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Lembra-me perfeitamente de que me contaram que no sítio da Bocca do Inferno, próximo da Praia de Cacilhas (onde os hollandezes desembarcaram em 1622) (1) existia uma espécie de caverna ou furna por onde o mar entrava produzindo um ruido retumbante; e que no fundo d´essa caverna estava enterrada no lodo uma peça que, na vasante, se apresentava meio descoberta, comida de azabre ou de ferrugem, e era proveniente dos hollandezes que na fuga precipitada para os seus barcos a deixaram ali abandonada.
Bastantes vezes perguntei a pessoas vindas de Macau notícias da Bocca do Inferno e da tal peça, sem que nenhuma d´ellas mostrasse conhecer taes cousas. Já estava persuadido de que tudo não passava de fantasia infantil, quando, há tempos, tendo comprado n´um dos alfarrabistas de Lisboa uma valiosíssima planta de Macau, (que me parece autographa e inédita) de que nunca até então tivera notícia, lá vi marcada a norte da Praia de Cacilhas a já tão esquecida Bocca do infreno. Da peça é que não reza o papel. Que investiguem se existe ainda tal curiosidade os meus patrícios de Macau, se a água do mar a não comeu já de todo, ou se as ostras e mexilhões a não converteram á laia de rochedo ou pedregulho”. (2)
(1) Ver anteriores referências a este episódio da história de Macau em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/1622/
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/monumento-da-vitoria/
(2) “Hollandezes contra Macau Comprovação de duas façanhas”  – Ta Ssi Yang Kuo Archivos E Annaes Do Extremo Oriente Portuguez , 1899-1900,  Série I – Vols I e II, edição 1984, p. 96.

Extraído de «Arquivo das Colónias» – Vol. II, n.º 11, de 15 de Maio de 1918.

Mais dois “slides” digitalizados da colecção  “MACAU COLOR SLIDES  – KODAK EASTMAN COLOR)”comprado na década de 60 (século XX), se não me engano , na Foto PRINCESA (1)

Miradouro de Nossa Senhora da Penha

 O Miradouro está situado no término da Estrada de D. João Paulino, à entrada da Ermida da Penha e da Residência Episcopal, quase no vértice da Colina da Penha, voltado ao Sul. (2)

Ermida de Nossa Senhora da Penha de França

“Campeia no topo da colina a Ermida de N. Sra. da Penha de França e, mais em baixo, a Gruta de N. Sra. de Lourdes. A Gruta foi construída em 1908, por iniciativa de D. João Paulino de Azevedo e Castro, bispo de Macau (1903-1918), que ali foi sepultado.
Segundo se lê numa lápide, na parede da direita da Igreja da Penha, esta Igreja foi construída em 1934-1935 em substituição da primitiva capela edificada em 1622 e reedificada em 1837. Parece que foi a ermida construída em 1622, que deu o nome de Penha à colina, que antes se chamava de Nilau.” (4)
Existia antigamente uma fortificação no alto da Penha
Na relação do italiano Marco d´Avalo em 1638, escreveu acerca deste forte: «Chama-se o segundo dos fortes Nostra Seignora de la Penna de Francia, porque tem dentro uma ermida com este nome. Está guarnecido com «6 pequenas peças, de 6 a 8 libras de balla» (4)
«Desta Hermida descobre o mar da parte de Oeste, e tem hua peça de bronze de seis libras invocada N. Snr.ª de Penha, e correndo a ilha da parte de sudoeste a largo de tiro de peça está a Fortaleza da Barra» (5)
1) Ver anteriores slides desta colecção em
https://nenotavaiconta.wordpress.com/category/artes/
(2) Ver anteriores fotografias deste miradouro:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/11/23/postais-do-miradouro-da-penha-1940-e-1950/
(3)  Ver anteriores referências em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/ermida-da-penha/
(4) TEIXEIRA, P. Manuel – Toponímia de Macau, Volume I, 1997.
(5) Ta-Ssi-Yang-Kuo, Série I – Vols. I e II, pp. 418,421

