria de viver. mas ao contrário do que se passa com os medicamentos que se vendem nas farmácias, estes permitem que se esforce a dose à vontade sem que daí advenha qualquer dano físico ou moral. pelo contrário”
Até agora (vou na SEMANA 4) encontro três histórias com ligação a Macau. A primeira nos “Factos & Episódios” sobre “O Governador decapitado” (João Ferreira do Amaral que abordarei em futuro(s) post ); a segunda ” O dragão e a formiga“, sobre os acontecimentos de “1,2 e 3” e o terceiro, a mais interessante (e mais desconhecida dos macaenses) de “Amores, Traições & Infidelidades”  intitulada ” A judia polaca de Paiva Araújo“.
“Era um dia triste do inverno de 1872, ali na margem do Sena…(…) … vindo a deparar com o amigo estendido na cama e de rosto desfeito por um tiro disparado á queima-roupa. Tinha-se suicidado. Os outros compreenderam. A «culpada» era la Paiva.”
Quem era Albino Francisco de Paiva Araújo ? (2)
Nascera em Macau, 48 anos antes, filho de um negociante rico e de uma bela mestiça chamada Mariana que, ao enviuvar, decidira estabelecer-se no Porto, onde ficou conhecida por A Macaense”
Camilo Castelo Branco que conheceu Albino Paiva Araújo, sobre ele refere:(3)
Paiva Araújo nascera em Macau e era filho único de um negociante rico, ali falecido por 1842. Quando o pai morreu, Paiva Araújo estava em Paris num colégio. A viúva veio para a Europa, e para residir escolheu o Porto, onde não conhecia alguém. Mandou edificar uma casa perto da alameda da Aguardente, mobilou-a com muito gosto e selecta riqueza de baixelas de ouro e prata, jarrões japoneses e porcelanas antigas. Fechou-se com o seu misterioso luxo de fada, sozinha, quasi desconhecida de nome e de pessoa. Chamavam-lhe a Macaense. O seu nome era D. Mariana de Paiva Araújo. Sabia-se apenas que era viúva, muito rica e tinha um filho a educar em França. A casa arquitectada pelo risco burguês, trivial no Porto, era de azulejos amarelos com muitas janelinhas de estores brancos, sempre descidos. Tem um jardim com vasto portal gradeado para a rua, tufado de bosquetes de arvores exóticas e miniaturas de montanhas que punham na alma saudades das florestas do Bussaco e Senhor do Monte. Paiva Araújo não frequentou curso algum nem adquiriu noções vulgares em algum ramo de ciência. Aos dezoito anos veio para a companhia da mãe. Sobejava-lhe riqueza á mãe extremosa que dispensasse o seu filho único dos fastios de uma formatura inútil.
Por 1845 apareceu Paiva Araújo no Porto curveteando garbosamente o seu cavalo árabe por aquelas sonoras calçadas. Era um galhardo rapaz trigueiro, alto, com um buço preto encaracolado nas guias, elegante, sem as farfalhices coloridas da toilette dos casquilhos seus coevos. Tinha poucas relações, e dava-se intimamente com Ricardo Browne, o arbitro da moda…
O Porto e a vida reclusa de sua mãe deviam ser intoleráveis a Paiva Araújo. Browne saiu para Paris, e ele para Lisboa, onde se notabilizou facilmente pelas prodigalidades das suas despesas. Bulhão Pato, em um dos seus escritos entristecidos pela saudade daquele tempo, fala do cavalheiro Paiva Araújo. Dava jantares aos rapazes da alta linha, a colmeia do Marrare do Chiado, parte dos quais ainda vive mais ou menos pintada ; e, feito o ultimo brinde, quebrava a louça do toast, voltando a mesa como quem ergue a tampa de um baú. Pagava generosamente o prejuízo. O seu vinho, além de reduzir os cristais a cacos, não tinha mais funestas consequências. Assim que perfez a idade legal, pediu o seu património paterno á mãe, e foi viajar. Recebeu letras no valor de cento e tantos contos.
Conheceu então em Baden-Baden a deslumbrante mulher que chegara da exploração dos lords com um pecúlio que lhe permitiu construir um palácio. Casou.”..(…)…
“Paiva Araújo, casado, visitou Lisboa e a mãe, com a esposa. A polaca no Porto, no topo da fétida rua do Bonjardim, com a nostalgia de Paris! . . Certas mulheres que viveram em Paris, nas máximas condições de horizontalidade, só lá podem viver.
Dois anos decorridos, Paiva Araújo abandonara a viúva do alfaiate, mais ou menos espontaneamente, a um dos cinco mil príncipes russos que dão mobília nova aos bordeis parisienses, e regressou a Portugal com bastantes malas inglesas, uma dúzia de floretes, outras tantas caraças e manchetes, a fora algumas dividas. A mãe pagou-lhe as letras, e perdoou-lhe o casamento e a dissipação do património. Durante quatro ou cinco anos, Paiva viveu muito recolhido no Porto, mas frequentando pouco a convivência da mãe. Habitava uma casinha de duas janelas, situada na extremidade do jardim. Saía de noite, recolhia de madrugada, e passava o dia a comer e a dormir. Um escudeiro levava-lhe em tabuleiro coberto o almoço e o jantar da cozinha da mãe, que ele raras vezes procurava. Era-lhe odiosa, porque lhe não dava dinheiro para sair de Portugal, e apenas lhe enviava mensalmente o necessário para dignamente se tratar na sociedade pacata, frugal e económica do Porto.
