No dia 13 de Dezembro de 1784, o Senado protestou para Goa (1) contra a ordem para o governador presidir a todos os actos do Senado com ingerência em todas os assuntos da fazenda real (2) até agora administrados pelo Senado (3) (4) e pediu para Goa instruções sobre a forma como deveria proceder, no caso de qualquer agitação chinesa, em consequência das alterações introduzidas, como seja a criação da nova alfandega e o envio de mais tropas de Goa para Macau (5) (6)
(1) “13-12-1784 – O Senado não podendo suportar a sua subordinação ao governador escreve ao Governo da Índia:
«Recebemos carta em que V. Exa. Nos ordena que o governador desta Cidade presida neste Senado e nele tenha intendência em tudo quanto respeita a Fazenda real que ate agora administramos, sem embargo do Alvara Regio que V. Exa. Há por declarar que dispõe e determina o contrario.
Há 226 anos que os moradores desta Cidade estabeleceram e conservaram esta terra d Sua Magestade e sem dependência dos governadores dela este Senado a tem governado ainda em ocasiões das maiores controvérsias que se ofereceram entre os chinas e holandeses. Os mesmos moradores a resgataram e remiram por varias vezes das dividas que a necessidade contraiu em diferentes tempos com os Reis de Sião, Camboja e Batavia.
Eles a sua custa fizeram ir embaixadores a presença do Imperador da China, em que gastaram grossas quantias para efeito da conservação deste Estabelecimento.
Eles a defenderam no ano de 1622 contra o poder dos holandeses que nesta cidade desembarcaram com tropas regulares.
Eles socorreram em artilharia de bronze e dinheiro o Rei D. João IV, de feliz memoria, no ano de 1641.
Eles tem sofrido os maiores trabalhos e perseguições de China pela conservação da Cristandade neste Imperio.
Enfim, eles tem com o seu zelo aumentado os cabedais que hoje se conservam nesta terra pertencentes a Sua Magestade; e tudo sem dependência dos governadores dela, nem protecção alguma, mais do que o seu negócio, apesar das Nações Estrangeiras que opor muitas vezes tem intentado contrastar-lhe. (…)
Roga este Senado a V. Exa. Lhe declare a jurisdição que presentemente pertence a este Senado, porque o Governador actual em tudo se tem intrometido e não sabemos o que nos é concedido enquanto Sua Magestade não nos deferir a nossa representação que lhe fazemos para conservação dos nossos privilégios» (6)
(2) Acerca da Fazenda Real – extraído de (7)
(3) “28-07-1784 – São aplicados em Macau as célebres Providências em que o Ministro das Colónias, Martinho de Melo e Castro, por instigação do ex-Governador das Índias, Salema e Saldanha, reformou o poder dos governadores. Entre outros poderes, o Capitão-Geral, ou melhor o Governador, tinha o direito de intervir em todos os negócios concernentes ao bem estar da Colónia, e o de impor o veto sobre qualquer moção senatorial, só com o seu voto. A Guarda Municipal foi então substituída por uma guarnição de cipaios composta de 100 mosqueteiros e 50 artilheiros.
Foi Bernardo Aleixo de Lemos e Faria o primeiro Governador com estes novos poderes.
O Bispo D. Alexandre de Gouveia, que chegou a Macau nesta data, vinha incumbido duma dupla missão, segundo as «Providências» que D. Maria I enviara a Macau em 4-04-1783, a saber:
- Pôr termo às dissenções ocasionadas pela sagração em 1780 do italiano João Damasceno Salusti como Bispo de Pequim e sustentar os direitos do Padroado.
- Pôr termo às extorsões e vexações dos mandarins contra Macau e às medidas por eles adoptadas contra a soberania portuguesa e contra a Religião Católica, expressos num arrazoado de 12 articulados, gravados numa pedra do Senado e noutra em Mong Há.
Naturalmente o Senado «que a tudo era superior», (4) ressentiu-se ao ver-se apeado da peanha onde se instalara dois séculos antes e ao receber o epíteto de ignorante. Toda esta bilis extravasava num «memorial da Câmara Municipal» de 5-02-1847, que dizia:
«Em 1784, por efeito de falsas informações, apareceram as funestas Providencias da Corte, datadas de 1783, que introduziram o governador no Senado com voto de tal peso, que empatava o de todo o Senado». (8)
(4) Acerca do poder da Câmara de Macau: Extraído de (7)
(5) Chegou a Macau a 28-07-1784, um batalhão de 150 cipaios que veio da Índia para substituir a guarnição e a polícia de Macau. Passaram a efectuar patrulhamentos e tarefas de protecção da cidade, tomando sobre si a defesa da mesma.
Os cipaios ou sipaios também designados lascarins eram os naturais da Índia recrutados para as forças regulares do exército português,
“Sipai, cipai – Soldado indígena disciplinado e fardado quási à europeia, na Índia e África Portuguesa; fâmulo fardado, que acompanha ou faz recados. Do persa sipahi (soldado). O termo aparece registrado a partir de 1728, equivalendo aos mais antigos lascarim e peão. DALGADO, Sebastião Rodolfo. Glossário luso-asiático. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1919-1921.
(6) GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau 1954.
(7) “Revista litteraria: periódico de litteratura, philosophia, viagens, sciencias, e bellas-artes” Volume 4, 1839.
(8) SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2. 1997.