Continuação da leitura do livro “CHRONICA PLANETARIA (Viagem à Volta do Mundo) ” de José Augusto Correa, publicado em 1904 (1), referido em anterior postagem (2)

“Á noite animam-n´o as casas de tan tan, onde a jogatina é desenfreada. Esta parte da cidade abunda em pateos, que no Porto têm o nome de ilhas, e no Rio de Janeiro o de cortiços; becos sem sahida, onde se aglomera e amontôa uma população miserável e infecta. Foi aqui que a cólera-morbus estabeleceu o seu quartel – general, estendendo as suas devastações ao bairro europeu, onde já tem ceifado muitas vidas, especialmente no elemento estrangeiro. No dia seguinte ao da minha chegada morreram de cólera dois soldados brancos da guarnição. A cidade, aparte o bairro chinez, é edificada sobre cinco pequenas colinas; Guia (a maior), Penha de França, Mong-há, D. Maria, S. Francisco e Gruta de Camões, cobertas de abundante arvoredo. Os valles que as separam são formosas avenidas bordadas de luxuriante vegetação. O clima é relativamente ameno, especialmente comparado com o das cidades vizinhas. Os hotéis teem fogões nos quartos, signal de que os invernos são rigorosos.

Os macaenses, typo moreno e sympathico, orgulhosamente de ser os mais patriotas dos portuguezes, porque nunca se entregaram a Hespanha, durante os setenta anos do seu domínio sobre Portugal. Por isso a sua Camara Municipal chama-se Leal Senado. Este profundo patriotismo parece, todavia, modificado nos últimos tempos, não por culpados filhos da terra, mas sim dos governos portuguezes contemporaneos , que esqueceram por completo, as gloriosas tradições que fizeram o lusitanos de outr´ora, o primeiro povo colonizador do mundo. Fallei com muitos filhos de Macau, n´esta e nas cidades de Cantão e Victoria, a bordo dos vapores, queixando-se todos amarga e violentamente do abandono, da negligência e especialmente dos vexames das auctoridades portuguezas.Frequentemente são para alli mandados funcionários que não estão á altura dos seus cargos, por vários motivos, do que resulta o aumento da repulsão que os naturaes começam a sentir pela metropole. Ainda nos últimos tempos o caso do major Bragança, que esbofeteou um macauense, traz indignados os leaes portuguezes. (…) 

O bairro chinez é interessantíssimo pela originalidade de todo e pela sua grande, extraordinaria animação, especialmente à noite, com as casas de jogo muito bem illiminadas interior e exteriormente. O mercado de fructa, á luz de candieiros de petróleo e de copinhos de papel de seda colorido, é tudo quanto no género há de mais curiosos. O principal rendimento de Macau é fornecido pelas casas de jogo. Na cidade há muitas fortunas particulares, principalmente de chinezes que enriquecem no seu paiz e veem viver para Macau, felizes e tranquilos na suavidade das leis portuguezas, comparadas com as leis e costumes chinezes. O Leal Senado deve olhar um pouco mais para o bairro china, que é imundo e fétido. Não lhe faltam recursos para melhoramentos locaes, porque além de provêr às suas e às necessidades de Timor, ainda lhe sobra dinheiro. (…) ………continua

(1) CORREA, José Augusto – Cronica Planetaria (Viagem à volta do mundo), 2.ª edição. Editora: Empreza da História de Portugal, Lisboa, 2.ª edição, 1904, 514 p. Illustrada com 240 photogravuras; 15,5 cm x 21 cm.

 (2) https://nenotavaiconta.wordpress.com/2020/07/04/leitura-chronica-planetaria-de-jose-augusto-correa-i/