Poema de Maria Anna Acciaioli Tamagnini, feito a favor do Asilo de Santa Infância em 1 de Abril de 1929.

Quebra o silêncio da noite
A sineta do convento
Dlão … Dlão…
Como é triste o seu lamento!
Ouvem-se tímidos passos
E o ranger soturno e lento

De um portão
…………………………………………….
Com um filhinho nos braços
Implora a voz da desgraça …
Responde-lhe uma opção:
«Ave Maria cheia de Graça».

Em míseros farrapos embrulhada
A criança, a arder em febre, debilmente,
Põe-se a chorar …
Pálida e calma, a dor já costumada,
A irmã porteira embala-a, docemente,
Para a calar.

Range de novo a porta do convento
E a mãe, surge, a tremer, na noite escura,
Hirta de espanto …
Tem medo de si mesma, o sofrimento
Embrureceu-lhe o olhar; a desventura
Secou-lhe o pranto.

Corpo sem alma! Mulher inconsciente!
Que razão poderosa te levou
A abandonar
O filho pequenino, o inocente
Que em teu seio dorido se gerou
Para te amar? …

E o meu olhar fitou na noite escura
Uns olhos quietos, vgos, sem expressão,
Olhar de alguém.
Que deixou de sentir, porque a amargura
Lhe esmagara no peito o coração!
Ó pobre Mãe,

Não olhes para mim tão desvairada!
Eu adivinho a dor que te consome
E a razão forte …
Eu vejo-a, na tua face macerada:
Abandonaste-o para evitar-lhe a fome,
Talvez, a morte

Um suspiro de mágoa ouve-se ainda.
E ela lá vai gemendo o seu tormento,
Triste destino!
……………………………………………………..
Nos céus surgiu a lua branca e linda
A iluminar a rua; e no convento
O pequenino,

Deitado num bercito de madeira,
A custo abre os olhitos, magoados,
Fitando a luz.
Sorri-lhe ternamente a enfermeira
E enchendo-o de carinhos e cuidados
Reza a Jesus.

E quase todas as noites
Se ouve a sineta tocar,
Dlão… Dlão …
E há corações a velar
No velho e pobre convento,
Que abnegação!

São as mães do sentimento,
Que, pelo divino amor,
Dão fé a quem a não tem
E aconchego aos pobrezinhos,
Aos pequeninos sem mãe!

1 de Abril de 1929
Maria Anna Acciaioli Tamagnini (1)

NOTA: Além do Hospital dos Pobres e dos Lázaros, a Santa Casa tinha, quase desde os seus primórdios, a Casa dos Expostos, ou a Roda, vulgarmente se lhe chamava, a fim de recolher os enjeitados, geralmente filhos de chinesas e escravas. A Santa Casa cuidava deles através de uma regente e de amas, para cuja escolha existiam exigências rigorosas. A taxa de mortalidade entre estas crianças abandonadas era muito elevada e, mais do que salvar-lhes a vida, a Misericórdia procurava salvar-lhes a alma através do baptismo. José Caetano Soares, Macau e a Assistência: Panorama médico-social, p. 342.

O Governador José Maria da Ponte e Horta, pela Portaria de 1867, proibiu a Roda, em Macau, mas sem resultados práticos. E só em 1867 foi abolida quando a Santa Casa confiou os Expostos às Filhas de Caridade Canossianas, que tomaram conta deles, a princípio no próprio edifício dos Expostos e, mais tarde, no Asilo da Santa Infância, em Santo António.Pe. Manuel Teixeira, Bispos, Missionários, Igrejas e Escolas: no IV Centenário da Diocese de Macau, (Macau e a sua Diocese, Vol. 12), p. 2

O asilo da Santa Casa da Misericórdia apenas recebe e sustenta 30 a 40 órfãos e somente lhes ministra instrução primária e instrução comercial, mandando-os à escola pública e onde aquelas disciplinas se ensinam. Mas isto não basta, porque o número dos órfãos em Macau vai muitíssimo além daquele, e nem todos se dedicam ao comércio. Se para o sexo feminino se têm adoptado acertadíssimas providências pela creação e manutenção do Asilo de Santa Infância, e da Casa de Beneficência e do Colégio de Perseverança; para os órfãos do sexo masculino, tudo o que se tem até hoje feito se reduz ao Asilo da Santa Infância que os não pode agasalhar além dos 8 ou 10 anos e ao Asilo da Santa Casa da Misericórdia cuja acção benéfica não sae dos acanhados limites que deixo indicados e cuja organização deixa a desejar.
Carta de João Paulino de Azevedo e Castro de Singapura 29 de Julho de 1904
http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP126/PP126132.HTM

(1) TAMAGNINI, Maria Anna Acciaioli – LIN TCHI FÁ – Flor de Lótus. Editorial Tágide, Lta. 2006, 99 pp. + |Glossário|, 21 cm x 15 cm. ISBN 989-95179-0-9.