Quero referir-me à esquecida batalha naval de Lantau, (1) travada a poucas milhas de Macau, em 21 de Janeiro de 1810, contra o temido chefe Cam-Pao-Sai (2) que reunia nas suas lorchas uns 20.000 homens, da qual saímos vencedores, conquistando, assim, a liberdade para a navegação nos mares do Sul da China, vitória esta para o bom êxito da qual se cita que contribuiu o afundamento dum precioso pagode flutuante que sempre acompanhara Cam-Pao-Sai nas suas lutas e cujo desaparecimento foi tomado como mau agouro, abreviando a derrota dos piratas.” (3)

Em 21 de Janeiro de 1810, (data que os oráculos indicavam aos piratas como sendo inexcedivelmente auspiciosa, para enfrentar a frota macaense) o Capitão de Artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa, comandando seis navios sendo o maior de quatrocentas toneladas (26 peças com 160 homens) e o mais pequeno de 120 (16 peças e 100 homens), perfazendo ao todo uma força naval com 118 peças de artilharia e 730 homens e ajudado por alguns brigues ingleses, também eles interessados na operação, (4) desbaratou o poderio do célebre pirata Cam-Pau- Sai na «Boca do Tigre». Este, confiando no crédito e influência do Ouvidor Miguel Arriaga Brum da Silveira, (5) entregou-se com toda a sua esquadra, que consistia em mais de 300 juncos de guerra, com 1500 peças de artilharia, e mais de 20.000 homens aguerridos. (6)

Foi neste mesmo ano, que a 13 de Maio (1810), D. João VI concedeu o título de «Leal» ao Senado de Macau, em recompensa dos esforços envidados para repelir os piratas que ameaçavam o território.

Boca do Tigre(1) Mais conhecido pela Batalha Naval da «Boca do Tigre», local onde se deu a último combate naval (outros combates anteriores, no ano de 1809) entre navios portugueses e a armada de piratas chineses. Como se vê no mapa «Boca do Tigre» não fica perto da Ilha da Lantau (Hong Kong).
(2) O mesmo pirata é referenciado com outros nomes como Kam Pao Sai, Cang-Pau-Sai, Chang-Pau Sai, Cam-Pao-Tsai, Cam-Po-Sai, Apo-Sai, Apochai, Cam-Pau- Sai, Cam-Apó-Chá ou Quan Apon Chay.
Cam-Pau-Sai rende-se nesta batalha e negoceia a sua liberdade, abandonando a pirataria, conseguindo posteriormente ser nomeado conselheiro do Estado (segundo outras fontes: almirante-mor da armada chinesa) em Pequim, pelo Imperador da China.
(3) INSO, Jaime do – Quadros de Macau in Fausto Sampaio pintor do Ultramar Português. Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1942, 182 p.
(4) Os chineses comprometeram-se a também enviar uma esquadra, mas não o fizeram e o capitão de Artilharia José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa enfrenta os piratas sem esse auxílio, obtendo uma retumbante vitória. O capitão foi recompensado com o cargo de Governador e Capitão Geral das Ilhas de Solor e Timor.
(5) “23-11-1809 – Acordo entre o Ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira e o Procurador José Joaquim de Barros com os mandarins Shing Kei Chi de Nám-Hói, Pom de Hèong-Sán e Chu da Casa Branca para o apresto duma esquadra luso-chinesa, (7) para atacar os piratas de Cam-Pau-Sai. Arriaga exauriu os cofres do Senado e tomando emprestado a seu crédito avultadíssimas somas com os negociantes de Macau, especialmente com F. A. P. Tovar e Felix José Coimbra conseguiu equipar uma esquadra que alcançou uma retumbante vitória”. (GOMES, LG-Efemérides da História de Macau)
(6) GOMES, Luís Gonzaga – A destruição da esquadra de Kam Pau Sai in Páginas da História de Macau.
(7) “O Governo das duas provincias de Cantão e Quang-si, e o de Macáo, igualmente convencidos da precisão, que tem de pôr fim ás invasões dos piratas (os quaes sem temor infestam os mares, que cercam estas duas cidades) de restituirem a publica tranquillidade, e as relações commerciaes, formarão uma guarda costa, combinando a força dos dois governos: para esse fim nomearam os seus plenipotenciarios: Cantão, os mandarins de Nam-hay, Shon-key-chi, de Hiang-sam, Pom, e o da Caza branca, Chu: Macáo ao Conselheiro Arriaga, e ao Procurador do Senado, José Joaquim de Barros; os quaes depois de terem respectivamente communicado os seus plenos poderes, e discutido a materia, concluiram e ajustaram os artigos seguintes:
1.º Haverá uma guarda costa, de seis navios portuguezes, conbinada com uma esquadra imperial; cruzará seis mezes, desde a bocca do tygre á cidade de Macáo, a fim de embaraçar que os piratas não entrem nos canaes, que até agora tem infestado.
2.º O Governo chinez obriga-se a contribuir com oitenta mil taés para ajudar o armamento dos navios portuguezes.
3.º O Governo de Macáo fará logo cruzar os dois navios, que tem armados, e apromptará [46] com brevidade os quatro restantes.
4.º Ambos os Governos devem ajudar-se em tudo o que for a bem do cruzeiro, o qual não se estenderá além dos pontos determinados.
5.º As presas seram repartidas entre os dois Governos.
6.º Quando a expedição finalisar serão restituidos aos macaenses os seus antigos privilegios.
7.º As partes contractantes obrigam-se a cumprir tudo quanto se estipulou nos mencionados artigos sem alterar cousa alguma, e a consideralos como ratificados em virtude de seus plenos poderes.
Macáo 23 de Novembro de 1809.

Shou-Key-chi.—Arriaga.
Pom.—Chu—Barros. “

(Andrade, José Ignácio de – Memórias dos feitos macaenses contra os piratas da China e da entrada violenta dos inglezes na cidade de Macao. Lisboa , 2.ª edição, Typografia Lisbonense, 1835.).
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