N´este anno de 1622, virão os Olandezes sobre Macao para o tomar à força de armas, como o desejão à muito, porque desta maneira se malquistarião com os chinas, pois lhe não fazião a elles guerra, enm multiplicarão povoações de Estrangeiros, que tanto teme esta nasção. E alem disso ficarião empedindo os Portuguezes, ou atravessando este Cômercio, que he o mais groço, de todo o Oriente. Não falo no saque da Cidade, que seria grande, por estar ella ao presente mais povoada, e rica, do que os mesmos inimigos imaginavão; com esta determinação chegarão aqui em 22 de junho 13 vellas Olandezas, entre navios, e Patachos, e Galeotas, em que vinha por general hum Cornelio Regres, e já antes estavão neste Porto coatro navios, que levavão sua Derrota para o Japão… (…)
Picou-se n´este tempo o sino da Cidade, e a gente que por varios logares estavão repartidas veyo concorrendo, posto que sem ordem, nem bandeiras, nem huma Companhia , que tudo faltou de nossa parte, senão a muita providencia de Deos, que por esta via de andarem os nossos espalhados, nos quiz dar a victoria mais barata, e vinha o inimigo já com o rosto nos bambuaes e Cidade, quazi emparelhando com a Hermida de Nossa Senhora da Guia, quando do Monte de São Paulo, que lhe fica sombranceiro, atodo aquelle Campo, se desparou huma pessa grossae apóz ella outras menores, que os fizerão parar, e juntamente reparar na muita gente que tinhão diante de sy, e valle, e pelo monte acima hia subindo até a Hermida, donde forçozamente lhe havia de ficar nas costas se quizece marchar por diante e já neste tempo muitos dos seus dando-se por cercados, não quizerão virar o rosto, ou pelo menos hirem-se retirando…. (…)
… Por elle lhe forão os Portuguezes dando nas costas, e os Olandezes fugindo tão soltamente que muitos largarão bandeiras, armas, e tudo, para hirem mais ligeiros, desta maneira até à praya de Cassilhas , onde tinhão dezembarcado, com diferente brio… (…) (1)

Armada Holandeza por Johan Nieuhof 1665Armada holandeza nas águas de Macau, desenho de Johan Nieuhof  em 1665 (2)

No tempo da briga (de 1622) recolherão (os comerciantes) seus cabedais ao Collegio (da Madre de Deus),como também as Senhoras principais (e “Religiosas de Sta.Clara” – se recolherao na Egreja (e Colégio), ao tempo da batalha, por ficar o dito collegio debaixo (a coberto) da artelheria do dito Monte, e dali não sahirão até a vitória ser alcançada” (Livro de copias de alvarás, cartas e mais papeis pertencentes ao governo economico de Macau, de 1769, citado em Ta- Ssi-Yang-Kuo). (1)
Segundo Guilhaume Isbrantsz Bontekou de Hoorn,, oficial holandês da esquadra, um dos participantes nessa invasão, numa obra escrita por ele e publicada em Amsterdão em 1725:
“Logo ao amanhecer do dia 24, canhoneamos a cidade com todas as bandas de artilheria, sem parar, e tanto quanto as peças poderiam supportar. tendo desembarcado, pouco depois, o nosso comandante com 600 homens, fez-se avançar rente à terra dois yachts, afim de estarem ahi promptos para qualquer eventualidade; principalmente para protegeram a retirada, se a empreza não fosse coroada de bom exito e, tambem, para favorecerem a aproximação das nossas chalupas e dos outros pequenos barcos que conduziam a nossa gente e deviam reconduzil-a quando fosse necessario. Os Portuguezes tinham construido um entricheiramento no sitio onde se devia realizar o desembarque; mas fizeram pouca resistencia, e quando a nossa gente penetrou n´elle, fugiram logo para um mosteiro ou convento situado n´uma eminencia… (…)

POSTAL DST 1986 Forte do Monte - Canhão“Overlooking the Macau Taipa Bridge from Monte Fort“(3)

 … Mas aconteceu-nos um accidente de grande importancia. Pegou o fogo a alguns meios-barris de polvora e não houve maneira de ir buscar outros nem de reparar de prompto essa perda. Pior foi o aviso que os portuguezes receberam do caso por um japonez desertor das nossas tropas. Tencionava-se occultar a retirada que era necessario fazer-se, o que com bastante facilidade se realisaria; mas, tendo esse aviso alterado tudo, cahiram os inimigos sobre a nossa gente que, sem polvora, nehuma resistencia podia oppôr; de maneira que resultou um grande numeroi de mortos. perdemos 130 homens e tivemos numero egual de feridos. N´esse numero contava-se Cornelio Reyertsz, nosso comandante; que foi ferido logo no começo, por ocasião do desembarque, com um tiro de mosquete, na barriga, de que, graças a Deus, não morreu… (...)” (1)

