O Caso do Tesouro do Templo de “Á-Má”, novela policial de Francisco de Carvalho e Rêgo, (1) foi inicialmente publicada na Revista Renascimento de que foi fundador e redactor principal,  com o pseudónimo de Frank Moth.
Nesta edição (2) refundida e aumentada, o autor refere (p. 7 – Explicando) que a novela não nasceu de mera fantasia, “ porque são reais as suas personagens, como real é o simples entrecho que fielmente conservou na intenção única de reviver, tanto quanto possível dentro da verdade, um caso que foi muito falado e que a crueldade do tempo fez esquecer.
Não há antigo residente desta colónia de Macau que não tivesse conhecido o chinês Lau-Hong-Sin, chefe da Polícia de Investigação Criminal, decidido detective a cuja inteligência e astúcia, aliadas a grande amizade a Portugal, muito deveu esta cidade, pela tranquilidade e sossego, que sempre desfrutou.
Lau-Sin morreu há cerca de sete anos, já velho e cansado e talvez esquecido de muitos que deviam ter-lhe dispensado, nos últimos anos de vida, maior consideração e melhor carinho. Havia já muito tempo que o ousado polícia gozava os magros rendimentos de uma pensão de reforma, que ganhava arriscando a vida e o futuro dos seus.
Conheci Lau.Hong-Sin muito de perto e costumava passar algumas horasm de boa conversa com o velho detective, que muito tinha que contar.
Lau – Sin servira na Procuratura dos Negócios Sínicos, onde meu pai, o Dr. José Maria Ernesto de Carvalho e Rêgo, desempenhou o cargo de Procurador, durante alguns anos.
Foi numa tarde chuvosa de um quente dia de Verão que o destemido polícia me contou, a traços ligeiros, a façanha que aqui deixo em pequena novela descolorida, sem dúvida, mas plena de verdade (…)
Capítulo I – No Ano Novo Chinês
Há cerca de quarenta anos, numa noite fria e molhada de Fevereiro, parecia interminável a romaria de fiéis que ao Templo de Á-Má se dirigiam para agradecer os benefícios recebidos durante o ano que findava e pedir felicidade e prosperidade para o ano a chegar.
A população marítima dos Tous, Tèangs e Tancás, ancorados no porto interior, não cessava de dar graças ao Alto, e as oferendas e promessas iam sendo registadas pelos bonzos do Templo, que rejubilavam de tanta fé.
O tesouro do templo estava exposto aos olhos dos fiéis, e tantas eram as oferendas, que algumas tiveram de ser recolhidas no interior, antes mesmo de terminada a cerimónia.
Consistia o tesouro numa imagem em bronze e ouro, da Santa Venerada. A túnica, que a envolvia, toda de ouro, era debruada a rubis e esmeraldas, prendendo em laço, junto ao peito, por um fecho que consistia de dois brilhantes, aos quais, os entendidos atribuíam um valor extraordinário.
Não era muito antiga a imagem e nem mesmo os bonzos sabiam dizer quem a oferecera ao Templo.
Dizia a lenda, bem recente, que uns anos antes, por ocasião de uma terrível trovoada, que caíra sobre a cidade, uma faísca atingira o altar e, logo que o fumo desaparecera, a imagem surgira, para espanto e admiração dos velhos bonzos.
No interior do Templo, havia uma velha arca de pau-preto, marchetada de cobre, que fechava com velhos cadeados de segredo, onde a imagem era guardada, findas as cerimónias, arca que estava a cargo do velho bonzo Lau, que por ela daria a vida, se necessário fosse, tão grande era a honra de ter à sua guarda a venerada relíquia. (…)

(1) Francisco de Carvalho e Rêgo (Coimbra, 1898 – Lisboa, 1960), viveu em Macau cerca de 40 anos. Autor de várias obras, além desta novela policial,  “Da Virtude da Mulher Chinesa” (1949), “Cartas da China” (1949) e “Macau” (1950-. Com uma actividade cultural diversificada, Francisco de Carvalho e Rêgo, também conhecido por Francisco Penajóia, foi ainda fundador da Rádio local, estando também ligado à criação da Academia de Teatro e Música e da revista Renascimento.
Anteriores referências em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/francisco-de-carvalho-e-rego/
(2) REGO, Francisco de Carvalho e – O Caso do Tesouro do Templo de Á – Má. Macau, Imprensa Nacional, 1949),87 p. 18 cm.