D Bartolomeu Manuel Mendes dos Reis, bispo de Macau (1752-1772) (1) que sucedeu a D. Frei Hilário de Sta. Rosa, (2) dirigiu uma representação ao rei acerca das raparigas chinesas e timorenses. (3) O rei respondeu assim a 30 de Março de 1758.
«Juiz, Vereadores da Camara de Macáo. Eu El Rey vos envio muito saudar. O bispo dessa Diocesse me reprezentou o injusto cativeiro que padecião os chinas, e Timores; a o opozição, com que vos intentasteis sustentar a introdução das mulheres das mesmas Naçoens nessa cidade contra a prohibição de huma sua Pastoral: e as escandalosas vexaçõens, que algumas pessoas fazião às escravas impedindo-lhes o uzo livre dos Sacramentos da Igreja, permittindo-lhes somente em certos dias a seu arbitrio. E dezejando Eu evitar as perniciozas consequencias, que poderão rezultar desses procedimentos: sou servido ordenarvos que, sendo-vos requerido pelo Bispo dessa Cidade o meu Real auxilio, para castigar aos que obstinadamente impedirem às escravas a observancia dos preceitos Divinos, e Ecclesiasticos e o frequente uzo dos sacramentos da Igreja, lhe deis todo o auxilio, que as circunstancias dos cazos requerem. Quanto porem á escravidão, e introdução das Chinas, e Timores sou outro sim servido, que emquanto Eu não der a competente rezolução, se conservem no mesmo estado, em que se achavão antes da publicação da Pastoral do mesmo Bispo. Tende-o assim entendido, e cumpri-o exactamente. Escrito em Belem aos 30 de Março de 1758 – Rey.»
(1) D. Bartolomeu Manuel Mendes dos Reis foi nomeado em 1752, Bispo de Macau, tendo chegado a esta terra e tomada posse em 1754. Durante o seu episcopado, por causa da perseguição promovida pelo Marquês de Pombal, os jesuítas forma expulsos de Macau e sequestrados os seus bens, ficando a Diocese de Macau gravemente prejudicada. O Bispo, desgostoso com a expulsão dos jesuítas partiu para Portugal em 1765. Foi transferido para a Diocese de Mariana, no Brasil, em 1772 mas resignou em 1779 e faleceu em Lisboa no ano de 1799.
(2) D. Frei Hilário de Sta. Rosa, bispo de Macau (1739-1752), também já havia enviado uma representação dirigida ao rei em 1747. Nessa representação o Bispo lamentava:
«Timores furtados enganados, comprados e trocados por fazendas, fazendo-os escravos e a seus descendentes por autoridade propria toda a vida, vendendo-os em praça publica contra leis e decretos sendo pessoas livres por natureza … (…). Quase da mesma sorte tem procedimento (sic) a gente de Macau com as chinas suas naturais, comprando-as em pequenas por limitado preço (dizem que para as fazer christãs), e depois de baptizadas e adultas as cativam e reputam suas escravas por 40 anos sem lei que permita, comprando-as, vendendo-as e dando-lhes ( ainda com ferros como as escravas), bárbaros castigos, precisando-as a fugir para o gentilismo ficando herejes.»
Frei Hilário de Santa Rosa foi nomeado Bispo de Macau em 1739, e chegou ao território em 1742, tomando posse da Diocese. Durante o seu episcopado, mandou reparar a Sé Catedral e foi muito crítico do costume local da compra das crianças. Regressou a Portugal em 1750 tendo resignado ao bispado em 1752. Faleceu em 1764. Consta-se que não lhe encontraram nenhum tostão na sua posse, pois dava tudo aos pobres.
(3) Além das raparigas chinesas (as denominadas mui tsai) havia também as timorenses e indianas que eram compradas nas suas terra e trazidas para Macau e aqui empregues à prostituição.
Mui Tsai 妹仔 – mandarim pinyin: mèi zǎi ; cantonense jyutping: mui6 zai2 – tradução literal: irmã (mais nova) pequena.
Utilizava-se o termo para designar as crianças, vendidas pelas famílias chinesas pobres às famílias chinesas mais ricas para serem criadas (escravas) como domésticas. Muitas acabavam por serem vendidas para os bordéis.
TEIXEIRA, Pe. Manuel- Os Macaenses.
