21-10-1808  – Principiaram os distúrbios entre os chineses e os soldados da força inglesa que, desde 21 de Setembro ( sob o pretexto de defender Macau contra qualquer força francês tendo o Governador Bernardo Faria tentado por todos os modos, dissuadir os ingleses de ficarem pois perturbavam com cavalgadas a paz dos vivos e até dos mortos) tinham desembarcado nesta cidade. O Procurador Manuel Pereira oficiou aos mandarins de Hèong-Sán e Casa Branca, pedindo providências para a repressão dos chineses. Os mandarins responderam que não eram precisas leis para castigar crimes que não deviam existir no império, que embarcassem os ingleses e tudo ficaria remediado.” (1)
13-10-1808 – O Mandarim da Casa Branca oficiou ao Vice-Rei de Cantão, dando-lhe informações sobre as tropas ingleses que, sob o comando do almirante Drury, tinham ocupado Macau, armando 300 tendas de campanha, desde S. Paulo até Patane, a pretexto de defender esta cidade contra os franceses. (1)
23-10-1808 – O Vice -Rei Chiun Kuan, em seu nome e das mais autoridades superiores de Cantão, participou ao Imperador o desembarque  das tropas inglesas em Macau, dando também conta das providências que tomara, sem resultado, para constranger o almirante Drury a pôr termo a essa ocupação.  (1)
Por pressão chinesa, o Almirante e o seu corpo expedicionário inglês  veio a sair de Macau em 19 de Dezembro desse ano, graças também ao tacto político do Ouvidor Miguel Arriaga Brum da Silveira que conseguiu reembarcar os ingleses.
Em 30 de Outubro de 1808 o Governador Lemos e Faria  (2) enviou ao Almirante Drury  uma carta com o seguinte teor:
Entre as dificuldades que vos fiz antever, citei a inevitável complicação com os chineses. Tenho conhecimento do sistema do seu governo por longa experiência, adquirida na prática; sei os vínculos que os unem a esta cidade e por isso previ o mau êxito da vossa êmpresa. Falei-vos com franqueza e fui considerado como desafecto aos vossos projectos. Em 20 do mês passado declarastes, ainda que pouco favoravelmente ao exercício do meu emprêgo, ser qualquer oposição do Govêrno chinês desembaraçada pelo Almirante com o Vice-Rei; agora vejo depender dêste Govêrno a ultimação do negócio.
O Senado trabalha para que não sejam reputados sinistros os fins da vossa expedição. Se tem havido desconfiança nos mandarins, não é motivada por êste Govêrno, pois tem patenteado com franqueza a sua correspondência.
Já vos disse e agora repito: dos macaenses, nem um só deixa de respeitar a cada de Bragança, costumada a encher esta cidade de benefícios, em honra do seu Govêrno e glória dos seus moradores. Porém, como lhe não seja vedado amar a tranquilidade do seu País, não deve estranhar-se de cada um chorar a sua desgraça; sem blasfemarem da causa, aborrecem os efeitos. O pais de família, lastimam a morte de seus filhos, pelo abandono das amas de leite que se retiraram. Os infelizes, que têm na labutação diária os seus recursos, lastimam-se pela escassês e carestia dos géneros alimentares. Os mais abastados lastimam-se por verem chegar a época de fazerem as suas negociações e terem ainda as mercadorias empatadas, por, falta de giro, há 50 dias. Até os navios estão ainda por fabricar, à míngua de artífices, que também fugiram. Os empregados públicos, vendo fugir o comércio, lastimam-se sabendo que dêle tira o Estado rendimento para lhe pagar. Os mesmos habitantes chineses dados ao comércio têm emigrado e levado até o mais inferior dos trastes. E assim era de esperar de homens pacíficos, ao verem aparatos de guerra, ameaçados, além disso, pelos mandarins,  que julgam a constituição do Império abalada pela vossa imprudência. à vista disto não admira que haja descontentes que deplorem a sua desgraça e aspirem ao sossêgo deste fiel estabelecimento, que há 252 anos tem sempre respeitado as ordens do seu Monarca. Julguem por êste quadro se um tal povo necessita de proclamações para ser fiel ao Rei a quem adora.”

                            A. de Lemos, Governador de Macau (3)

NOTA: sobre o mesmo assunto, ver anterior postagem “Notícia de 1 de Janeiro de 1809 – Edital do Vice-Rei de Cantão” em:
https://nenotavaiconta.wordpress.com/tag/bernardo-a-de-lemos-e-faria/
e trabalho de Frederic Wakeman Jr “Drury´s Occupation of macau and China´s Response to Early Modern Imperialism” em
http://www.eastasianhistory.org/sites/default/files/article-content/28/EAH28_02.pdf
(1) GOMES, Luís G. – Efemérides da História de Macau, 1954.
(2) Bernardo Aleixo de Lemos e Faria (1754 – 1826) natural da Freguesia de Deus, (Índia), Cavaleiro da Ordem de Aviz, Fidalgo Cavaleiro de Sua Alteza Real, Capitão de mar e guerra da Armada Real foi pela 2.ª vez governador e Capitão geral de Macau, de 8 de Agosto de 1806 a 1808 (foi destituído do 1.º mandato em 1788 – acusado de comércio ilegal de ópio). O novo governador, Lucas José Alvarenga (1768- 1831) (4) tomou posse a 1 de Janeiro de 1809 ( a posse esteve marcada para 26 de Dezembro de 1808, após a saída dos ingleses, mas teve de ser adiada por doença). Lucas Alvarenga governou somente até 19 de Julho de 1810, ordem vinda de Lisboa obrigou Bernardo Lemos e Faria a retornar a Macau e voltar a ser governador pela 3.ª vez  até 19 de Julho de 1814 data em que deveria ser substituído pelo mesmo Lucas Alvarenga mas este não tomou posse. Manteve-se Lemos e Faria até 1–07-1817, data de posse do governador José Osório de Castro Cabral de Albuquerque.
(3) COLOMBAN, Eudore de – Resumo da História de Macau – 1927.
(4) Sobre este governador, recomendo as leituras de Luís Sá Cunha e Anita de Almeida,  disponíveis em:
http://www.revistamacau.com/2013/08/14/um-poeta-no-inferno/
http://people.ufpr.br/~vii_jornada/ALMEIDA_Anita.pdf