Retirei estes trechos (partes de artigo bem como as notas de roda pé) dum artigo da Professora Dra. Ana Maria Amaro «A “Queda da Alma” na Concepção Popular de Macau» (1) que está disponível na net. (2)
“… Certos locais onde se julga que residem maus espíritos, porque ali se ouvem gritos ou gemidos, tais como fontes, águas correntes, poços, etc. são, naturalmente, muito temidos, tanto pelos ameríndios (3) como pelos chineses e também pelos macaenses. Podem causar mal de ar ou provocar a queda da alma. O diagnóstico de mal de susto, em consequência da origem sobrenatural que se lhe atribui é, por isso mesmo, precedido sempre por adivinhação.
Depois de feito o diagnóstico, o tratamento consiste em chamar ou reencontrar a alma que caiu e ou se perdeu, ou em obter a sua libertação no caso de ter ficado prisioneira … (…)
Tanto entre os chineses, como entre os povos andinos, era comum a cerimónia do chamamento da alma para o tratamento de doenças desta índole.
O chamamento da alma em Macau assume dois aspectos: utilização duma peça de vestuário do paciente, que se agita, à medida que se vai chamando pelo seu nome e o balouçar-do-porquinho, defumação destinada ao tratamento de sustos infantis.
Relativamente aos adultos, usa-se, na Bolívia, o banho de flores que foi substituído, em Macau, pelo banho com água da decocção de sete folhas. (4)
Os banhos de cheiro e as mezinhas de sete folhas são, porém, mais usados em Macau, contra savan, mau olhado e vento sujo, doenças também de carácter mágico.
Contra mal de susto, a terapêutica mais popular usada pelos portugueses de Macau tanto para crianças como para adultos é, sem dúvida, a ingestão de pó de pedra cordial ou de Gaspar António, (5) preparação que se raspava com uma colher de prata e se tomava com um pouco de Água. Além desta, eram vulgares algumas mezinhas de beber, constituídas por ervas cozidas com coração de porco, usado…(…)
As senhoras macaenses, idosas, que conhecemos nos anos 70, acreditavam que o susto infantil poderia provocar doenças cardíacas no futuro e daí, darem a “chupar” às crianças pedra cordial ou deixarem que à más, ou parentes chinesas mais ou menos próximas, balouçassem o porquinho quando a criança de pouca idade ficava morum ou tinhosa (chorona, birrenta e sem apetite), embora sem febre, ou com febrinha (febre ligeira) sem causa aparente. Admitia-se que tal estado resultava de susto provocado por animal ou pessoa, ou por outro agente, que a pedra-ume queimada no brazeiro viria a indicar.
O balouçar do porquinho é considerado, em Macau, uma prática chinesa. Contudo, nem todos os informadores a interpretam da mesma maneira. Por vezes é interpretada como chamuscar o porquinho devido à homofonia das palavras tám (balouçar) e t’ám (chamuscar) (6) tendo a reza ou cantilena que a acompanha diversas variantes. Este facto sugere-nos, pois, uma antiga prática introduzida de algures e adoptada pela população chinesa de Macau. Aliás, balouçar o porquinho consiste numa defumação da criança que se julga sofrer de mal de susto, prática que era e é ainda corrente em Portugal, quando se trata de afastar qualquer malefício por artes de magia… (…)”
(1) AMARO, Ana Maria – O mal de susto ou subissalto, in: Revista de cultura. – Vol. 3, nº 10 (Abril/Maio/Junho 1990), p. 43-50.
(2) Pode consultar o artigo completo AMARO, Ana Maria – A ” Queda da Alma” na Concepção Popular de Macau in
run.unl.pt/bitstream/10362/6666/1/RFCSH4_121_133.pdf
(3) Entre os Kallawaya da Bolívia esta concepção e até o nome da doença são exactamente iguais aos dos chineses. (J. Vellard – Une ethnie de guérisseurs Andins, les Kallawaya de Bolívia, in “Terra Ameriga” Rev. A.A.I.S.A. n.º 41, Gênova, Dicembre, 1989, p. 28).
(4) A água ou chá de 7 folhas consiste na decocção de folhas de salgueiro; Aster garlachii Hance (às vezes substituída por folhas de pessegueiro); louro; Gynura segetum (Lour.) Merr.; Eupatorium chinense L; arruda e mangericão, às vezes substituído por folha de hortelã – hortelã-sopa, no falar da terra.
(5) Preparação à base de elementos minerais, cuja receita seiscentista constituía segredo dos Padres da Companhia de Jesus de Goa.
(6) É também possível que t´ám corresponda a – aquietar – o que está plenamente de acordo com o objectivo desta prática.
NOTA: o mesmo artigo com o mesmo título, foi traduzido para inglês e publicado em Agosto de 2011, pelo Instituto Internacional de Macau, na sua colecção Mosaico.
AMARO, Ana Maria – Mal de Susto or Subissalto (A Queda da Alma). Instituto Internacional de Macau, colecção «MOSAICO», Volume XIX, 2011, 35 p., 21 cm x 14,7 cm , ISBN 978-99937-45-50-1.
[…] (1) AMARO, Ana Maria – O mal de susto ou subissalto (A queda da alma) in: Revista de Cultura. – Vol. 3, nº 10 (Abril/Maio/Junho 1990), p. 43-50. Ver em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/01/25/leitura-mal-de-susto-ou-subissalto/ […]