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Continuação da leitura do documento – carta escrita não assinada por um Irmão boticário do Colégio de S. Paulo, dirigida ao Padre Visitador Jerónimo Rodrigues em 21 de Dezembro de 1625 e cópia da mesma, ao Rev.mo Padre Geral no ano de 1626 (1) (2)

“ É muito risco de quem cura nesta terra, porquanto não há nela nenhum médico letrado e de autoridade para acudir a um erro, quando acontece uma cura, para o remediar e, também, para desenganar a muitos quando lhes morrem os parentes ou pessoas de sua obrigação e cuidam que tal ou tal coisa foi a causa de morte, como, por vezes, me aconteceu, sendo falso o que nesta me impuseram. Sei, de certo, que o mesmo aconteceu aos que aqui curam e, por vezes até ao Padre Gaspar de Castro, da nossa Companhia. Tanto que qualquer médico visita um enfermo, pelo mesmo caso, fica obrigado a continuar coma acura e dar-lhe as mezinhas de consideração. Se houver alguma falta carregará de sua consciência perdendo o crédito e se a enfermidade vai engravecendo e durante muito tempo é obrigado a continuar, como, por vezes, me aconteceu – como nesta terra não há botica, em mezinha alguma ao modo português, senão a deste Colégio, em semelhante caso sou obrigado às mezinhas de muita importância.

Vai em 6 anos que curo nesta Cidade e neste curso de tempo tenho curado 92 homens, deste, alguns 2 e 3 vezes, e 39 mulheres, tudo por ordem dos Superiores, gastando com estes enfermos todas as mezinhas que lhes foram necessárias, afora outras que dei, por ordem de outros médicos, sem nenhum destes senhores mandar a esta botica 1 só pardau pela ajuda, sabendo bem que este Colégio é pobre. Mais parece que gente tão ingrata não merece tão bem servida e o certo é que estes senhores cansam os Superiores e a mim, mais para não gastarem, do que por lhes faltar na terra quem os cure.”

(1) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/12/21/noticia-de-21-de-dezembro-de-1625-leitura-da-carta-do-irmao-boticario-i/

(2) SOARES, José Caetano – Macau e a Assistência, 1950 pp. 28-32 p. 29 

Manuel de Saldanha de Albuquerque e Castro, 1.º Conde da Ega.

A 20 de Março de 1758, o Rei de Portugal D. José I, (rei de 1750 a 1777) escreve ao Conde d´Ega, Vice Rei e Governador da Índia (1758-1765):
«Por lei de 19-II-1624, publicada em Goa no mês de Abril de 1625 e logo participada ao Ouvidor de Macau, foi determinado que os chins não podiam nem deviam ser escravos».
No entanto, acharam-se subterfúgios e pretextos, (1) (2) dizendo-se
«que ficariam as crianças expostas ao perigo de as matarem os ladrões  chins que as levam a dita Cidade de Macau para os não apanharem com os furtos nas mãos, no caso de não acharem compradores»; outro é de os pais as matarem eles mesmos para evitar as despesas de as criar;
«como se a culpa alheia e particular dos que cometessem semelhantes barbaridades pudesse bastar escusa de pecado próprio e igualmente bárbaro dos que, debaixo de semelhante pretexto, introduziam e estão sustentando uma escravidão geral, que ainda sendo de 40 anos, como se está praticando e convencionando ao tempo dos baptizados pelo chamado Pai dos Cristãos» (3)
Para arrancar pela raiz este absurdo, o rei determina:
«não haja mais escravidão de chins nem ainda temporal de certos anos; antes, pelo contrário, todos os referidos chins de um ou outro sexo sejam livres»… (…) e «ordenando debaixo de penas que por minha lei se acham estabelecidas contra os que fazem carceres privados e roubam o alheio; que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade ou condição que seja, possa reter os referidos chins como escravos mais de 24 horas, contadas da mesma publicação desta. Anulando e cessando toda a jurisdição temporal, que até agora teve o sobredito intitulado «Pai dos Cristãos» e seus constituídos, para que seja exercida pelos meus Governadores, Ministros Officiais, cada na parte que pelos seus Regimentos lhes pertencem» (4)
(1) 1747– D. Fr. Hilário de Sta Rosa (franciscano, Bispo de Macau 1742 a 1750, segundo C. R. Boxer, foi um dos primeiros e proeminentes a condenar o sistema vicioso) numa representação ao rei D. João V, censura os habitantes de Macau por trazerem «timores furtados, enganados, comprados e trocados por fazendas, fazendo-os escravos …» a gente de Macau (faz o mesmo) com as chinas suas naturais, comprando-as em pequenas por limitado preço (dizem que para as fazer cristãs) e depois de baptizadas e adultas as cativam e reputam suas escravas por 40 anos, sem lei que permita, comprando-as, vendendo-as e dando-lhes (ainda com ferros) como escravas, bárbaros castigos). O prelado e os jesuítas são os campeões da liberdade individual e da libertação dos escravos que, apesar de grandes oposições conseguem alcançar.
(2) Em 1758, O Rei D. José I, proíbe esta escravatura e aboliu o cargo de «pai dos cristãos»; o Senado apressa-se também a lançar pregões para que «nenhuma pessoa de qualquer condição pudesse vender Atais sob pena de perderem os ditos Atais (rapazes escravos domésticos) e Amuis (raparigas escravas domésticas), ou a valia destes e pagarem 100 taeis de pena (e todo o que foi impossibilitado para dita satisfação sera castigado corporalmente como a este Senado lhe parecer), a qual quantia sera aplicada para a reedificação das fortalezas desta cidade» (1)
Na verdade o ministro responsável por este decreto foi o marquês de Pombal, que depois expulsaria de Portugal e de todos os seus domínio, os jesuítas.
(3) O “Pai dos Cristãos” era o missionário incumbido dos chineses que se convertiam. Todos os cristãos chineses ficavam debaixo da jurisdição e vigilância deste padre. Como os jesuítas se incumbiam da conversão dos chineses, o «pai dos cristãos» era um jesuíta. A acção do pai dos cristãos exerceu-se, sobretudo, contra a escravatura, que em Macau se começou a praticar logo após a sua fundação. TEIXEIRA, P.e Manuel – Os Macaenses, 1965
(4) Retirado de SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2, 1997.
Ver “Notícia de 30 de Março de 1758. Carta de El Rey D. José I”, acerca do mesmo problema, postado neste blogue em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/03/30/noticia-de-30-de-marco-de-1758-carta-de-el-rey-d-jose-i/