Em 1855 e 56 encontrei-o muitas tardes nos pinhais e carvalheiras da Prelada e de Lordelo, passeando com uma francesa de muita vista, escultural, com a trança dos cabelos louros desatada sob as amplas abas d’um chapéu de palha azul ondulante de fitas escarlates. Se eu procurasse o nome dela na sepultura para lho dizer, não o acharia, porque a francesa, d’um espirito raro, morreu na obscuridade da pobreza, e d’uma velhice que redime e pede perdão para os delitos da juventude.
D’essa época lembram-me dois episódios de Paiva Araújo. A Macaense dera azo a que se soubesse cá fora que o filho a quisera matar com veneno, para empolgar a herança. O «Jornal do Porto» dera a noticia com discreta prudência; mas Paiva foi insultar com ameaças de azorrague o honrado proprietário daquele jornal, que desviou de si a responsabilidade da noticia, aliás verdadeira. O outro caso, mais cómico pelas consequências, foi um duelo á espada, por motivos melindrosamente caseiros, com um fidalgo portuense chamado D. António Peixoto Pinto Coelho Pereira da Silva Padilha de Souza e Haucourt, simplesmente. Se bem me recordo, Paiva Araújo desarmou, com pouca efusão de sangue, o contendor. D. António, alucinado com o êxito do duelo, atirou se da ponte Pênsil sobre . . um barco rabelo de batatas que vinha mansamente descendo o Douro. E saiu sem contusão d’entre as batatas que, de certo, não eram tão macias e flácidas como os almadraques de um califa de Córdova…
E quem era la Paiva?
Para quem estiver interessado, além da leitura da história,  pp. 449-451 do livro (1), sugiro  a leitura “esboço incompleto da extraordinária história de La Paiva (1819-1884)”, na “biografia” mais completa de  (Esther) Thérèse Pauline Blanche Lachmann no Blog “Do Porto e não só …” (4) e  “Los Diamantes de La Paiva” (5).
E continua Camilo (3)
“Em 1860 encontrei Paiva Araújo em Braga, seccionando francês no colégio da Madre de Deus, no palácio dos Falcões, onde uma família estrangeira tentava inutilmente a fortuna. O marido de Branca Lachmann, n’esse ano, trajava menos que modestamente. O seu casaco e chapéu, em tais condições, não lhos aceitaria um dos seus antigos criados. Dobaram-se alguns anos em que nada averiguei ; até que, em 1873, li nos jornais portugueses que Paiva Araújo se suicidara em Paris. Conversando a tal respeito com António Augusto Teixeira de Vasconcellos, em Lisboa, por 1874, me disse o famoso escritor, que o conhecera muito em Paris, e tinha exactas informações da sua morte. O marido indigente de madame de Paiva procurou congraçar-se com a sua marquesa, que vivia opulentamente no seu palácio de Pont-Chartrin o das 365 janelas, decorado por Paul Baudry, ligada ao conde Henckel de Donnesmark. Ela repeliu-o. Paiva manteve-se algum tempo de empréstimos, e pequenos donativos talvez da mãe com que ia disfarçando a sua pobreza aos olhos de outros a quem tencionava recorrer. Um dia, era grande apuro, escreveu pedindo 2.000 francos a um rico e antigo conviva dos seus desperdícios, e, juntamente com a carta, meteu na algibeira do frac coçado, um revolver. A carta foi, posta interna, ao seu destino, e a resposta, no dia imediato, foi entregue ao porteiro do hotel. Quando voltou a casa e leu a resposta negativa, ainda subiu alguns degraus, e, no primeiro patamar, caiu moribundo com um tiro no peito. Se bem me lembro, foi o ministro português quem pagou o carro que conduziu o cadáver ao Père La Chaise.”
NOTA:A cidade do Porto foi a primeira cidade portuguesa a ter os carros americanos. Em 1858, Albino Francisco de Paiva Araújo, solicitou ao Governo “concessão para estabelecer um caminho de ferro dos denominados americanos” entre esta cidade nortenha e a Foz, não consegue a autorização da «embora esta tenha sido obtida pelo Barão da Trovisqueira em 1870.” (6)
1) MARTINS, Luís Almeida – 365 dias com histórias da História de Portugal. A Esfera do Livro, 3.ª edição, 2011, 694 p., ISBN  978-989-626-337-9
(2) http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=632687
Albino Francisco Araújo de Paiva
Macau 18.05.1824 + Ile de France, Paris 08.11.1872
Pai:  Albino José Gonçalves de Araújo 1797
Mãe:  Mariana Vicência de Paiva  22.07.1802
Casamento Ile de France, Paris 05.06.1851
Thérèse Pauline Blanche Lachmann  07.05.1819
Não houve descendência deste casamento
A Macaense” Mariana Vicência de Paiva nasceu em Macau 22.07.1802 (7)
Pai: Francisco José de Paiva c. 1758
Mãe: Inácia Vicência Marques,
Casamento: Macau, S. Lourenço 08-01-1823 com Albino José Gonçalves de Araújo,  1797
(3) BRANCO, Camilo Castelo – Madame de Paiva, pp. 535-541 in SANTOS, Carlos Pinto; NEVES, Orlando – De Longe à China, TOMO II. Instituto Cultural de Macau, 1988, 781 p.
(4)  http://doportoenaoso.blogspot.pt/2010/10/esboco-incompleto-da-extraordinaria.html
(5)  http://retratosdelahistoria.lacoctelera.net/post/2009/11/02/los-diamantes-la-paiva
(6) MARTINS, Fernando Pinheiro – O carro eléctrico na cidade do Porto. Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 2007.
     http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/12819/2/Texto%20integral.pdf
(7) http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=632716