Monumento da Vitória 1927Monumento da Vitória , 1927

Neste relato o cronista holandês não fala como “pegou o fogo a alguns meios-barris de polvora, talvez manhosamente não quis atribuir o incêndio dos barris aos tiros de Monte. A narrativa da época evoca “se disparou huma pessa grossa e apóz ella outras menores“. Outras narrativas falam de ” 3 bombardas saídas duma única peça que ali, de novo, se tinha posto ou ” o P.e Rhó apresta 4 canhões que aí tinha colocado“.
“Do seu contexto porém, comparado com as versões portuguesas, não fica dúvida alguma de que os tiros de artilharia do Monte, dirigidos provavelmente pelo Pe.Jerónimo Rho,S.J., foram os que decidiram a salvação de Macau, nesse dia 22 de Junho de 1622. ” (4)
Um facto pouco conhecido é o seguinte: “ o célebre Padre João Adão Schall von Bell, (1591-1666), (conhecido em português por João Adamo), natural de Koln, e uma das maiores glórias da Companhia de Jesus na China por ocasião do ataque dos holandeses a Macau, tomou parte activa no combate, chegando a aprisionar por suas próprias mãos um dos oficiais holandeses.” (5)

(1) Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vols. I-II, 1899-1900, pp. 163-170.
(2) Johan Nieuhof (1618–1672), escritor holandês, sinologista, explorador e desenhista. A partir de 1649 empreendeu várias viagens ao Oriente onde, em 1664, era um dos principais agentes da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais.
Entre 1655 e 1657 empreendeu uma viagem de cerca de 2400 quilômetros, de Cantão até Pequim, na China, cujo relato fez dele um dos maiores escritores da época em relação aquele império.
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Macau#/media/File:Nieuhof-Ambassade-vers-la-Chine-1665_0739.tif
(3) Postal emitido pela Direcção dos Serviços de Turismo, em 1986.Impresso na Gráfica de Macau Ldª.
(4) PIRES, Benjamim Videira in http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP195/PP195063.HTM
(5) BOXER, Charles Ralph – Ásia Sínica e Japónica, Volume I, 1988 p.178. (245 p.).o

O capitão J. Lima Carmona, num artigo de Ta-Ssi-Yang-Kuo, diz-nos que «no princípio do século XVII, depois do ataque dos holandeses em 1622, foi construída a muralha numa linha contínua, que corta a península de meio a meio na direcção NO. a SE., (ainda se via em 1899), onde havia as portas do Campo e de Santo António, por onde se entrava na cidade. Encravados nesta muralha havia os fortes de S. João e de S. Jerónimo, hoje em ruínas. A muralha, de 16 pés de altura, permitia que os defensores nela se colocassem em toda a extensão, servindo-lhes de parapeito a parte superior que se reduz a um muro de 3 pés de altura por 1 de espessura

Mapa Macau 1665Planta de Macau incluída no Atlas manuscrito de Johannes Vingboons (c. 1665). (1)

O padre jesuíta José Montanha, na sua obra «Aparatos para a História do Bispado de Macau», depois de nos falar da imponência dessa obra de fortificação, S. Paulo do Monte, faz uma referência à muralha, o que passamos a transcrever:
«.   .   . E pegado a ella (2) está hua porta que vai para o Campo de Moha, (3) e desta porta vai correndo o muro das casas dos moradores athe S. António, aonde está outra porta para o ditto Campo, e na mesma forma vay correndo o muro para o Campo da Patane, aonde está hu postigo, e vindo de volta para a praya pequena, fica outro postigo que se fechou por não ser necessário, e do terceiro baluarte desta Fortaleza (4) corre outro pano de muro para a parte de leste pegado ao Baluarte, aonde está o sino, aonde tem hum postigo para o Campo, e andando para o pano do muro a tiro de mosquete está a porta que vai para o Campo de S. Lázaro, e desta porta andando pelo muro a tiro de mosquete está um Baluarte (5) cô duas peças de ferro de 10 libras e na mesma conformidade a tiro de mosquete no mais alto d´esta muralha, e defronte da fortaleza da Guia está outro Baluarte cô huma pessa de ferro assistida para a porta da Fortaleza da Guia e dahi volta o muro para o sul em direitura ao convento de S. Francisco, e antes de chegar a elle tem hua porta que cahe para o mar, a qual se fecha todas noites». (6)
Este último baluarte é o de S. Jerónimo, demolido para se construir o Hospital Militar de Sam Januário.

Muralha Cidade Cemitério 2015Parte da muralha da cidade, ainda visível (foto de 2015) à entrada do Cemitério Protestante (antigo cemitério protestante) no Largo Camões.