[…] A 20 de Março de 1758, o Rei de Portugal D. José I, (rei de 1750 a 1777) escreve ao Conde d´Ega, Vice Rei e Governador da Índia (1758-1765): «Por lei de 19-II-1624, publicada em Goa no mês de Abril de 1625 e logo participada ao Ouvidor de Macau, foi determinado que os chins não podiam nem deviam ser escravos». No entanto, acharam-se subterfúgios e pretextos, (1) (2) dizendo-se «que ficariam as crianças expostas ao perigo de as matarem os ladrões chins que as levam a dita Cidade de Macau para os não apanharem com os furtos nas mãos, no caso de não acharem compradores»; outro é de os pais as matarem eles mesmos para evitar as despesas de as criar; «como se a culpa alheia e particular dos que cometessem semelhantes barbaridades pudesse bastar escusa de pecado próprio e igualmente bárbaro dos que, debaixo de semelhante pretexto, introduziam e estão sustentando uma escravidão geral, que ainda sendo de 40 anos, como se está praticando e convencionando ao tempo dos baptizados pelo chamado Pai dos Cristãos» (3) Para arrancar pela raiz este absurdo, o rei determina: «não haja mais escravidão de chins nem ainda temporal de certos anos; antes, pelo contrário, todos os referidos chins de um ou outro sexo sejam livres»… (…) e «ordenando debaixo de penas que por minha lei se acham estabelecidas contra os que fazem carceres privados e roubam o alheio; que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade ou condição que seja, possa reter os referidos chins como escravos mais de 24 horas, contadas da mesma publicação desta. Anulando e cessando toda a jurisdição temporal, que até agora teve o sobredito intitulado «Pai dos Cristãos» e seus constituídos, para que seja exercida pelos meus Governadores, Ministros Officiais, cada na parte que pelos seus Regimentos lhes pertencem» (4) (1) 1747– D. Fr. Hilário de Sta Rosa (franciscano, Bispo de Macau 1742 a 1750, segundo C. R. Boxer, foi um dos primeiros e proeminentes a condenar o sistema vicioso) numa representação ao rei D. João V, censura os habitantes de Macau por trazerem «timores furtados, enganados, comprados e trocados por fazendas, fazendo-os escravos …» a gente de Macau (faz o mesmo) com as chinas suas naturais, comprando-as em pequenas por limitado preço (dizem que para as fazer cristãs) e depois de baptizadas e adultas as cativam e reputam suas escravas por 40 anos, sem lei que permita, comprando-as, vendendo-as e dando-lhes (ainda com ferros) como escravas, bárbaros castigos). O prelado e os jesuítas são os campeões da liberdade individual e da libertação dos escravos que, apesar de grandes oposições conseguem alcançar. (2) Em 1758, O Rei D. José I, proíbe esta escravatura e aboliu o cargo de «pai dos cristãos»; o Senado apressa-se também a lançar pregões para que «nenhuma pessoa de qualquer condição pudesse vender Atais sob pena de perderem os ditos Atais (rapazes escravos domésticos) e Amuis (raparigas escravas domésticas), ou a valia destes e pagarem 100 taeis de pena (e todo o que foi impossibilitado para dita satisfação sera castigado corporalmente como a este Senado lhe parecer), a qual quantia sera aplicada para a reedificação das fortalezas desta cidade» (1) Na verdade o ministro responsável por este decreto foi o marquês de Pombal, que depois expulsaria de Portugal e de todos os seus domínio, os jesuítas. (3) O “Pai dos Cristãos” era o missionário incumbido dos chineses que se convertiam. Todos os cristãos chineses ficavam debaixo da jurisdição e vigilância deste padre. Como os jesuítas se incumbiam da conversão dos chineses, o «pai dos cristãos» era um jesuíta. A acção do pai dos cristãos exerceu-se, sobretudo, contra a escravatura, que em Macau se começou a praticar logo após a sua fundação. TEIXEIRA, P.e Manuel – Os Macaenses, 1965 (4) Retirado de SILVA, Beatriz Basto da – Cronologia da História de Macau, Vol. 2, 1997. Ver “Notícia de 30 de Março de 1758. Carta de El Rey D. José I”, acerca do mesmo problema, postado neste blogue em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2017/03/30/noticia-de-30-de-marco-de-1758-carta-de-el-rey-d-jos… […]