O lodo amorteceu a pedalada
Da perna treinada
Para mover o mundo
E a prancha flutuando
Andou dois palmos
Um peixe e mais além
Num esforço, outro e outro
Até a cesta revelar o produto
Do salário retirado dos detritos
Era assim a vida sempre
A mesma faina no limitado
Horizonte do delta
No cerco
Renda de bilros lançados
Como estacas a maré
Mais peixe o esperava – seria para depois
Antes, porém, foi pedalando a prancha
No reflexo dos prédios da baía
Desenhando no lodo arabescos
Copo curvas sinuosas
Do seu rosto sombreado
Pelo sol
Junto à rede, atolado
O pequeno barco aguardava
O regresso da maré.
Com a tarde chegou a hora
De recolher o cerco
E a renda foi subindo
Na jangada
Vela não tinha
Só um par de remos
Na amurada
Rota não tinha
Só nos olhos havia
Vida não via
Só a prancha a sustinha
Casa não tinha
Só o barco o sabia
Corpo sim existia.
Alberto Estima de Oliveira
Poesia e foto publicados na revista «Macau» n. 17 de 1989.