(1) O título do Atlas é: “Platte Gronde van Stadt Macao, waer ia aen geweesen wordt de voornamste Plaetsen der Stadt” (Grande Plano da Cidade de Macau, onde se indicam os principais sítios da cidade).
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-218-53.ht
(2) Estava a referir-se ao Colégio dos Padres da Companhia, conhecida como a Horta de S. Paulo/Horta da Companhia.
(3) Campo de Mong Há.
(4) Fortaleza do Monte.
(5) Este baluarte era o de S. João de que não existem quaisquer vestígios. Após um surto de peste bubónica, que teve origem nas habitações existentes próximo do baluarte, no ano de 1895, foram queimadas as barracas com todos os haveres, e seguidamente construídas e alinhadas as ruas. Foi então, desmantelado esse Baluarte de S. João que ficava no cruzamento da Rua de S. João com a da Colina, estendendo-se em sua frente, a conhecida «Horta da Mitra».
(6) Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vols I-II, 1899-1900, pp. 417-418

MBI III-71 1956 Monumento ColoaneMonumento erigido em Coloane à memória dos que tomaram parte nos combates contra os piratas, vendo-se ao fundo a capela de S. Francisco Xavier, orago daquela ilha

MBI III-70 1956 Monumento da VitóriaMonumento comemorativo da vitória sobre os holandeses, em 24 de Junho de 1622 

A 26 de Abril de 1638, faleceu em Pequim, o célebre jesuíta milanês Jacques Rho que da inacabada fortaleza do Monte, disparou o tiro que terá causado a explosão dum barril de pólvora entre os invasores holandeses provocando assim o pânico e a debandada do inimigo, no glorioso dia 24 de Junho de 1622. (1)

Trata-se do padre jesuíta Giacomo Rho (2), nascido em Milão no ano de 1592 (2) ou 1593 (3), que entrou para a Sociedade de Jesus com a idade de 20 anos, como um fraco aluno mas que viria a ser um excelente matemático. Seguiu para o Oriente em 1617 com destino à Missão na China e após estadia em Goa chega a Macau exactamente nesse ano (1622) da tentativa de desembarque dos holandeses na praia de Cacilhas.

Com os seus conhecimentos de matemática, terá ensinado aos habitantes de Macau o uso eficiente da artilharia, e ficado com a “fama” da autoria do tiro “milagroso”.

Fortaleza do Monte 1988Fortaleza do Monte 1988 (Revista Macau)

Rapidamente aprendeu a língua chinesa e em 1624 seguiu para a China. Foi pelo seu excelente conhecimento da matemática que, em 1631, foi convidado pelo Imperador para reformar o calendário chinês juntamente com Johann Adam Schall von Bell, tarefa que o ocupou até à morte em 1638. Consta-se que numerosos dignitários chineses assistiram ao seu funeral. (3)

(1) “24-06-1622 – Retumbante vitória alcançada sobre os holandeses comandados por Kornelis Reyerszoon que, com 14 navios e 800 homens, pretendeu tomar a cidade. O inimigo foi completamente desbaratado ante o indómito esforço dos macaenses, capitaneados pelo denodado herói Lopo Sarmento de Carvalho.”
GOMES, Luís Gonzaga – Efemérides da História de Macau. Notícias de Macau, 1954, 267 p.
Ver anterior post:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2014/03/26/noticia-de-26-de-marco-de-1871-jardim-e-monumento-da-vitoria-i/ 
https://nenotavaiconta.wordpress.com/2012/11/28/noticia-28-de-novembro-de-1615/
(2) No trabalho de Yves Camus (s. j. do Instituto Ricci de Macau), numa lista da presença em Macau de jesuítas da Missão da China (após 1594, no Colégio de S. Paulo)(Quadro B, pp. 24-26), consta o nome de Giacomo Rho 羅雅谷 (1592 1638) que esteve em Macau de 1622 a 1624, tendo trabalhado na China dos 32 aos 46 anos, e sendo um astrónomo que colaborou com Johann Adam Schall von Bell no calendário (reinado do imperador Ming 明 , Tianqi 天啓  – 1621-1628 )
CAMUS, Yves, s.j. – Macao and the Jesuits (A Reading through the Prism of History). Macao Ricci Institute, s/ data, 26 p.
http://www.riccimac.org/doc/CAMUSY_MacauandtheJesuits.pdf
(3) http://en.wikipedia.org/wiki/Giacomo_Rho