N´este anno de 1622, virão os Olandezes sobre Macao para o tomar à força de armas, como o desejão à muito, porque desta maneira se malquistarião com os chinas, pois lhe não fazião a elles guerra, enm multiplicarão povoações de Estrangeiros, que tanto teme esta nasção. E alem disso ficarião empedindo os Portuguezes, ou atravessando este Cômercio, que he o mais groço, de todo o Oriente. Não falo no saque da Cidade, que seria grande, por estar ella ao presente mais povoada, e rica, do que os mesmos inimigos imaginavão; com esta determinação chegarão aqui em 22 de junho 13 vellas Olandezas, entre navios, e Patachos, e Galeotas, em que vinha por general hum Cornelio Regres, e já antes estavão neste Porto coatro navios, que levavão sua Derrota para o Japão… (…)
Picou-se n´este tempo o sino da Cidade, e a gente que por varios logares estavão repartidas veyo concorrendo, posto que sem ordem, nem bandeiras, nem huma Companhia , que tudo faltou de nossa parte, senão a muita providencia de Deos, que por esta via de andarem os nossos espalhados, nos quiz dar a victoria mais barata, e vinha o inimigo já com o rosto nos bambuaes e Cidade, quazi emparelhando com a Hermida de Nossa Senhora da Guia, quando do Monte de São Paulo, que lhe fica sombranceiro, atodo aquelle Campo, se desparou huma pessa grossae apóz ella outras menores, que os fizerão parar, e juntamente reparar na muita gente que tinhão diante de sy, e valle, e pelo monte acima hia subindo até a Hermida, donde forçozamente lhe havia de ficar nas costas se quizece marchar por diante e já neste tempo muitos dos seus dando-se por cercados, não quizerão virar o rosto, ou pelo menos hirem-se retirando…. (…)
… Por elle lhe forão os Portuguezes dando nas costas, e os Olandezes fugindo tão soltamente que muitos largarão bandeiras, armas, e tudo, para hirem mais ligeiros, desta maneira até à praya de Cassilhas , onde tinhão dezembarcado, com diferente brio… (…) (1)

Armada Holandeza por Johan Nieuhof 1665Armada holandeza nas águas de Macau, desenho de Johan Nieuhof  em 1665 (2)

No tempo da briga (de 1622) recolherão (os comerciantes) seus cabedais ao Collegio (da Madre de Deus),como também as Senhoras principais (e “Religiosas de Sta.Clara” – se recolherao na Egreja (e Colégio), ao tempo da batalha, por ficar o dito collegio debaixo (a coberto) da artelheria do dito Monte, e dali não sahirão até a vitória ser alcançada” (Livro de copias de alvarás, cartas e mais papeis pertencentes ao governo economico de Macau, de 1769, citado em Ta- Ssi-Yang-Kuo). (1)
Segundo Guilhaume Isbrantsz Bontekou de Hoorn,, oficial holandês da esquadra, um dos participantes nessa invasão, numa obra escrita por ele e publicada em Amsterdão em 1725:
“Logo ao amanhecer do dia 24, canhoneamos a cidade com todas as bandas de artilheria, sem parar, e tanto quanto as peças poderiam supportar. tendo desembarcado, pouco depois, o nosso comandante com 600 homens, fez-se avançar rente à terra dois yachts, afim de estarem ahi promptos para qualquer eventualidade; principalmente para protegeram a retirada, se a empreza não fosse coroada de bom exito e, tambem, para favorecerem a aproximação das nossas chalupas e dos outros pequenos barcos que conduziam a nossa gente e deviam reconduzil-a quando fosse necessario. Os Portuguezes tinham construido um entricheiramento no sitio onde se devia realizar o desembarque; mas fizeram pouca resistencia, e quando a nossa gente penetrou n´elle, fugiram logo para um mosteiro ou convento situado n´uma eminencia… (…)

POSTAL DST 1986 Forte do Monte - Canhão“Overlooking the Macau Taipa Bridge from Monte Fort“(3)

 … Mas aconteceu-nos um accidente de grande importancia. Pegou o fogo a alguns meios-barris de polvora e não houve maneira de ir buscar outros nem de reparar de prompto essa perda. Pior foi o aviso que os portuguezes receberam do caso por um japonez desertor das nossas tropas. Tencionava-se occultar a retirada que era necessario fazer-se, o que com bastante facilidade se realisaria; mas, tendo esse aviso alterado tudo, cahiram os inimigos sobre a nossa gente que, sem polvora, nehuma resistencia podia oppôr; de maneira que resultou um grande numeroi de mortos. perdemos 130 homens e tivemos numero egual de feridos. N´esse numero contava-se Cornelio Reyertsz, nosso comandante; que foi ferido logo no começo, por ocasião do desembarque, com um tiro de mosquete, na barriga, de que, graças a Deus, não morreu… (...)” (1)

Monumento da Vitória 1927Monumento da Vitória , 1927

Neste relato o cronista holandês não fala como “pegou o fogo a alguns meios-barris de polvora, talvez manhosamente não quis atribuir o incêndio dos barris aos tiros de Monte. A narrativa da época evoca “se disparou huma pessa grossa e apóz ella outras menores“. Outras narrativas falam de ” 3 bombardas saídas duma única peça que ali, de novo, se tinha posto ou ” o P.e Rhó apresta 4 canhões que aí tinha colocado“.
“Do seu contexto porém, comparado com as versões portuguesas, não fica dúvida alguma de que os tiros de artilharia do Monte, dirigidos provavelmente pelo Pe.Jerónimo Rho,S.J., foram os que decidiram a salvação de Macau, nesse dia 22 de Junho de 1622. ” (4)
Um facto pouco conhecido é o seguinte: “ o célebre Padre João Adão Schall von Bell, (1591-1666), (conhecido em português por João Adamo), natural de Koln, e uma das maiores glórias da Companhia de Jesus na China por ocasião do ataque dos holandeses a Macau, tomou parte activa no combate, chegando a aprisionar por suas próprias mãos um dos oficiais holandeses.” (5)

(1) Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vols. I-II, 1899-1900, pp. 163-170.
(2) Johan Nieuhof (1618–1672), escritor holandês, sinologista, explorador e desenhista. A partir de 1649 empreendeu várias viagens ao Oriente onde, em 1664, era um dos principais agentes da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais.
Entre 1655 e 1657 empreendeu uma viagem de cerca de 2400 quilômetros, de Cantão até Pequim, na China, cujo relato fez dele um dos maiores escritores da época em relação aquele império.
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Macau#/media/File:Nieuhof-Ambassade-vers-la-Chine-1665_0739.tif
(3) Postal emitido pela Direcção dos Serviços de Turismo, em 1986.Impresso na Gráfica de Macau Ldª.
(4) PIRES, Benjamim Videira in http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP195/PP195063.HTM
(5) BOXER, Charles Ralph – Ásia Sínica e Japónica, Volume I, 1988 p.178. (245 p.).o